www.esquerdadiario.com.br / Veja online / Newsletter
Esquerda Diário
Esquerda Diário
http://issuu.com/vanessa.vlmre/docs/edimpresso_4a500e2d212a56
Twitter Faceboock
ENTREVISTA
Não, a Venezuela nunca foi socialista
Milton D’León
Caracas
Wladek Flakin

A Venezuela está enfrentando uma crise sem precedentes: milhões abandonam o país devido à falta de comida e medicamentos. Isto prova o fracasso do socialismo? Para entender melhor a situação na Venezuela, o Left Voice, jornal estadunidense irmão do Esquerda Diário, conversou com Milton D’León, trabalhador marxista de Caracas e editor do site La Izquierda Diario Venezuela.

Ver online

Foto: REUTERS

Primeiramente, você poderia nos dar suas impressões sobre a crise na Venezuela?

A atual crise social e econômica que atravessa a Venezuela é devastadora. Os trabalhadores e o povo pobre estão vivendo em uma situação catastrófica com uma hiperinflação que pulverizou seus salários. Uma garrafa de óleo de cozinha chega a custar o mesmo que dois salários mínimos! Os serviços públicos como saúde, transporte, energia, água etc estão desmoronando. Milhões de pessoas já emigraram do país.

A situação que as massas estão enfrentando é insuportável. Trabalhadores estão exigindo um salário suficiente para sustentar uma família, o que é um importante sinal de crescimento de agitação social. O governo ignora estas demandas como no caso da greve indefinida das enfermeiras ou responde recorrendo à intimidação, quando não a repressão direta.

Recentemente, o presidente Nicolás Maduro anunciou uma série de “medidas econômicas” que serviriam supostamente para “dar a volta por cima” na economia. Na realidade, o objetivo é garantir a sobrevivência da alta burocracia do Chavismo e os lucros dos grandes capitalistas. Em outras palavras, são reformas direcionadas contra os trabalhadores e os pobres.

O governo Maduro reclama que a crise foi orquestrada pelo imperialismo dos EUA.

O imperialismo dos Estados Unidos vem saqueando a Venezuela por mais de 100 anos –independente de quem estava presidindo a Casa Branca, seja Bush, Obama ou Trump. O exemplo mais violento foi a tentativa de golpe contra Hugo Chávez patrocinado pelos EUA em 2002.

Desde o início, o governo Chávez teve atritos com o imperialismo dos EUA porque queria mais espaço nas questões econômicas. Mas Chávez nunca rompeu com o imperialismo. As gigantes multinacionais do petróleo sempre estiveram ativas na Venezuela e elas repatriavam seus lucros como fariam em qualquer outro país. O setor financeiro internacional é igualmente ativo aqui.
Agora, na crise, o imperialismo vem aplicando diversas medidas contra o sucessor do governo Chávez, Maduro, incluindo o decreto de Obama de que a Venezuela era “ uma ameaça à segurança nacional”.

Tiveram outras medidas como, por exemplo, a impossibilidade do governo financiar nem reestruturar a dívida externa. Então, eles continuam pagando!
Preciso ressaltar que o governo venezuelano sempre pagou a dívida externa religiosamente, especialmente durante os anos de catástrofe econômica. Esta decisão é para responder favoravelmente aos credores internacionais e ao capital financeiro internacional, enquanto o povo venezuelano sofre gravemente.

É claro que rejeitamos toda interferência e agressão imperialista. Acertar as contas com Maduro é uma tarefa para o povo trabalhador da Venezuela, não para o governo de alguma potência imperialista estrangeira. Nós também rejeitamos os métodos terroristas usados pela direita.

A crise na Venezuela prova o fracasso do socialismo, com muitos direitistas afirmam?

Na Venezuela não é o “socialismo” que fracassou e sim uma política que manteve o país dependente das receitas do petróleo, que garantiu os lucros dos banqueiros e empresários, enquanto o povo sofre com a fome. O governo se baseou nas forças armadas, em um permanente estado de emergência que fica cada vez mais repressivo ao longo do tempo. A propriedade privada na Venezuela sempre foi defendida e, durante a bonança do petróleo, os capitalistas prosperaram. Isto foi acompanhado por uma limitada distribuição de renda através de programas sociais, com base no boom do petróleo.

Porém, com a queda dos preços do petróleo, o governo não teve nada a oferecer além da colossal crise econômica e social que estamos vivenciando. Estamos Vivendo em uma situação desesperadora há três anos. O governo distribui cestas de alimentos (composta essencialmente por carboidratos) que são importadas a preços subsidiados. Elas vão apenas para alguns setores e não aliviam a fome do povo.

O governo de Maduro e do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) se apresenta como “socialismo do século 21”. Então você não considera a Venezuela como um partido socialista?

Não, absolutamente não. “Socialismo do século 21” não foi nada mais do que uma farsa. Uma fraude construída a partir do termo “Socialismo”, mas em defesa do capitalismo na prática – e não qualquer capitalismo, mas o de uma economia rentista totalmente dependente do petróleo. Na Venezuela, para cada 100 dólares que entram no país a partir de cambio internacional, $97 é pelo petróleo, e o resto é por outros minerais. O “socialismo” Chavista nem ao menos desenvolveu indústrias nacionais. Venezuela nunca deixou de ser um país capitalista.

No início, o governo procurou realizar algumas reformas sociais, mas isto nunca atingiu os privilégios dos grandes empresários e capitalistas. Até mesmo a Constituição Nacional respeita e preserva o direito à propriedade privada. Houve rumores de “Comunas”, mas o governo de Chávez sempre se baseou no Estado Burguês e especialmente nas forças armadas.

Qual a situação do movimento operário hoje na Venezuela?

No meio da catástrofe em curso, os trabalhadores começaram a levantar a cabeça. Uma onda de demandas por um salário compatível com a vida está varrendo o país. Trabalhadores querem receber o suficiente para alimentar uma família – esta demanda está nos protestos todos os dias. Há algumas tendências para a coordenação destas lutas.

A crise econômica está levando as pessoas para as ruas para lutar por suas demandas. É um fato que as batalhas dos trabalhadores estão se tornando visíveis no cenário nacional, com setores cada vez maiores da população participando de protestos ou organizando em seus locais de trabalho. Há apenas algumas semanas atrás, o movimento operário, a nível nacional, aparecia como impotente. Hoje, porém, a situação começa a mudar com novas lutas sendo travadas por todo o país, incluindo sindicatos nacionais como os de enfermeiros.

Diversos grupos socialistas juntaram-se ao partido de Chávez, o PSUV, para se conectar com as massas e empurrar o partido para a esquerda. Como estes projetos se saíram?

As políticas de grupos que se juntaram ao PSUV foi um grande fracasso – não somente para suas próprias forças, mas também por terem ajudado a arrastar trabalhadores e pobres para um projeto nacionalista burguês. Ao invés de impelir o PSUV para a esquerda, eles ajudaram a manter a ilusão de que o Chavismo poderia oferecer alguma mudança real para a população. Eles foram seduzidos pelo “canto da sereia” do Chavismo.

Como projetos políticos minoritários, eles juntaram-se ao partido governante e se tornaram seus militantes entusiastas. Agora que o Chavismo fracassou, eles continuam a afirmar que a crise atual é consequência do abandono do legado de Cháveaz por Maduro. Grupos como “Marea Socialista” saíram do PSUV, mas com menos força do que quando haviam entrado, e continuam “defendendo o legado de Chávez”. Outros grupos como o Tendência Marxista Internacional, de Alan Woods, ainda estão nas fileiras do PSUV, com um discurso “crítico , mas continuando a participar deste projeto.

Eles não fizeram um balanço destas políticas fracassadas. Em defesa do “entrismo”, eles se juntaram a um movimento nacionalista burguês. Como resultado, muitos trabalhadores tiveram dificuldade de ver uma solução política para a situação atual.

Se não é Socialismo, como podemos entender o regime venezuelano em termos marxistas?

No princípio, o governo de Chávez tinha características de um bonapartismo sui generis voltado para a esquerda, empregando a terminologia de Trotsky ao descrever o governo de Lázaro Cárdenas no México, incluindo atritos com o imperialismo para realizar manobras econômicas. Este caráter foi perdido. Em meio ao desastre econômico e à decadência do Chavismo, que se baseia nas forças armadas, podemos dizer que se consolidou um bonapartismo reacionário.

Após a perda da maioria no legislativo em 2015, o governo de Maduro recorreu às mais intricadas manobras burocráticas, enquanto fortalecia seu controle sobre os demais poderes do Estado, incluindo o judiciário e especialmente as forças armadas. Isso representou um avanço em direção a uma fase supra-parlamentar do bonapartismo.

Com o objetivo de manter as aparências, Maduro teve que criar, de um dia para o outro, uma “Assembleia Nacional Constituinte” completamente fraudulenta, formada exclusivamente por funcionários chavistas que recebiam poderes plenipotenciários e supra-constitucionais. Isto é apenas a capa do poder da alta burocracia, militar e civil, do Chavismo e do partido do governo. Esta é uma breve definição marxista da forma do governo, regime e estado.

Como seria uma política socialista na Venezuela?

Socialistas revolucionários na Venezuela continuam a batalhar pela construção de um partido revolucionário de trabalhadores. Nós clamamos por redobrar a luta por uma organização política da classe trabalhadora independente, confrontando o bonapartismo reacionário de Maduro e seus burocratas, bem como os planos da direta pró-imperialista. Os trabalhadores são a única força social que pode oferecer uma solução progressiva para esta crise monumental. Para fazer isso, o proletariado precisa formar fileiras lutando por sua independência do governo, do Estado e dos partidos patronais, bem como da interferência imperialista. Precisamos da perspectiva de luta por um governo dos trabalhadores e do povo pobre.

Tradução: Lina Hamdan

 
Izquierda Diario
Redes sociais
/ esquerdadiario
@EsquerdaDiario
[email protected]
www.esquerdadiario.com.br / Avisos e notícias em seu e-mail clique aqui