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Neymar é negro? Um debate sobre colorismo e orgulho racial
Letícia Parks

O jornal norte-americano The New York Times, em sua coluna de opinião publicou, um artigo onde discutiu uma antiga entrevista de Neymar Jr. em 2010. Na ocasião, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo onde ele respondeu a jornalista que o entrevistava que “nunca havia sofrido racismo”, pois segundo ele e com suas próprias nas palavras, ele “não é preto”.

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A jornalista Cleuci de Oliveira que assina esse artigo do The New York Times recuperou essa entrevista de 8 anos atrás do principal jogador da seleção brasileira na Copa do Mundo da Rússia para discutir assuntos pertinentes ainda hoje à sociedade brasileira como miscigenação e identidade negra.

Certamente Neymar pode ter mudado sua opinião ao longo desses anos após sua entrevista, o caso de racismo sofrido pelo seu companheiro de time Daniel Alves lateral direito do Barcelona quando atiraram em sua direção uma banana em um jogo disputado na Espanha. O lateral direito do time catalão, prontamente, comeu a banana e Neymar saiu nas redes sociais se solidarizando com o racismo sofrido pelo companheiro de time com a campanha “somos todos macacos” que rapidamente viralizou na internet e nas redes sociais. Por mais que não concordemos com a campanha, pois homens negros não são em hipótese nenhuma semelhantes a macacos, talvez Neymar tivesse o intuito de enfatizar que todos os seres humanos, independentes de nossa cor, somos uma espécie evoluída dos primatas, e, portanto não haveria motivos para práticas racistas.

Fato é que negros de tom claro, como Neymar, Daniel Alves e tantos outros jogadores da seleção brasileira nessa Copa do Mundo, comumente não reivindicam sua negritude, se declarando branco, moreno, pardo, etc. Essa constatação, na verdade, não pode ser descolada do processo histórico de branqueamento populacional do pós-abolição e nos faz bater à porta o debate sobre colorismo e sua importância nos dias de hoje.

Tão logo a escravidão foi abolida no Império brasileiro, os ex-escravos e filhos de ex-escravos foram jogados à sua própria sorte, sem nenhum amparo político-social ou econômico após três séculos de escravidão. O que se viu, ao contrário, foi uma elite branca dando as costas àquela massa de pessoas negras que haviam construído com suor e sangue a nova República que surgiria um ano depois. Essa mesma elite branca, não tardou em excluir e acentuar a condição de miséria de negros e negras, a fim de dar continuidade a debates instituídos ao longo do século XIX com as teorias raciais, principalmente do racismo e do racialismo, ela mesma adotou uma política de imigração europeia com o intuito de “embranquecer” a população de cor. A política de “branqueamento” populacional tinha o intuito de acabar aquela massa de pessoas negras, criando assim o indivíduo miscigenado (nem negro e nem branco) o paradigma de brasileiro e o indício que aquela nova República caminhava a passos largos rumos à modernidade.

Esse processo na prática, fez com que aumentasse substancialmente o número de mestiços que não deixaram de sofrer com o racismo e com a condição econômica herdadas da escravidão, pois eles não eram nem brancos, nem morenos e nem pardos, eram negros de tom claro. Ao mesmo tempo houve um esforço intelectual e retórico para se estabelecer uma narrativa que acompanhava esse processo de eliminação via branqueamento da população negra, através da mentira que braços, negros e mestiços no Brasil se relacionavam harmoniosamente e, portanto, não existiria mais o racismo. Gilberto Freyre, e sua explicação sociológica da mestiçagem na formação da nação brasileira, ajudou a criar esse mito da democracia racial utilizado pela burguesia racista para perpetuar sua posição de domínio e exploração sobre a população negra.

Daí deriva nossa primeira reflexão, o mito da democracia racial juntamente com o processo de branqueamento populacional incentivado por uma elite branca com uma política de dominação de classe, criou uma massa extensa de jovens, homens e mulheres negras de toma claro que, segundo essa mentira absurda, não sofriam mais com o racismo e eram miscigenados, não eram negros. Essa foi uma política levada à frente pela burguesia durante anos no Brasil e que reverbera ainda hoje com muita força. Ela incentivou a população negra a não se declarar negra e sim parda ou branca, e criar a ilusão de que não existe racismo e que os negros de tom claro não sofrem com preconceito de cor, assim como Neymar afirmou anos atrás.

O colorismo surge com uma resposta ao mito da democracia racial e ao branqueamento/miscigenação enquanto política de dominação de classe. A identidade negra passa a ser presumida não apenas pela tonalidade da pele, se é mais ou menos retinto, mas também pelos traços fenótipos que essa política tentou apagar. A contrapelo dessa política, negros de tom claro no marco dos 130 da Abolição da escravidão, não deixaram de sentir na pele a dor do racismo e muito menos os efeitos econômicos da escravidão, estando ainda nos piores postos de trabalho, recebendo os menores salários e sendo o alvo preferencial da polícia.

Esse debate sobre identidade negra e colorismo reacende uma outra reflexão, muito importante da luta do povo negro, seja em âmbito nacional ou internacional que é o orgulho racial. Um tema extensamente debatido nos círculos pan-africanistas (e que teve Marcus Mosiah Garvey como um grande expoente), na luta pelos direitos civis norte-americanos com Movimento Black Power e também entre negros marxistas como o Partido dos Panteras Negras. O orgulho racial foi uma resposta política ao empenho racistas de intelectuais e governos imperialistas em inferiorizar os negros a partir das teorias raciais, de animalizá-los, de caracterizá-los a partir de traços físicos sua condição social inferior e sub-humana.

Interessante perceber que em meio as marchas em Oakland pela libertação de Huey Newton, principal liderança do Partido dos Panteras Negras, se viu agitações políticas com os dizeres “Libertem Huey” (“Free Huey”) e outras escritas “Negro é lindo” (“Black is beautiful”). Em meio a luta de classes, aqueles negros marxista não deixaram de reivindicar o orgulho racial e se opor àquela construção racista do negro como inferior. Em realidade, todos esses debates elencados acima, seja da reivindicação da identidade negra a partir do colorismo e o combate ao mito da democracia, do orgulho racial enquanto protesto político não podem estar deslocados da luta de classes. Elas devem ser lutas táticas para um embate maior que é a construção a partir de lutas anti-racistas das bases materiais de uma sociedade socialista, essa realmente sem racismo e sem exploração entre classe.

 
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