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JUNHO 2013
5 anos das manifestações de junho de 2013: força e limites da espontaneidade da juventude
Francisco Marques
Professor da rede estadual de Minas Gerais

Junho de 2013 marcou profundamente a política nacional, com a tomada das ruas por milhões de jovens de norte a sul do país, reivindicando direitos e questionando a precarização da vida imposta pelos partidos e pelo regime político tradicional. Qual a força daqueles protestos e quais seus limites?

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Foto: Douglas Agum

O que foi junho?

As manifestações de Junho de 2013 aconteceram durante a Copa das Confederações sediada pelo Brasil e foram a explosão da insatisfação que se acumulava no fim de ciclo de mais de uma década de governos petistas, com milhões de jovens saindo às ruas, primeiramente contra o aumento nos preços do transporte e contra a repressão policial, e depois com um grito de denúncia contra a desigualdade, a precariedade da vida no país e contra os políticos.

A crise capitalista que se iniciou em 2008, e que Lula havia prometido ser só uma "marolinha", começava a pesar sobre a economia brasileira. O crescimento do PIB que havia sido de 7,5% em 2010 e uma média de 4% na década anterior, ficava em 1% em 2012 e 2,3% em 2013. Com a queda do preço das chamadas commodities (minério, soja, petróleo, etc.) no mercado mundial, as promessas do projeto petista, de melhora progressiva na vida das massas, começam a escancarar sua impossibilidade histórica no regime capitalista de um país atrasado que seguia (e segue) submetido ao capital imperialista, pagando "religiosamente" a dívida pública ilegal que rouba recursos do país e incapaz de desenvolver a economia nacional para superar a gigante dependência da técnica e da indústria estrangeiras. A fórmula lulista do ganha-ganha estava esgotada, e não era mais possível que os banqueiros lucrassem como nunca antes na história enquanto era possível fazer algumas concessões de direitos às maiorias.

Em linhas gerais essas foram as bases profundas do caldeirão que entornou em junho de 2013. Até 2013 a população "perdoava" os escândalos de corrupção, os privilégios dos políticos e a imensa desigualdade do país porque a promessa dos governos petistas era de que os problemas seriam progressivamente superados. Em junho os gritos de "não vai ter copa", "o povo acordou" e "vem pra rua" e os cartazes dizendo que "não é só por 0,20 centavos" e exigindo "educação padrão FIFA" e "saúde padrão FIFA" abalaram o regime político, questionaram o PT e os partidos tradicionais da direita e escancararam a revolta que até então estava mais ou menos adormecida. A juventude saiu às ruas em peso — a juventude universitária, a juventude secundarista e a juventude trabalhadora, com grande peso dos negros e moradores das favelas e periferias — e colocou suas demandas em discussão em toda a sociedade, contudo carregando ainda confusões, falta de organização e pouca experiência política.

Avenida Rio Branco, Rio de Janeiro

O MPL, a força da explosão de junho e a impotência do "autonomismo"

O Movimento Passe Livre - SP (MPL-SP) foi a organização que mais ganhou visibilidade em junho de 2013. Como ao longo dos anos anteriores estiveram à frente de organizar as manifestações contra os aumentos nas tarifas do transporte público, e como foi ali, no dia 13 de junho em São Paulo, o estopim de uma revolta nacional, a organização ganhou imensa visibilidade e prestígio. Mas junto ao MPL, por todo país nasceram "assembleias populares e horizontais", "fóruns unificados de luta" e centenas de organizações com ideias semelhantes às do MPL.

Essas organizações proclamavam a "autonomia", a "horizontalidade", o "consenso" e a "ação direta" como princípios da luta contra o aumento das tarifas. Formas organizativas que apareciam como um discurso mais democrático, mas que acabavam minando a força do movimento, tanto pelo descolamento com as estruturas estudantis e de trabalhadores, quanto pela falta de organismos de auto-organização por estrutura, que permitissem que cada pessoa que saía às ruas pudesse ser sujeito de pensar os próximos passos do movimento, bem como os objetivos políticos do mesmo.

Sem organismos de auto-organização da base, o movimento carecia de uma direção democrática. A única forma que a história mostrou para que centenas de milhares se organizem, debatam e se mobilizem conjuntamente é com a realização de assembleias de curso, faculdade e local de trabalho, que elegem representantes formando um comando unificado da luta, com algumas centenas de jovens e trabalhadores que representem as centenas de milhares em luta em cada grande cidade do país.

Sem esses espaços, o movimento acabou refluindo sem usar toda a potencialidade que tinha. O método de convocação via redes sociais e algumas assembleias esparsas e desligadas das estruturas, fez com que com a repressão e a conquista do objetivo de redução da tarifa, os atos fossem diminuindo com o tempo, sem ter espaços onde se pudesse pensar os próximos passos. Esse método organizativo estava ligado aos objetivos políticos.

São Paulo

Se aquela juventude, que rompia com o pacto petista, tivesse uma estratégia de se ligar aos trabalhadores, parar a produção, poderia atingir o centro da dominação capitalista e conquistar além da passagem, a estatização sob controle operário do transporte, e abrir ainda mais uma crise nacional, questionando a violência policial, os privilégios dos políticos e juízes e lutando por demandas estruturais como saúde e educação.

Ou seja, era preciso avançar em chave anticapitalista na luta. Contudo, o MPL e as direções autonomistas não se propunham a questionar o sistema capitalista de conjunto e não faziam política buscando formar uma força revolucionária capaz de fazer frente aos governos e à burguesia e suas instituições. A aparente radicalidade desses movimentos acabava com propostas como o projeto de "Tarifa Zero", que propõe subsídios aos grandes empresários para ter transporte coletivo gratuito para todos, enquanto as empresas seguem lucrando alto.

Quando eram poucas centenas de jovens com objetivos pouco audazes, com protestos que pouco alteravam o cenário político, e menos ainda a correlação de forças entre as classes, a impotência do MPL e do autonomismo não tinha se mostrado com tanta força. Quando milhões estavam nas ruas, amedrontando os governos, sofrendo uma repressão brutal e procurando um caminho para mudar os rumos do país, a falta de uma resposta à altura se escancarou e cobrou seu preço.

Outro problema que a concepção autonomista colocava para o movimento era o absoluto desligamento entre a juventude e a classe trabalhadora. Não se viu em nenhum momento uma exigência aos sindicatos e direções tradicionais dos trabalhadores — como CUT, CTB e outras centrais sindicais — de que mobilizassem as categorias junto aos jovens que tomavam as ruas, o que poderia ter sido uma união explosiva, que mostraria a força da classe trabalhadora para parar o país, impor as demandas apresentadas nas ruas e abrir caminho a novos questionamentos e conquistas.

O papel da UNE, da UBES, da CUT e da CTB em junho de 2013 também foi decisivo

Ainda com todas essas críticas ao autonomismo, consideramos que tiveram somente uma responsabilidade parcial para que a imensa revolta de junho não tenha avançado na organização da juventude e dos trabalhadores e não tenha conquistado demandas estruturais no país, como teria sido a estatização de monopólios dos transportes garantindo o fim do lucro sobre um serviço essencial, por exemplo, ou a garantia de grandes investimentos na educação e na saúde públicas.

Um fato decisivo foi que a juventude se mobilizava contra um governo petista que tinha como bases de apoio fundamentais as organizações tradicionais e históricas da juventude, dos trabalhadores e dos movimentos populares. A União Nacional dos Estudantes (UNE) e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) tinham feito parte da governabilidade petista ao longo dos anos, fazendo as campanhas eleitorais em que se coligavam com a direita e com os grandes empresários, ocupando ministérios e garantindo a maior passividade possível nas bases das escolas e universidades. O projeto petista, de pequenas mudanças e grande continuidade com o projeto neoliberal de FHC, mantinha a desigualdade e a miséria estruturais do nosso país, enquanto as direções tradicionais diziam que aquele era "nosso governo".

Milhares de entidades estudantis como CAs, DAs, DCEs e grêmios eram dirigidas pela UNE e pela UBES, e não cumpriram nenhum papel relevante de auto-organização e mobilização. Se fizeram presentes pela inércia de um movimento que arrastava milhões e ganhava um imenso apoio popular, e principalmente para impedir que a juventude se radicalizasse chamando à aliança com os trabalhadores. Ou seja, tinham o papel de impedir que um movimento policlassista ganhasse os trabalhadores como força social dirigente.

Belo Horizonte. Foto: Alexandre C. Mota /Reuters

De forma ainda pior foi com a CUT e a CTB, que estiveram absolutamente ausentes do movimento, como se uma imensa revolta popular e juvenil não dissesse respeito aos milhões de trabalhadores organizados nos sindicatos. Ao contrário, teria sido um momento extremamente favorável para lutar pela unidade da classe trabalhadora por melhores condições de salário e trabalho para todas as categorias, combater a terceirização impondo que todo trabalhador precário fosse incorporado ao quadro efetivo, e para lutar contra as privatizações, principalmente da Petrobras, que vinham avançando com os governos petistas.

Da mesma forma, as demandas ligadas ao questionamento ao regime político corrupto, deveriam unir jovens, trabalhadores e toda a população. O PT mostrou que tinha se somado ao esquemas de corrupção que estruturam a forma como a direita sempre governou o nosso país a serviço dos grandes capitalistas. Era preciso levantar um questionamento da esquerda à corrupção e a todos os políticos, lutando pelo confisco dos bens de políticos corruptos e de empresas corruptoras, pela estatização das empresas corruptas, pelo fim dos privilégios dos políticos (que ganhem o mesmo salário que uma professora ou operário médio) e para que os políticos fossem revogáveis segundo o desejo popular, e não de 4 em 4 anos. Um programa que é parte da luta por um outro tipo de governo, um governo de trabalhadores em seu sentido anticapitalista.

Breve balanço de junho de 2013 e os desafios da juventude hoje

Essas debilidades das direções das manifestações de junho não foram por acaso. Os anos de restauração burguesa e de neoliberalismo ainda cobravam (e cobram) seu preço. A restauração capitalista na Rússia e a identificação do socialismo e do comunismo com regimes autoritários como o stalinismo, a propaganda ofensiva da burguesia de "fim da história" e da vitória do capitalismo, afirmando inclusive o fim da classe trabalhadora, haviam impactado com força a subjetividade das massas em todo o mundo, e a maioria das organizações de esquerda abaixou bandeiras tradicionais em troca de outras mais "palatáveis" e reformistas.

Mas a crise de 2008 foi um balde de água fria nos sonhos de vitória derradeira do capitalismo, e esse amontoado de mentiras começou a ser desmontado cada vez mais com as manifestações, greves e até processos revolucionários como a Primavera Árabe em 2010/2011. A juventude se levantou em 2011 questionando os políticos e a desigualdade com o 15-M dos Indignados na Espanha; nos EUA denunciaram a superacumulação dos bancos e especuladores no coração do imperialismo, com o Occupy Wall Street. Mas a falta de organizações revolucionárias e de experiências na luta de classes abriram espaço para preconceitos autonomistas e "anti-partidos" e visões reformistas e limitadas.

Junho de 2013 se insere nesse contexto mundial, após décadas em que as direções tradicionais dos trabalhadores tinham ajudado na implementação das medidas neoliberais, como os partidos socialdemocratas e socialistas europeus. No Brasil havia certa semelhança com essa situação, com uma crescente insatisfação com o projeto do PT, que mostrava seus limites, ao não ter enfrentado os capitalistas nacionais e o imperialismo e ao ter conciliado com a velha direita reacionária e herdeira da Ditadura. Era uma consequência "natural" que o autonomismo e a negação da necessidade de partidos e organizações florescesse nessa situação.

Apesar da força dos protestos de junho e de até hoje ser um momento que marca a política nacional, a falta de uma organização nacional que apontasse o caminho para enfrentar os governos e capitalistas, fez com que parte do legado de junho pudesse ser disputado pela direita, apesar das pautas progressistas das manifestações. Neste aspecto, também, foi grande a responsabilidade das direções petistas, que abriram esse caminho, inclusive nas eleições de 2014 com Dilma aumentando o peso das bancadas conservadoras em seu governo, em troca da chamada governabilidade.

Os protestos de 2015 e 2016 pelo Impeachment mostraram que Junho mudou o país, que pós-junho as posições políticas se expressam nas ruas. O golpe foi feito com o apoio ativo da classe média e a classe média alta nas ruas, apoiadas pelos grandes empresários, pela grande mídia e pelos partidos de direita.

As lições de junho de 2013 só reforçam outras lições históricas, como a necessidade de construir organizações de juventude que impulsionem a auto-organização dos estudantes e jovens e se unam às lutas da classe trabalhadora, retomar as entidades estudantis das mãos das burocracias estudantis para que sirvam para a luta e atuar na construção de um partido revolucionário de trabalhadores que supere pela esquerda a experiência do PT, apontando o caminho de um governo de trabalhadores que rompa com o capitalismo e a subordinação do país ao imperialismo, para conquistar as demandas estruturais do país que irromperam nas ruas em junho de 2013.

Foto: Arquivo/Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

 
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