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OPINIÃO
Aníbal Quijano e o legado de resistência ao ocidental-centrismo no subcontinente
Danilla Aguiar, de Natal
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O pensamento crítico latino-americano perde, em 2018, mais um dos seus grandes expoentes, o peruano Aníbal Quijano. Intelectual que lutava pela renovação epistêmica, teórica e política das opções alternativas dos subalternos frente às tendências de poder mundial, Quijano vigora o conceito de colonialidade do poder como a forma latino-americana de ser subalterno, explicita, por exemplo, como a não branquitude da classe dominada no subcontinente é utilizada para reforçar a exploração de classe. Maior divulgador da obra do também peruano José Carlos Mariátegui, nos deixa aos 90 anos de idade, também no ano de 90° aniversário de publicação dos Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana de Mariátegui.

A colonização e o pensamento europeu trouxeram aos povos originários não só a marca da dependência financeira e o capitalismo. Foram cruciais, sobretudo, à expansão de uma influência intelectual eurocentrista, um colonialismo cultural que, junto com a propriedade privada burguesa, marcaram nossas formações econômico-sociais. Contudo, como a história dos homens precisa ser observada em sua construção dialética, mudanças políticas trouxeram à baila novas questões teóricas para se pensar a América Latina contemporânea que se formavam frente à possibilidade de agir contra mais esse caráter da dominação.

O sociólogo e economista Aníbal Quijano, atento ao protagonismo das lutas dos movimentos sociais e do movimento indígena junto às classes de trabalhadores como grupos historicamente subalternizados, explicitou em suas obras a necessidade de seguirmos pensando sobre o fato de que todas as nossas realidades latino-americanas estariam marcadas por uma forma particular de colonialidade, uma pergunta que pode ser observada partindo de distintos ângulos. A colonialidade significou a legitimação das antigas ideias e práticas de relações de superioridade/inferioridade numa perspectiva moderna, amparada também na divisão racial do trabalho, um debate que toma fôlego a partir da recuperação de identidades no subcontinente.

Quijano desenvolve a ideia que a relação capital trabalho se potencializa no sentido da exploração pela variável raça e, assim, categoriza como a ideia de raça no subcontinente – entendida como uma racionalidade específica do pensamento eurocêntrico sem descurar da análise das diferenças de classes – foi fundamental para definir nossa atual colonialidade nas esferas econômica e política, destacando que essa subordinação não se findou com o desmantelamento do colonialismo clássico. O conceito de colonialidade desenvolvido por Quijano vai além da análise do colonialismo e que se nutre de discussões anteriores, como a teoria Sistema-Mundo, desenvolvida por Imanuel Wallerstein e própria teoria marxista da dependência – desenvolvida por Ruy Mauro Marini, Vânia Bambirra e Theotônio dos Santos, este último também falecido no presente ano.

Quando se fala em colonialidade do poder, a grande formulação teórica de Quijano, estamos falando de política, do Estado e da sociedade civil como palco da luta de classes. A colonialidade se estabelece como algo que transcende as particularidades do colonialismo histórico e que não desaparece com a independência formal dos Estados. Destaca que o fenômeno da colonialidade representaria o lado obscuro da modernidade e que a divisão racial do trabalho aparece também nos níveis de democracia, desenvolvimento e transparência, até os dias recentes. Em suas mais conhecidas obras, como Clase Obrera en América Latina (1976), Colonialidad y Modernidad-Racionalidade (1992) e Colonialidad del poder, eurocentrismo y América Latina (2002), utilizando-se fundamentalmente da dominação cultural e da exclusão de indígenas e outras denominações raciais, Quijano nos aponta que o conceito de colonialidade do poder exprime essa nova forma de legitimação das relações de dominação, como divisão racial do trabalho e a difusão de um aparato educacional uno, europeizado, que legitimariam nossa dependência financeira e intelectual.

Na esteira dessa reflexão, podemos sinalizar sua dupla pretensão: denunciar a continuidade das formas coloniais de dominação via cultura e pelas estruturas do sistema-mundo capitalista moderno/colonial; e por outro lado, a necessidade da atualização desse debate, que prolonga processos que teriam sido superados na modernidade.

Um dos maiores divulgadores da obra do também peruano José Carlos Mariátegui, referência primeira quando pensamos no encontro do marxismo com a América Latina, destaca-se seu prefácio aos Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana de Mariátegui publicado pela Biblioteca Ayacucho. Aos 90 anos de publicação dos “Siete Ensayos”, primeira análise de uma formação econômico-social latino-americana, Mariátegui se mostra atual ao indicar a aproximação da concepção tradicional da política marxista dos subalternos, buscando uma associação entre saber intelectual e vontade coletiva.

O pensamento decolonial, que se origina como uma guinada teórico-metodológica inaugurada no subcontinente com o Grupo Latino-americano de Estudos Subalternos, perde um dos seus intelectuais fundadores. O movimento decolonial, com a ideia original de renovação crítica das Ciências Sociais, a ampla corrente decolonial não é unânime em suas formulações teóricas e posicionamentos políticos. Há, por exemplo, uma divisão desses intelectuais quanto à utilização do marxismo e a perspectiva da totalidade para explicar e transformar a realidade latino-americana. Quijano se encontra no hall de autores que se apoiam na teoria marxista para propor a reflexão sobre a reconstrução do conhecimento crítico regional, fazendo uso de métodos e linguagens orientadas à reflexão crítica a partir de uma práxis libertadora. Podemos indicar alguns limites em suas reflexões mais recentes desde uma perspectiva marxista revolucionária visto que, mesmo que o estudo das práticas e avanços do imperialismo contemporâneo apareça em suas obras, a hegemonia dessa categoria – o imperialismo ou a imperialidade – se perde quando passamos às formulações aglutinados no paradigma modernidade–colonialidade. É inegável, contudo, suas contribuições para a sociologia crítica numa trilha que abarca o questionamento da dependência histórico estrutural, passando fundamentalmente ao debate da colonialidade, decolonialidade, e rompimento com o eurocentrismo.

Conforme afirmava o próprio Quijano, “seguimos sendo o que não somos” e assim a identificação dos nossos verdadeiros problemas resulta prejudicada, assim como sua resolução, sempre parcial.

Comprometido com a análise e transformação do Peru e toda América Latina, podemos indicar que o grande legado de Aníbal Quijano é a resistência ao ocidental-centrismo e consequente renovação crítica das Ciências Sociais no subcontinente. Suas formulações teóricas objetivavam vigorar a luta política subalterna, rompendo esse ciclo e avançando em termos de independência, libertação e emancipação das sociedades exploradas pelo racismo, imperialismo e neocolonialismo.

Um intelectual a serviço dos grupos e classes subalternas, Quijano nos recordará sempre da importância que esses sejam protagonistas das teorias sociais produzidas para e a partir da América Latina sem cair num eurocentrismo, tampouco num essencialismo latino-americano.

 
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