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TRIBUNA ABERTA
Conflitos na Tentativa de Terceirização das Unidades de Conservação (SP)
Bartolomeu Oliveira Argente

Moradores tradicionais, monitores ambientais e barqueiros podem perder seus trabalhos e/ou moradias. Especialistas e Movimentos Ambientais mostram preocupações com riscos a preservação das últimas áreas verdes do estado, caso terceirização se efetue.

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Imagem de protesto realizado por indígenas, quilombolas e caiçaras na ALESP em 2016 contra o PL 249/2013. Imagem de autoria desconhecida.

O governo de São Paulo aprovou em 2016 o projeto de lei 249/2013 que permite a terceirização por 30 anos de 25 Unidades de Conservação (UCs) do Estado de São Paulo. Desde então, em algumas das últimas áreas ambientalmente preservadas do Estado, tem se buscado repassar para empresas inúmeras atividades ligadas as UCs. Ou mesmo passar a permitir que sejam executados pelas empresas que vencerem licitações funções antes proibidas ou restritas nas reservas e parques naturais do Estado - como extração de madeira e piscicultura.

Essa medida aumenta vários conflitos e incertezas, em especial por muitas dessas unidades de conservação serem moradia de populações tradicionais. Comunidades de índios, quilombolas e pescadoras caiçaras vivem em muitas desses locais. E uma parte delas desenvolve, em pequena escala e com fim de sustento familiar, algumas dessas atividades que pretende-se agora repassar para empresas externas as unidades de conservação.

No Petar, no Alto Vale do Ribeira, por exemplo muitos dos moradores locais atuam como monitores ambientais, para acompanhar o fluxo de turismo que já existe na região. Na Ilha do Cardoso, litoral sul do Estado, as comunidades se dedicam a pesca artesenal ao longo do ano. Já nos meses de verão ao fluxo de turismo - onde atuam em pequenos quiosques e restaurantes mantidos pelas famílias locais. Moradores do município também trabalham durante o verão como barqueiros, fazendo transporte de visitantes em embarcações próprias de pequeno porte.

Tais iniciativas surgiram em diversas UCs como processos de turismos de base comunitária e de baixo impacto. Que buscavam tentar conciliar contribuir para a permanência das famílias nas comunidades, com o objetivo de preservação ambiental das unidades de conservação. Partiam do princípio que a vivência e o conhecimento do meio que essas comunidades detinham por estarem ali há muitas gerações tinha que ser valorizado. O trabalho em conjunto do estado com as comunidades seria, de acordo com esse modelo, o melhor caminho para garantir a conservação dessas reservas.

Com a chegada do PL de 2017, surgiram muitas incertezas das comunidades continuarem a terem acesso e controle dos seus mecanismos de sustento. Num primeiro momento falou-se de licitar locais de alimentação das unidades de conservação, atualmente em muitas delas mantidos pelas famílias de moradores locais. Em editais que dificilmente as comunidades das UCs teriam condições de competir em condições de igualdades com empresas externas de grande capital.

Muitos acreditam que num segundo momento não só moradores tradicionais, mas também monitores ambientais e barqueiros também seriam afetados: "Talvez os atuais monitores e barqueiros até possam continuar atuando, mas passaria a ser organizado de outra maneira" - declarou uma fonte envolvida no projeto de terceirização, que pediu para permanecer anônima - "Hoje eles estabelecem seus preços e recebem diretamente dos turistas. Isso precisa ser melhor ajustado. Quando o projeto de terceirização avançar, eles podem passar a serem prestadores de serviço das empresas que ganharem as licitações para administrar o turismo. Não fariam mais os acertos direto com o turista, eles passariam a serem funcionários terceirizados das empresas, e receberiam um valor fixo por cada semana trabalhada". Defensores do projeto afirmar que dessa maneira o fluxo de turismo seria melhor administrado por ser coordenada de uma maneira centralizada, e não fragmentada como hoje. Trabalhadores, porém, temem que podem ter sua renda bastante diminuída, e ter suas condições de trabalho pioradas.

A própria continuidade das UCs como locais de moradia para as comunidades tradicionais são motivos de preocupações. No Parque do Jaraguá, a pressão pela saída dos indígenas que vivem ali tem crescido muito desde a aprovação do Projeto . Em muitos casos não se expulsa diretamente as comunidades, mas se tomam medidas que tornam sua permanência mais difícil.

No Parque da Jureia, por exemplo, obras ali realizadas dificultavam o acesso ao mar pelos pescadores locais. O problema foi motivo de uma ocupação das obras, que pediam para terem novamente o acesso ao mar em condições parecidas com as de antes. Um gerente ligado a administração das UCs chegou a levar a polícia ao local para tentar fazer com que moradores recuassem em sua mobilização.

Muitos moradores acabam tendo que deixar seus locais de moradia diante dessas pressões ao longo dos anos, e migrar para a periferia das grandes cidades. Acostumados a obter seu sustento por meios de vida tradicionais como aqueles ligados a pesca, encontram muitas dificuldades de se adaptarem e obterem trabalho nas grandes cidades. A falta de perspectivas e o afastamento dos modos de vida que suas famílias viveram por muitas gerações leva muitos dos que foram forçados a deixar as UCs à depressão e ao desemprego.

"O projeto de terceirização tem um conflito direto com a presença das comunidades, e as atividades já existentes nas UCs" declarou A.T.Santos, advogado que acompanha os processos. "Caso ele (o processos de terceirização) não seja interrompido, a tendência é com o tempo as atuais comunidades, monitores e demais trabalhadores que atuam nos parques (moradores ou não) sejam muito prejudicados. Perderão o controle de seus trabalhos, passando a serem funcionários mal pagos das empresas que assumirem as licitações. A preservação também deverá ser comprometida. As empresas que assumirem não tem uma relação próxima com as UCs que as comunidades e atuais trabalhadores tem. Eles enxergarão aquilo apenas como uma fonte de lucro, e vão querer tirar o máximo que puderem em pouco tempo. O morador tem interesse direto na preservação, ele não quer ver ser degradado o local em que vive e do qual tira seu sustento".

Até o momento, o governo não mostra sinais que irá recuar na sua intenção de avançar com as terceirizações. Em algumas delas, como nos Hortos Florestais, os processos já se iniciaram. Ao mesmo tempo, em diversos locais existe organizações de grupos de moradores e trabalhadores contrários ao processo. Importantes associações da área ambiental – como S.OS Mata Atlântica – e movimentos sociais se posicionam contra o projeto da maneira como foi ele proposto. Os conflitos e impasses devem se aprofundar nos próximos anos, e parecem longe de serem resolvidos e determinados.

 
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