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ECONOMIA MUNDIAL
A ira protecionista de Trump e a quebradiça aliança transatlântica
André Barbieri
São Paulo | @AcierAndy

A cúpula do G7 havia se proposto marcar um caminho de amenização na relação entre os Estados Unidos e seus principais parceiros comerciais no ocidente, suavizando o abalo com as ameaças de guerra comercial entre os membros da aliança transatlântica, em especial com a Alemanha. Na realidade, foi a mais conflituosa reunião do G7 em 45 anos, desde sua primeira reunião em 1973.

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Donald Trump, havia dado sinais de que poderia lançar propostas de diálogo com os seus parceiros internacionais, como o anúncio de um eventual acordo de livre comércio entre os membros do G7. Menos agradável que essa mensagem, trouxe a proposta de reincorporar a Rússia ao grupo das principais potências (restituindo o G8). Uma conduta defensiva na forma, mas mais agressiva no conteúdo, o que se viu ao final da cúpula.

Trump deixou a cúpula mais cedo para viajar a Cingapura (onde encontrará o líder norte-coreano Kim Jong Un), não sem antes quebrar o acordo de um comunicado unificado de todo o G7, ameaçar impor mais tarifas, sugerir o retorno da Rússia (que foi expulsa do grupo após a anexação da Crimeia, pertencente à Ucrânia), e chamar o primeiro ministro canadense, Justin Trudeau, de “fraco e muito desonesto”. O Canadá foi o país anfitrião da reunião, e Trudeau havia se referido às tarifas de Trump ao aço canadense como “insultantes”.

Em frangalhos não ficou apenas o NAFTA (Tratado Norte-Americano de Livre Comércio), que reúne EUA, Canadá e México. As relações transatlânticas, cujo péssimo estado havíamos debatido aqui, alcançou um novo nível de aspereza. O presidente francês Emmanuel Macron declarou que “os isolados Estados Unidos se depararam com uma frente única de seus aliados”. Já a chanceler da Alemanha Angela Merkel – que se enfrenta com a ameaça de tarifas contra a exportação de automóveis aos EUA – declarou que se Trump coloca os Estados Unidos em primeiro lugar, “devemos [os europeus] lutar por nossos valores”.

Macron, posteriormente, sentiu necessidade de recuar alguns degraus nas tensões, e disse que “a Rússia é uma grande potência europeia, e devemos trabalhar juntos. Mas é preciso ser coerente: para alargar o G7 a Rússia precisa respeitar os acordos de Minsk na Ucrânia”. Mas as frases contra a imposição de tarifas caíram em ouvidos surdos. Em seu Twitter, Trump fustigou o Canadá, e acusou a União Europeia de não pagar “praticamente nada” para a manutenção da OTAN, financiada majoritariamente pelos EUA.

Trump e o primeiro ministro italiano Giuseppe Conti

A rispidez com os aliados tradicionalmente mais próximos a Washington (Alemanha, França, Reino Unido e Canadá) contrastou com o convite ao retorno de Vladimir Putin ao grupo de maiores potências do globo, as boas relações com o primeiro ministro eurocético da Itália, Giuseppe Conti, e a propaganda de um encontro “fantástico” com o norte-coreano Kim Jong Un.

Nacionalismos econômicos à la carte

A cúpula do G7 apenas ratificou as crescentes tendências protecionistas que galopam em direção a múltiplas guerras comerciais. O nacionalismo econômico de Trump vai rachando o sistema global de trocas surgido no pós-Guerra Fria. Até agora, a imposição de tarifas sobre o aço e o alumínio, sobre produtos agrícolas e veículos foi impulsionada pelos EUA; entretanto, não é impossível que a venenosa atmosfera da crise mundial coloque outros países em rota de colisão.

Há sinais de que a crescente belicosidade comercial de Trump convenceu Merkel em dar alguns passos em direção a um acordo com Macron para revitalizar o motor Alemanha-França sobre a Europa. Mas abaixo deste fenômeno aparente, a Alemanha está colocando em primeiro lugar a garantia de suas exportações de capitais para toda a Europa (especialmente sua dominação da mão-de-obra do leste europeu), e as exportações de veículos para os Estados Unidos. A negativa à proposta de Macron de um mecanismo de resgate financeiro para toda a eurozona ainda divide Paris e Berlim diante do mais novo risco pós-Brexit, o governo populista de direita na Itália.

Merkel e Trump no G7

Como escrevemos aqui, as ameaças comerciais ocorrem sobre um frágil tecido econômico: as taxas de crescimento da atividade econômica global se tornaram menos sincronizadas entre os países do que em 2017, tendo no declínio econômico da própria União Europeia o elo débil. A possibilidade de que aumente o abismo que separa a situação da maioria dos países do sul e do leste europeu diante da riqueza da Alemanha e dos países nórdicos pode antecipar o retorno da divisão do continente que vimos em 2015.

A combinação entre a continuidade dos problemas estruturais abertos pela Grande Recessão de 2008, e a atmosfera protecionista com as múltiplas ameaças de guerra comercial, desvenda um panorama de desaceleração na recuperação já frágil da economia mundial. É útil lembrar que o motor atual das investidas protecionistas não é o mesmo que na década de 1930. Diferentemente dos anos que se seguiram ao crack da Bolsa de Nova York em 1929, as tendências protecionistas atuais não se explicam nem pela catástrofe econômica nem pela paralisia comercial, e sim pelo crescimento particularmente débil dos anos pós Lehman Brothers. O resultado da cúpula do G7 é um sintoma na superestrutura política desse mesmo fenômeno de debilidade endêmica do capitalismo (que não exclui momentos de recuperação, como vimos em 2017).

Ataques especulativos e o Brasil como alvo

Por sua vez, essa dinâmica tem seus efeitos imediatos sobre os chamados “países emergentes”, os países dependentes e semicoloniais. Países como Argentina, Brasil e Turquia viram ataques especulativos do dólar contra suas moedas nacionais: no ano, o peso argentino acumula queda de 26,9%, a lira turca, de 15,31%, e o real vem logo depois, com 10,8% de desvalorização. A rupia indiana teve recuo de 5,39%, o rand sul-africano caiu 5,35%, e a rupia da Indonésia, 2,78%. No Brasil, o dólar quase a R$4 provocou saída de capitais e queda do poder aquisitivo da moeda; na Argentina, o direitista Macri assinou acordo de resgate de U$S50 bilhões com o FMI, que exigirá mais ajustes aos trabalhadores. Esse caso argentino é emblemático, por mostrar com mais clareza o objetivo que carregam estes ataques especulativos: é um dos mecanismos com que as finanças estrangeiras pressionam por mais reformas antipopulares.

“Misterioso, mas eu vos mostro a chave”, diriam os especuladores estrangeiros. Tony Volpon, economista da empresa de serviços financeiros UBS, disse em entrevista ao Financial Times que "a possibilidade de que as reformas no Brasil passem aumenta quando os mercados estão em turbulência", ou seja, quando os mercados pressionam, os congressistas brasileiros se apressam a atender às exigências do capital financeiro estrangeiro. Ilan Goldfajn, presidente do Banco Central, confirmou essa previsão da UBS: entregou bilhões das reservas nacionais para acalmar os mercados enquanto a burguesia não consegue aplicar o restante das reformas e não emplaca seu "candidato de centro".

Para a revista Stratfor, o Brasil “perdeu o apetite por reformas”. Apontam que o descontentamento nas ruas com a crise dos combustíveis e o repúdio à casta política pode “reduzir rapidamente o ritmo de liberalização econômica no Brasil” à medida em que os congressistas passam a pensar nas eleições e não nas reformas anti-operárias como a reforma da Previdência. O The Economist apresenta ideia semelhante, acrescentando que ainda que os mercados esperam que Alckmin cresça no panorama eleitoral, as pesquisas mostram insistentemente que os “extremos antireformas” (Bolsonaro e Ciro Gomes) vão ganhando terreno.

Em suma, podemos dizer que as razões para desestabilizar a moeda brasileira nesse momento consistem em 1) mostrar a visão negativa do mercado financeiro sobre a conduta do governo Temer, "cedendo a todas as pressões" do movimento pró-patronal dos caminhoneiros, especialmente os subsídios ao diesel, quando as reformas deveriam estar “no sentido oposto” (reforma da Previdência); 2) a saída de Pedro Parente da presidência da Petrobras, que ameaça a política de preços indexados aos mercados internacionais, o que prepara sua privatização (levando em conta que novo chefe da Petrobras, o neoliberal Ivan Monteiro, vendeu 70% dos blocos de exploração das bacias de pré-sal para mostrar boa vontade ao imperialismo; 3) os políticos que representam para as finanças internacionais a continuidade das reformas de Temer, da chamada “centro-direita” (Alckmin, Meirelles, Maia), vão muito mal nas pesquisas eleitorais, e aqueles vistos pelas finanças como “antireformas” – Bolsonaro e Ciro Gomes – aparecem na pole position. Ou seja, a crise dos combustíveis e as eleições são os motivos para que as finanças imperialistas aumentem o “risco país” do Brasil.

Enquanto os mercados financeiros operam ataques especulativos com o fim claro de pressionar por reformas anti-operárias - como nesse caso do Brasil - há outros fatores de turbulência como uma eventual elevação da taxa de juros do FED (Banco Central dos EUA). Se a revalorização do dólar se intensifica e estimula um fluxo de capitais mais intenso da periferia para o centro do capitalismo (com continuada queda dos preços das matérias-primas), os países dependentes e semicoloniais como Brasil, Argentina, África do Sul e Rússia, poderiam se tornar um novo elo débil da crise.

Quebra do sistema comercial pós Guerra Fria?

A mudança da ordem econômica mundial e seu sistema de comércio é um aspecto novo da crise econômica, que atinge a diplomacia das principais potências mundiais. Estes choques comerciais, se não chegam a conflagrações mais graves, seguem abrindo fissuras na ordem global neoliberal, que carrega as marcas do desgaste com a crise econômica de 2008. Trump disse, à saída do G7, que “os Estados Unidos protegem a Europa às custas de grandes perdas financeiras, e de ser trapaceado no comércio: a mudança está a caminho!”.

Estas tendências protecionistas entre as grandes potências levam a convulsões econômicas nos países da periferia capitalista, que podem se tornar o elo débil da crise muito antes que as potências realmente levantem suas espadas comerciais no pescoço das outras.

 
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