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AGRONEGÓCIO IMPERIALISMO
O agronegócio na economia e política brasileira em meio à guerra comercial EUA-China
Leandro Lanfredi
Rio de Janeiro | @leandrolanfrdi
André Barbieri
São Paulo | @AcierAndy

Essa é a primeira parte de uma série de dois artigos que tratam da guerra comercial EUA-China e sua relação com o agronegócio no Brasil. O setor agrário brasileiro pode vir a ganhar ainda mais peso político pós 2018. O controle estrutural das finanças sobre o agronegócio. O aprofundamento do papel de “Fazenda do Mundo” submisso à divisão mundial do trabalho estabelecido pelo imperialismo

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O vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, veio ao Brasil como encarregado do governo Trump para extrair do golpista Temer novos acordos de submissão. Washington não desceu para negócios: veio “imprimir a agenda” estadunidense a um governo que representa toda a decadência nacional capitalista. Uma das imposições do emissário de Trump foi a colaboração brasileira na pressão que o imperialismo exerce sobre a Venezuela. Havia outra imposição, no entanto, disfarçada de “parceria comercial”: a circunspecção na relação com a China.

A agressividade dos Estados Unidos sobre a América Latina em geral, e sobre o Brasil em particular, teve como exemplo a imposição de cotas limitadas de exportação de aço e alumínio, para que o Brasil escapasse das tarifas que Trump distribuiu sem parcimônia a aliados e adversários. Mas há uma preocupação que norteia o imperialismo estadunidense. Na guerra comercial em que se encontra com a China, busca frear dois resultados: o primeiro, o incremento das relações comerciais entre China-Brasil; o segundo, que a indústria agrícola brasileira se fortaleça em detrimento dos fazendeiros norte-americanos, especialmente no ramo da soja (matéria-prima cobiçada pela China).

O revés pró-brasileiro do distúrbio comercial com a China

A preocupação de Mike Pence e do governo Trump – eleito em 2016 apoiando-se, dentre outros setores, nos poderosos monopólios dos cinturões agrários norte-americanos – é que a “balança da soja” pode estar pendendo favoravelmente ao Brasil e desfavoravelmente aos EUA.

A China é a maior consumidora de soja do mundo: devora mais de 63% da produção global. Seus principais fornecedores são os Estados Unidos, e alguns países da América do Sul, especialmente Brasil e Argentina. Entretanto, fruto das tarifas de Trump sobre produtos de tecnologia avançada da China, o governo de Xi Jinping responderá com pesadas tarifas contra as exportações de grãos de soja dos EUA, atacando um dos núcleos econômicos sobre os quais se apoia Trump. O resultado esperado dessa operação de desgaste é que a soja brasileira substitua uma porção maior do consumo chinês.

Pedro Djeneka, da consultoria de agrobusiness MD Commodities, disse ao Financial Times que “certamente a China recorrerá ao Brasil” em meio à guerra comercial com Trump. Cumpre lembrar que a indústria da soja no Brasil surgiu na década de 1980, quando o presidente norte-americano Jimmy Carter, retaliou a União Soviética por ter invadido o Afeganistão, com um embargo de grãos de soja. O Brasil se aproveitou disso e "ocupou esse mercado", tonando-se hoje o arquirival dos fazendeiros estadunidenses.

Esse desenvolvimento prévio preparou as bases para o papel de “Fazenda do Mundo” por parte do Brasil, e engrandeceu poderosas famílias ligadas ao agronegócio – como a família Maggi em Goiás, “rainha da soja” no país – das regiões Centro-Oeste, Sul e Norte do Brasil.

Apesar do incômodo necessário sentido pelos EUA, não existe competição com uma semicolônia atrasada como o Brasil. Este é um país subordinado na divisão mundial do trabalho, cuja burguesia conservadora e amedrontada pela classe trabalhadora impõe um saque nacional através do pagamento da ilegal dívida pública (e por uma sistemática entrega de recursos naturais, como o petróleo). O que o imperialismo estadunidense quer evitar é uma nova versão do fenômeno dos anos 1980: um setor agrário mais fortalecido no Brasil em função das retaliações comerciais dos EUA, num novo estágio histórico. Estamos tratando da potência em ascensão do gigante asiático e de um salto na produtividade por hectare no Brasil, que, segundo a Embrapa já ultrapassa a produtividade média dos EUA, através do uso em larga escala de transgênicos e também de agrotóxicos proibidos em outros países, consumindo sozinho cerca de 20% da produção destes venenos.

O complexo da soja, sozinho, representa cerca de 11% do PIB nacional se levarmos em conta estimativas de faturamento da Esalq/USP para este ramo, e o peso do agronegócio em toda a economia, estimado em 23,5% do PIB segundo o IBGE. O agronegócio é particularmente dependente da China, tendo 34,7% das exportações destinadas à China e outros 2,65% a Hong Kong. Juntos, representam o dobro do que o agronegócio brasileiro vende a todos os 28 países da União Europeia, ou quase 6 vezes o que vende aos EUA segundo dados do ministério da Agricultura.

O diretor da Câmara de Comércio Brasil-China, Kevin Tang, vai além e refere a “nova parceria estratégica” entre os dois países: "À medida que um grande fornecedor de algo que é vital e estratégico para o país assume uma postura agressiva, a China precisa se resguardar. Na parte de alimentos e toda sua cadeia de insumos e logística, o Brasil é visto como um parceiro mais confiável". A China quer comprar a Eletrobrás (e todo o sistema elétrico do Brasil, já possuindo a CPFL) e participar dos projetos ferroviários no Centro-Oeste (o que já indica que a necessidade de escoamento de grãos será maior para a China).

Esse cenário paradisíaco para o latifúndio brasileiro dificilmente caminhará os passos tranquilos de um sonho de uma noite de verão. É muito provável que o objetivo da viagem de Mike Pence seja advertir Temer de que Trump aplicará medidas comerciais punitivas de alguma natureza contra o Brasil, caso busque se beneficiar em demasia da China (o retorno da tarifa sobre o aço brasileiro ainda está na mesa e outras medidas em escala maior devem ser tomadas). A própria guerra comercial EUA-China tem a potência de reduzir o preço das matérias-primas, incluindo a soja, o que terminaria o idílio dos magnatas do agronegócio que planejam colher safra recorde de 118 milhões de toneladas de soja em 2018.

A despeito disso, a relação China-Brasil “veio para ficar”. Nas convulsões que surgem com os distintos nacionalismos econômicos e a contínua entrada de capital chinês na logística, podemos perguntar: o capital chinês irá se “combinar” ou irá se contrapor a forte presença e dominação tecnológica da agricultura brasileira por EUA e Europa, com suas gigantes como Dow Chemical, Bayer (dona da Monsanto), Syngenta, Bunge e Cargill?

Os nacionalismos econômicos convulsionam os países semicoloniais e dependentes que estão sob controle de seus capitais, e isso pode colocar no “olho do furação” o agronegócio e os transportes, setores da economia que estão atualmente numa verdadeira cruzada por abocanhar parcelas superiores da mais-valia e da renda da terra nacional.

Avanço dos monopólios e do capital bancário no campo

Este cenário nos convida a pensar, do ponto de vista estratégico, o desenho desta paisagem econômico-política em meio à crise orgânica no Brasil: o setor agrário pode vir a ganhar ainda mais peso econômico no país pós-2018. Isso significa que estes setores estarão em melhores condições para aumentar seus lucros. Parcela do agronegócio, particularmente os gigantes da soja, já foram parte dos setores patronais que estiveram por trás da paralisação dos caminhoneiros (vide a atuação da associação patronal chamada Aprosoja) e este cenário estratégico para este ramo da economia os coloca em crescente condição de abocanhar parcelas superiores da renda nacional em detrimento de outros setores, como as empreiteiras e determinados ramos industriais.

O agronegócio já é beneficiado por isenções fiscais e bilionários empréstimos subsidiados que alcançam cifras que não são comparáveis com nada que beneficia qualquer outro setor capitalista (fora os detentores da dívida). Enquanto o agronegócio choramingava os aumentos em seus custos com frete frente à última tabela desenhada por Temer (antes dela ser suspensa) eles recebiam a soma nada desprezível de R$ 194 bilhões para a safra de 2018/2019.

Detalhe “sórdido” que ilustra que quanto mais ligado ao capital estrangeiro e mais concentrado o capital maior seu benefício: para a logística (fortemente dominada pelo capital estrangeiro) e para “investimentos” os juros serão de 5% ao ano, bem abaixo do que o Estado brasileiro paga na dívida pública (medida pela SELIC que está em 6,5%).

Ou seja, para colocar mais dinheiro no bolso do latifúndio são oferecidos créditos que gerarão maior dívida pública porque o Estado ou os bancos estatais se endividarão a 6,5 ou 7% e entregarão a 5%.

Essas gigantescas somas e o oferecimento de crédito subsidiado aos barões da soja, do engenho, e do boi não é uma novidade de Temer.

Lula já havia destinado R$ 100 bilhões em seu último ano de governo (corrigidos pela inflação do índice IPCA, seriam R$ 156,8 bilhões em valores atualizados); e Dilma, em seu último mandato presidencial, destinou R$ 187 bilhões a estes subsídios na safra 2015/2016 (corrigidos pelo mesmo índice, Dilma entregou R$ 207 bilhões de reais).

Este mecanismo de endividamento público para garantir os lucros da família Maggi & Cia, e para garantir o escoamento da produção de sementes da Monsanto, Syngenta, Bayer, é feito gerando dívida para cada brasileiro e mostra uma cara de um fenômeno que vem se desenvolvendo ininterruptamente: a maior penetração no campo e o crescente domínio estrutural do capital financeiro sobre as commodities.

Além do crédito estatal subsidiado diversos bancos nacionais e imperialistas tem avançado sobre o campo. Especialistas ouvidos pela revista “Dinheiro Rural” falam que o mercado privado de crédito agrícola cresce a ritmos estrondosos – de 10% ao ano em toda a última década – e só o gigante Itaú projeta um crescimento de 40% em seus negócios rurais este ano. O mesmo Itaú, maior banco do país, tem segundo a mesma revista, negócios assegurados em mercadorias agrícolas de R$ 30 bilhões, seguido de perto pelo banco imperialista holandês Rabobank com R$ 29,7 bilhões, o Bradesco outros R$ 21 bilhões e o Santander preda sobre o campo dívidas que somam outros R$ 14 bilhões.

O campo vem sofrendo maior penetração e um crescente domínio estrutural pelas finanças nacionais e estrangeiras que já abocanham a parte de leão da renda nacional via dívida, swaps cambiais e outros monopólios garantidos pelo Estado. Agora, com maior avanço em cima do campo podem, em associação aos latifundiários, absorver uma parcela ainda maior das riquezas nacionais.

O comportamento rentista do latifúndio – ao qual sempre se associou o capital industrial, e sempre sugou recursos do Estado, só lembrar dos subsídios ao café na Velha República e com Vargas – está acelerando sua relação e dominação pelo rentismo usurário, dos monopólios estrangeiros, e da bolsa e da dívida.

A dominação da soja pelos bancos também passa pela Bolsa de Valores. Ano a ano cresce a importância de “futuros” e “derivativos” relacionados às commodities e ao comércio exterior (derivativos cambiais e mecanismos de “hedge”, por exemplo) bem como os “recebíveis agrícolas” nas transações da BM&F/Bovespa. Só em “recebíveis” – ou seja, adiantamento de valores baseados em mercadorias que serão vendidas – já existe um mercado que soma promessas de pagamento da ordem de R$ 20 bilhões, segundo a estatística de junho de 2018, e estas promessas trocam de mãos girando bilhões em cima desta quantia ainda módica mas que cresce ano a ano.

Qualquer estudo mais pormenorizado do campo brasileiro deve encontrar um salto na presença imperialista, do capital financeiro, bem como da concentração monopolista seguindo essa dinâmica que não só leva a destruição ambiental mas a crescente sangria de recursos nacionais para enriquecer ainda mais os donos das fazendas, das sementes, dos agrotóxicos e do crédito.

Estrategicamente, não resta dúvida de que os vastos latifúndios são plataformas para a pressão imperialista sobre a classe trabalhadora urbana e rural no Brasil. Esta combinação revela o estado da decadência nacional promovida pelo capitalismo, que reserva ao Brasil o aprofundamento do papel de “Fazenda do Mundo” submisso à divisão mundial do trabalho estabelecido pelo imperialismo. Um resultado disso é que a participação da indústria no PIB seja hoje comparável à da década de 1910. E que no pólo mais pujante da economia nacional encontremos o mais atrasado, que “velhos” problemas como o latifúndio ganhem renovada centralidade para qualquer resposta anticapitalista no país.

 
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