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TEORIA
Argentina: Qual estratégia para o movimento operário enfrentar o roubo da divida pública?
Gabriela Liszt
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Para avançar no novo saque nacional que o macrismo já aplica sob as ordens do FMI, a classe operária é o grande objetivo a se derrotar. Nesse marco, a burocracia sindical expressa grandes divisões onde encontramos junto aos da CGT, outros que tratam de se diferenciar como Sergio Palazzo, Pablo Moyano e as CTA, mas nenhum que se propõe a enfrentar este plano até derrotá-lo. Todos querem chegar nas eleições em 2019 para que “mudemos o voto” por trás de alguma variante do PJ.

Ou seja, brincam novamente com o futuro da classe operária e dos setores populares. E como em períodos anteriores, como nos fins dos anos 1980 e início dos 1990, se coloca qual deve ser a estratégia da esquerda no movimento operário para recuperar os sindicatos e utilizá-los como ferramentas de luta. O PTS vem polemizando com as correntes como o PO (Partido Obrero), IS (Isquierda Socialista) e MST (Movimiento Socialista de los Trabajadores) que possuem como consigna central “por uma nova direção do movimento operário” elevando sua estratégia à luta por “novas direções” que superem a velha burocracia sindical, sem determinar se desde este pólo das correntes de esquerda devemos lutar para que sejam classistas, democráticas e combativas, ou simplesmente “novas”.

As “novas direções” nos 80

As correntes que provem do MAS, partido que chegou a ter uma importante influência nas comissões internas e corpos de delegados, grêmios industriais e de serviços, arrasta esta estratégia desde 1983. O PO, um pequeno grupo naqueles anos, aplicou uma política similiar na época. Hoje, lamentavelmente, tanto os morenistas como os antimorenistas postulam em uníssono a mesma política. Nosso rechaço a esta consigna não é um capricho. Tem como base a experiência do movimiento operário no momento da saída da ditadura e um balanço da participação do MAS nele.

Durante a transição do general Bignone (1982-83) começou a regulamentação dos sindicatos; alguns haviam tido intervenções militares, outros continuavam nas mãos dos velhos sindicalistas. Por decreto o Ministério do Trabalho designou as “comissões normalizantes ou transitórias”. Durante a ditadura haviam funcionado duas CGT: a Azopardo, que eram os velhos sindicalistas colaboracionistas (Cabalieri, Triaca); e a CGT Brasil, que havia protagonizado lutas importantes contra a ditadura (Ubaldini, De Gennaro). Onde os dirigentes haviam sido deslocados pelo golpe, como Ongaro (Gráficos) e Guillán (Telefónicos) da CGT dos Argentinos,voltaram a seus cargos. E este último rapidamente apoiou ao governo de Alfonsín.

Durante a “primavera” democrática houve vários conflitos sindicais onde surgiram novos ativistas. Também ressurgiram vários partidos, muitos com nomes novos como o Movimiento al Socialismo (antigo Partido Socialista de los Trabajadores) e o Partido Obrero (continuação de Política Obrera), o PTP (antes PCR), o Partido Intrasigente e Mobilização Peronista. Mas sobretudo, havia muitas expectativas pela renovação radical com o alfonsinismo e uma tendência à militância sobretudo eleitoral. O PJ por sua vez ficou com sua velhacara associada a Isabel e López Rega, representados pelos candidatos Luder a presidência e Herminio Iglesias na província de Buenos Aires.

Em fevereiro de 1984 em seu jornal Solidariedad Socialista o MAS chama a “Formar tendências sindicais em cada sindicato que lute por conquistar uma nova direção” (SS N°55). Um documento coloca que:

“A característica mais importante das novas direções que estão surgindo a nível de fábrica (mostrando o exemplo da Ford e Terrabusi), é que são independentes da burocracia sindical e também do resto dos agrupamentos e que estão enfrentando as patronais. Surgemnaslutas.”

Ao mesmo tempo afirma que a vanguarda “é muito inexperta”, “não homogênea, sem caudilhos” (o que seria uma vantagem frente aos 70). Nos delegados “predominam os novos, não definidos ainda que se reivindiquem peronistas”, não estão ligados a nenhum aparato. A política era “demonstrar que somos os que mais apoiamos suas lutas, um programa justo, acompanhá-los”. (Documento sindical. “Al calor de las luchas está surgiendo una nueva vanguardia sindical”, 19/3/1984).
Poucos meses depois, o MAS caracteriza:

“Não sabemos em que momento se refletirá a revolução democrática triunfante (referindo-se a queda da ditadura) no seio do movimento operário e especificamente no movimento sindical. Pode ser depois da crise política do peronismo, durante essa crise ou, não descartamos, antes desta crise aberta, como consequência das eleições internas sindicais ou de grandes lutas, que farão que surja a nível de delegados e comissões internas uma nova direção do movimento operário e sindical argentino.”

Segundo sua análise a burocracia “sindical peronista está sofrendo o pior de sua crise: a do início de seu fim”, e estará “feito um salame do sanduíche entre os planos de austeridade do governo e a luta operária e popular que se desatará”, a consequência do qual se estaria “liquidando o novo colaboracionismo (...), facilitando o surgimento de uma nova direção sindical”. (SS N°84, 18/10/84). Este movimento antiburocrático e de “novos” dirigentes se deu em poucos locais. A maioria continuou com os velhos “colaboracionistas”. A CGT Brasil apoiou em seu início o governo de Alfonsín. Mas já em 1984 Alfonsín começava as negociações com o FMI aumentando a dívida externa. Havia conflitos por demissões e salários. Ao final de 83 e durante 84, se realizaram eleições na maioria dos sindicatos. Sob o argumento da “democratização sindical” o governo tentou umplantar a “lei Mucci” (que não conseguiu) para dividir o movimento operário em múltiplos sindicatos.

O ativismo que surgia nas lutas e as eleições eram de base e repareciam como dirigentes membros do peronismo de base, radicais, comunistas, maoístas, socialistas (MAS). Como veremos em vários sindicatos, podiam surgir frentes eleitorais circunstanciais ou frentes únicas para apoiar as lutas ou greves gerais com dirigentes inclusive não tão “novos” como De Gennaro. Não é esta a discussão. O problema é quando estes possíveis acordos táticos, circunstanciais, se converteram em uma estratégia, o objetivo final a se conseguir. Se a estratégia é construir “novas direções” se liquida a imperiosa necessidade de construir frações classistas que lutem pelo programa e métodos dos revolucionários.

Muito dificilmente não existam outras correntes (burocráticas, de conciliação de classes) que queiram ganhar essas novas direções. Sem combater as políticas das correntes com as que se faziam acordos eventuais, impondo a elas a prática real da independência política (sobretudo ao peronismo) e os métodos combatviso e de democracia operária (não somente a prática de assembleias mas também a liberdade de tendências, representação de minorias, etc) para poder lutar pela sua política não só nos organismos de delegados como nas assembleias, com um programa que fosse mais além das reivindicações corporativas, o MAS não poderia formar agrupações classistas que tivessem o objetivo de se construir nos principais e mais estratégicos sindicatos. Não puderam (nem tiveram o objetivo) de reconstruir o fio histórico cortado pelo golpe de 76, quando a vanguarda começava sua experiência a fundo com o governo peronista e a desenvolver as coordenações anti fabris. Nem sequer haviam feito um balanço dos anos 1970 enquanto corrente.

Longe de uma política revolucionária de frente única operária “golpear juntos, marchar separados” o MAS aplicou a política de “golpear juntos, marchar juntos” e assim terminaram diluindo a possibilidade de educar uma vanguarda revolucionária para futuros conflitos (como as privatizações dos 1990). Em geral as frentes (quase todas Verde ou Laranjas) eram rompidas pelas outras correntes, quando a “unidade” com o MAS já não servia a seus propósitos. Ao não lutar como fração pela independência de classe e somente ter uma política de exigência à burocracia, terminou favorecendo a que o ubaldinismo se fortalecesse como oposição.

A CGT unificada referendará sua adesão ao peronismo. Um setor do PJ viu que este processo podia abrir espaço para sua recuperação impulsionando uma variante política com uma cara um pouco “mais renovada”. Em 1986, no documento “Consolidar e politizar” (24/10/86), o MAS confessa ter tido um desvio sindicalista e vanguardista, já que não faziam trabalho político (distribuir os panfletos e jornais do partido, nem cursos de propaganda). Somente levavam a solidariedade aos conflitos e chamavam voto na oposição à burocracia, advertendo que “não devem atuar com os sindicatos como se estivessem sozinhos”. Esta concepção de “vazio de direção” voltará a ser colocada no Congresso de 88, negando a necessidade da frente única operária. O partido “se sindicalizou, se politizou mas não cresceu”. Enquanto a burocracia sindical havia se fortalecido.

Em 1987, quando a Renovação Peronista de Cafiero triunfa (apoiado por Grosso e Menem) na província de Buenos Aires a CGT está no auge de suas paralisações gerais. Em 1988, após o triunfo de Menem na interna do PJ, este chamará o movimento operário a entregar-lhe seu voto em 89, o desviando de sua luta contra a hiper inflação e as demissões.

Listas opositoras e alternativismo no MAS

Uma das variantes da política do MAS em 1980 foi integrar listas opositoras onde se subordinaram a setores burocráticos sem construir alternativas classistas, tendencialmente revolucionárias. Vejamos alguns exemplos.

Na ATE houve eleições em 6 de novembro de 1984. A Lista Verde ANUSATE apresentou Victor De Gennaro a nível nacional e na CABA, Germán Abdala contra o colaboracionista Horvath. Alfonsín pouco antes de assumir, e como parte do acordo com o FMI, começou as tentativas privatizadoras dos organismos estatais. O MAS contava com numerosos militantes neste sindicato. Mas a falta de diferenciação com a degeneração chegou ao ponto que muitos destes militantes se adaptaram à Verde, inclusive quando De Gennaro não preparou nenhum plano de luta sério enquanto seu secretário geral Ubaldini chamava a esperar o “momento oportuno” para a greve geral. O menemismo arrasará com as empresas do Estado e o MAS não será uma corrente alternativa a esse processo.

No ATSA Capital, formou-se a Lista Laranja em outubro de 1984 com o MAS, peronistas, comunistas, radicais contra o velho burocrata colaboracionista West Ocampo. O MAS dirigia os corpos de delegados ou comissões inernas dos principais sanatórios da época (Guemas, Italiano, Antártida) mas o secretário geral da lista foi peronista. Após uma fraude violenta da burocracia, a Laranja ganhou o sindicato Capital. Durante os 6 anos que estiveram, faziam assembleias nos sanatorios e laboratorios mas para informar o que havia sido discutido no sindicato, sem refletir as distintas posições. Os ativistas que resistiam aos ataques patronais não eram sujeitos de suas próprias decisões. Os dirigentes tendiam cada vez mais a se burocratizar. A última secretária geral da Laranja foi Carolina Lister (peronista-ubaldinista, atual CTA, FPV). Nos 90 aumentaram os fechamentos de sanatorios e as demissões. O MAS seguia sem apresentar uma política alternativa. O sindicato não teve uma política de frente única a nível das circunstâncias nem coordenou outros setores como os estatais. Não ficou nada para a história do movimento operário que possa ser resgatadado desta experiência sindical. A branca e azul de Héctor Daer (CGT) hoje segue dominando o sindicato sem oposição.

No SMATA, a Ford foi dirigida pelo PCR (hoje PTP e CCC), que vinha apoiando o PJ desde os anos de Isabel, e votou em Luder em 83. O MAS e o PO já eram parte do ativismo que surgiu no conflito de 1984. Nas eleições se apresentaram a Verde (José Rodriguez), a Azul e Branca (Cardozo, uma ruptura burocrática da Verde) e a Laranja formada pelo PCR, MAS e PO liderada por Miguel Delfini (dirigente do PCR que quis fazer um acordo com Cardozo mas fracassou). Esta lista surgiu em 1984 como antiburocrática e anti colaboracionista, com centro na Ford Pacheco e no SMATA Córdoba (lista Marrom dirigida por Roque Romero do PCR). A interna da Ford foi ganha por Cardozo. Dias depois Delfini, Romero e Roura soltaram um pedido enquanto Laranja onde chamavam a apoiá-lo, rompendo com a esquerda.

O MAS não havia preparado um setor que pudesse ver o oportunismo da politica de Delfini/PCR e que era apenas um acordo tático. Pelo contrário, havia apresentado Delfini e Romero como “exemplos de democracia sindical”. Quando Delfini estava traindo o conflito de junho-julho de 1985, após uma provocação patronal que terminou com demissões do ativismo e membros da Comissão Interna, o MAS não se propôs a formar um setor da vanguarda não só antiburocrático e antipatronal mas também que fizesse um trabalho reservado, classista e não corporativo capaz de enfrentar um poderoso inimigo como uma multinacional norte americana e que não ficasse nada dentro da fábrica. Foi uma derrota muito dura. Logo depois disso o MAS afirma que a “etapa de novos dirigentes se rompeu (...) porque muitos dirigentes terminaram cedendo às pressões da velha burocracia e, em alguns casos da patronal” (SS 28/11/85). Rodriguez voltou a controlar o sindicato com mão de ferro.

Outra variante, que também não servia para combater a burocracia, foi a do alternativismo.

Em professores, durante o “maestrazo” de 88 a política sindical do MAS foi aparentemente diferente. A CTERA era dirigida pela burocracia Azul: Garcetti como secretário geral e Mary Sánchez os recém criados Suteba (ambos peronistas ainda que a maioria dos docentes havia votado no Alfonsín). O governo se encontrava claramente debilitado pela derrota eleitoral sofrida no ano anterior com Cafiero. Continuava a fratura entre o setor conduzido por Garcetti, onde se encontravam a maiorparte dos sindicatos provincianos e dos professores. O MAS ao invés de intervir nos sindicatos majoritários, chamava a confiar no desconhecido e ausente (durante o conflito estava na Suiça) burocrata Arizcuren para criar uma nova central de professores sob a sua direção. A greve foi derrotada pela aceitação da CTERA da conciliação obrigatória referendada em múltiplas assembleias nas quais o MAS não deu nenhuma batalha. Ou seja, deixou a grande maioria dos professores nas mãos da burocracia da Azul.

A estratégia da esquerda

A história demonstra o fracasso da política de “novas direções” como estratégia. Estas terminam diluindo-se ou sendo cooptadas por algum setor burocrático. Pode-se fazer frentes táticas para impulsionar e coordenar as lutas, inclusive frentes eleitorais com aqueles que se apresentem como anti burocráticos e antipatronais, mas estas tem que estar a serviço de construir frações classistas e forjar a crítica à burocracia na independência de classe.

O MAS dos 80 começou a avançar no terreno eleitoral através de frentes de colaboração de classes como o FREPU em 1985 e Izquierda Unida em 1989. No sentido contrário, uma vantagem frente ao processo atual é a existência da FIT, que desde de 2011 vem crescendo em várias instâncias eleitorais influindo num setor importante de trabalhadores nacionalmente que vota por uma frente que levante a independência de classe. Para o PTS os trabalhadores necessitam que os sindicatos (que não são um “fetiche” mas hoje continuam dirigindo o movimento de massas) se convertam em uma ferramenta para lutra não só por suas reivindicações imediatas mas também para derrotar o ajuste que nos quer impor o FMI, o governo e os governadores com a colaboração da CGT e impor uma saída a crise. Dar por derrotada a estratégia desde o início, é chamar as direções reformistas para ocupar o lugar pelo qual devem lutar os revolucionários.

 
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