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30 DIAS DE FUNK
30 dias de funk: Os assassinatos dos mc’s não podem passar em vão
Aqui não é Hollywood

A coluna Aqui não é Hollywood, entrevistou Litta Afrontite e Razi, responsáveis pelo projeto 30 dias de funk que resgata um passado pouco conhecido deste gênero musical, marcado, sobretudo no mês de abril pelo assassinato de 5 mc’s na baixada santista.

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(FOTO: Thaís Oyola)

“O funk não é modismo, é uma necessidade.
E pra calar os gemidos que existem nesta cidade”

Rap do Silva, Mc Bob Run

Aqui não é Hollywood: Vamos lá se apresente.

Litta Afrontite e Razi:Nós somos a Talita e o Itallo, ambos dj’s e produtores culturais de Santos. Nossa trajetória se cruzou há 4 anos, e além de dividirmos o mesmo lençol (risos), desde então atuamos na interseccionalidade entre a ação cultural independente e o acompanhamento de movimentos sociais de base, principalmente na área de direitos de humanos, somando-se a luta de mães e familiares de vítimas da violência do Estado.

Aqui não é Hollywood: O que é os 30 Dias Funk

Litta Afrontite e Razi: Foi inicialmente um projeto de resgate da memória dos Mc’s assassinados na Baixada Santista no período de 2009 a 2012, foi idealizado pela Talita e inspirado por uma matéria sobre a iconclusão dos assassinatos, do Kaique Dalapola, jornalista e militante de direitos humanos.

A proposta foi postar via Facebook, na página da Talita, um funk por dia durante todo o mês de abril, esse mês sangrento inscrito na história do Funk, marcado pelo assassinato dos Mc’s em anos subsequentes. Durante o mês incluímos além das músicas dos Mc’s assassinados em abril, as homenagens a eles e funks de outros Mc’s que morreram anteriormente e posteriormente, ou que sofreram tentativas de homicídio.

"A guerra é deles, mas nós quem guerrilhamos
fantoches do governo, estão nos manipulando
Nós temos fé que melhores dias virão
Somos a voz de toda essa nação"

Careca Part. Totto E Kbeça – Melhores Dias Virão

Aqui não é Hollywood: Iniciamos essa entrevista com um trecho da música Rap do Silva do Mc Marcinho Bob Run, ele diz que o funk é uma necessidade, como você vê isso?

Litta Afrontite e Razi: A frase realmente fala por si, e aparece de maneira recorrente, das mais variadas formas, inclusive em uma música do Mc Careca, assassinado em 2012, chamada a "Corda Bamba", que aparece entre as 30 músicas do projeto. O funk é necessidade na medida em que representa um processo de resistência da população, sobretudo dos jovens moradores de favelas e periferias. Nesse sentido mesmo, as letras invariavelmente exploram essa necessidade em forma de apelo ao fortalecimento da expressão cultural mantendo-se como um processo de resistência longe da normativa, objetivando revelar a realidade de violação, extermínio e desigualdade, nas palavras do Careca: "O funk é necessidade, e não a fama".

Aqui não é Hollywood: No fim do século 19 era comum se ler em jornais que rodas de sambas ficavam em lugares perigosos e sujos, “verdadeiros lugares da perdição”, era comum que as forças de repressão perseguirem os sambistas e as rodas de samba o que às vezes acabava em confronto. Quais são os meios de perseguição hoje relacionados ao funk?

Litta Afrontite e Razi: Representam a manutenção das mesmas estruturas de repressão, que no decorrer do processo histórico remontam a maneira como se deu o processo de colonização, extermínio e escravidão, até chegarmos no encarceramento e racismo estrutural por exemplo. Há aí também o fator de criminalização da pobreza, através inclusive de projetos de lei, insuflado pela mídia e pelas nossas burguesias e classe médias, que, parafraseando Glauber Rocha, são caricaturas decadentes das sociedades colonizadoras. A repressão tem caráter assimétrico dependendo do território, já presenciamos situações em que a polícia munida de aparatos repressivos optou por dialogar quando percebeu que o funk tinha sido tocado num evento onde boa parte do público era formado por gente branca e de classe média, mas não é raro os casos de repressão de bailes inclusive com uso de munição letal e até caso de envenenamento e tortura nos bailes em morros e periferias.

"Venderam os meus pensamentos
Mas não calaram a minha voz"

Diretoria - Primo

Aqui não é Hollywood: Em uma sociedade onde tudo vira mercadoria em que medida o funk virou um produto e quais os problemas subsequentes a isso?

Litta Afrontite e Razi: Dentro da ordem capitalista, que a tudo tenta consumir, dissolver ou ressignificar, o funk, bem como diversos gêneros musicais - como o próprio samba, ou quaisquer outras expressões culturais da juventude, sofreu um processo de apropriação pela indústria fonográfica e molde ao consumo das elites. Antes, porém, se via a característica das vinhetas, na cultura do mp3, na participação dos Dj’s e produtores independentes. Pra, além disso, da apropriação, com a face do extermínio voltada à missão de calar essas vozes, acreditamos que o processo que vemos hoje é fruto também de uma tentativa de sobrevivência dos Mc’s restantes, que em maior ou menor grau mudaram ou amenizaram as temáticas de exploração dos temas relacionados à realidade das periferias e do convívio com o tráfico, o que é confirmado entrevista pelo Neguinho do Caxeta, um dos sobreviventes, e é nítido nas suas músicas ou nas do Mc Danilo por exemplo.

O resultado é um quadro geral pouco homogêneo, há um processo hegemonizador que aparece no rastro das opressões estruturais e da fetichização de consumo produzida pela desigualdade, mas também há processos de resistência que resgatam a crítica às instituições e a leitura crítica da realidade das periferias, somando-se a um quadro de construção cada vez mais crescente de mulheres e Lgbt’s no funk, sobretudo travestis e transexuais.

Aqui não é Hollywood:Da Leste foi assassinado no palco, nem mesmo na ditadura militar aconteceu tal fato, comente um pouco sobre a violência e funk?

Litta Afrontite e Razi: A naturalização da violência diretamente ou indiretamente contra a população periférica é um processo que transpassa a ditadura militar, se a gente pega, por exemplo, as valas clandestinas do cemitério de Perus, utilizadas durante o regime militar, e que até hoje recebem corpos de indivíduos catalogados como indigentes, mesmo com identidade no bolso, a gente percebe que a ditadura persiste. Também durante os crimes de maio de 2006, matou-se mais do que 20 anos de ditadura em apenas um mês. A morte dos Mc’s segue nesse compasso, dispõem-se no calendário das chacinas cada vez mais constantes e no aparelhamento cada vez maior de organizações paramilitares e grupos de extermínio agindo segundo a lógica da guerra às drogas e cerco às periferias. A inconclusão da morte do Da Leste, como a dos Mc’s da Baixada, sugere as dimensões desse processo de naturalização da violência, dificilmente alguém seria alvejado em um show de MPB em um centro de convenções, por exemplo.

"Pega ônibus lotado com jumbo na mão
Isso é revoltante, uma puta tiração
Com os familiares dos irmão
Na hora da revista maior humilhação"

Careca e Pixote - Amenizou

Aqui não é Hollywood: O funk na baixada santista é reprimido com extrema voracidade, conte para nós um pouco como anda o cenário local?

Litta Afrontite e Razi: As mortes infelizmente não terminaram, há apenas 2 anos o Mc Frajola morreu numa suposta troca de tiros no Jardim Castelo, na Zona Noroeste. Os bailes de favela tentam resistir a repressão policial e ao cenário de criminalização constante e policiamento ostensivo, conservam-se as características da ação cultural periférica independente e a manifestação cultural da população da periferia, seja através dos carros de som ou dos sons de carro, paredões, bailes e eventos nas quebradas e aparecem também as áreas centrais, em espaços artísticos do movimento cultural ou mais anteriormente nas festas de ocupação.

A dupla Danilo e Fabinho se reuniu no ano passado para um show depois de muitos anos de hiato, também vimos lambe de um show do Bob Rum por aqui. Neguinho do Caxeta e Bó do Catarina, dois sobreviventes, continuam em ascensão na carreira e a falar também sobre temas ligados à realidade das periferias e a visão de resistência. A Mc Rita, do Humaitá em São Vicente, também é outro talento em ascensão, o clipe de sua música, em recente parceria com o Mc Kekel, tem mais de 200 milhões de visualizações no Youtube.

Aqui não é Hollywood: Na playlist do projeto não existe nenhuma Mc?
Litta Afrontite e Razi: Sim, como optamos por colocar 30 músicas dos Mc’s que foram assassinados, as homenagens e os sobreviventes, a playlist no fim tem a mesma característica majoritária dos números de extermínio de modo geral, das vítimas de homicídio mais de 90% são homens jovens, em sua maioria pobre e negra. Segundo o Atlas da Violência de 2017, lançado pelo Ipea e o pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública “Jovens e negros do sexo masculino continuam sendo assassinados todos os anos como se vivessem em situação de guerra". Por outro lado, outro dado revelado pelo estudo mostra que enquanto a mortalidade de mulheres não-negras (brancas, amarelas e indígenas) caiu 7,4% entre 2005 e 2015, entre as mulheres negras o índice subiu 22%.

Estamos estudando a possibilidade de realizar novamente em abril do ano que vem, e dessa vez ir além do luto e da memória aos Mc’s assassinados, intercalando músicas novas e antigas e as que não foram postadas porque não se enquadravam no nosso critério de seleção. Será mantido o caráter de explorar as letras que deixam claro os processos de resistência e leitura da realidade das periferias, e dessa vez faremos a playlist, claro, em contrapartida a normativa patriarcal e lgbtfóbica que impede o acesso de mulheres e Lgbt’s a todas as esferas da vida social, com certeza vai ter de Tati Quebra-Barraco à MC Carol, Lia Clark e Linn da Quebrada, mulheres e Lgbt’s, pioneiras e atuais sobreviventes.

"Vejo o mundão só de dentro da barca
E quando eu vou pro fórum na menores especializada
Na audiência sensação de alívio
Parece que eu tô livre
Mas eu sei que eu vou voltar pro convívio"

Pato e San- Liberdade

Aqui não é Hollywood: Para terminar, em junho de 2013 nas grandes manifestações, uma das músicas que mais marcaram este processo foi O Gigante Acordou do Mc Daleste. Como se dá essa relação com o funk com a vida política do país?

Litta Afrontite e Razi: É uma relação de proximidade total, embora tão heterogêneo quanto a forma com que a população de maneira geral lida com os processos da vida política do país. Mas, pela convivência com os movimentos sociais de direitos humanos, nós aqui acreditamos sobretudo que a perspectiva revolucionária dos movimentos sociais das periferias se constroem na contramão das estruturas que sustentam as redes de violação e desigualdade e as instituições que as representam, mas através da lida diária com a repressão dos aparatos do Estado e da burguesia e seus impactos na sociabilidade das pessoas, e através da convivência coletiva na luta por direitos, com a população e os processos de resistência da base, que incluem suas manifestações artísticas e o Funk como expressão da juventude pobre, negra e periférica.

"O meu estilo não muda, a fórmula do funk me inspira
Nem tente me derrubar governista traíra
O funk está na veia do coração, que não aguenta
A galera explode com a pancada que arrebenta
O novo milênio é uma luz no fim do túnel
Dizem que vão melhorar o nosso país, ideia inútil
As favelas só aumentam e com elas aumentam os sonhos"

MC Careca - Vai Dar Guerra

Abaixo segue a playlist com os funks, aperta o play ouve a ideia e sente a batida.

Play 30 dias de Funk

 
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