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CRISE NA ARGENTINA
Argentina: que a história não se repita, para que eles paguem a crise
Fernando Scolnik
Buenos Aires | @FernandoScolnik

Na Argentina, está se desenvolvendo uma forte crise nacional. Assim como na ditadura, como nos períodos de 1989-91 e de 2001, se prepara um novo saque contra o povo trabalhador. A classe trabalhadora necessita dar passos urgentes na construção de seu próprio partido, para dar sua própria saída e para que os capitalistas paguem pela crise

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Artigo publicado originalmente no dia 8/5/2018 no La Izquierda Diário Argentina

Se passaram apenas seis meses após as eleições de outubro de 2017, mas o contraste entre o momento atual e a imagem de triunfo do Cambiemos (coalização da direita que exaltou Mauricio Macri) não poderia ser maior.

Muito longe da hegemonia que alguns acreditaram que viria desta vitória eleitoral, a realidade é que tanto as ruas como os mercados financeiros rapidamente se deram conta do caráter fictício do que o marketing conquistou nas urnas, escondendo o verdadeiro programa deste governo.

Primeiro foram as ruas. Nas jornadas de luta de dezembro contra o saque à aposentadoria, ficou evidente a enorme dificuldade que o oficialismo teria para acelerar seu programa de reformas a serviço do grande capital.

Depois foram os mercados. Nos últimos dias, os capitais especulativos levaram milhares de milhões de dólares do Banco Central, forçaram uma desvalorização e impuseram importantes medidas de ortodoxia recessiva e especulação financeira, como um maior ajuste fiscal e taxas de juros exorbitantes.

A economia está estancada e, ao mesmo tempo, a inflação sobe. As condições de vida do povo trabalhador se deterioram. Se agravam as contradições estruturais de uma economia baseada na dívida externa, quando “o mundo” se torna adverso e o crédito se encarece. O Governo se debilita e cai nas pesquisas de opinião.

A aparente calma atingida com as medidas da última sexta-feira não consegue ocultar os profundos desequilíbrios existentes. Está se desenvolvendo uma grande crise nacional. A classe trabalhadora necessita dar passos urgentes na construção de seu próprio partido, para dar sua própria saída e para que os capitalistas paguem pela crise.

É preciso evitar um novo saque ao povo trabalhador

A crise já está sendo descarregada nas costas dos setores populares, mas o que estamos vendo é apenas a preparação de um novo saque muito maior contra o povo trabalhador. O quarto saque das últimas décadas.

O primeiro deles foi o que conquistou a ditadura das classes dominantes, a ferro e fogo. Depois, entre 1989 e 1991, a hiperinflação, os esvaziamento e privatização dos serviços públicos, assim como as demissões em massa, foram um duro golpe que abriu caminho para o fenômeno de “hiperdesocupação” na década de 90. Finalmente, a crise de 2001-2002 inseriu milhões na pobreza, acarretou numa desvalorização de enormes proporções que pulverizou os salários e deixou milhares de acionistas apreensivos.

Outro saque está sendo preparado atualmente, e devemos evitá-lo.

Desde o fim de 2015, o macrismo financiou, com um vertiginoso crescimento do endividamento externo, sua política de governar a favor do grande capital e ao mesmo tempo manter a chamada “governabilidade”. É o que muitos chamam de “gradualismo”, visando diminuir a importância dos ataques aplicados.

No entanto, o fracasso de seu diagnóstico a respeito da chamada “chuva de inversões”, sua incapacidade de abaixar a inflação (que eles mesmo alimentam com os tarifaços), o déficit comercial recorde (estimulado pela abertura da economia), o elevado déficit fiscal (que também aumenta com os benefícios concedidos às patronais, como a eliminação e a baixa nas retenções às exportações), e uma crescente desconfiança por parte do grande capital de que o oficialismo não consiga efetuar seu programa de governo (aqui se incluem as críticas por não ter previsto o incisivo rechaço aos tarifaços) levaram agora a uma nova crise frente a um mundo que muda de caráter, com um fluxo de capitais para os países imperialistas e o aumento das taxas de juros nos E.U.A.

A corrida cambiária destes últimos dias tem demonstrado a enorme vulnerabilidade financeira deste programa econômico. A resposta oficial para conter a alta do dólar (cujo êxito ou fracasso se observará nos próximos dias) é expressão da debilidade econômica, já que no melhor dos casos conseguirão detê-la a partir de uma política de esfriamento da economia (menor crescimento), com alta inflação e sem resolver nenhuma das contradições estruturais que darão lugar a novos picos de crise.

A debilidade política do Governo, que, primeiro com o saque aos aposentados e depois com os tarifaços, tem caído consideravelmente nas pesquisas e perdido a confiança de amplos setores (inclusive dentre seus próprios setores eleitorais), por sua vez, retroalimenta os problemas econômicos.

Nesta quarta-feira (9/05), a Argentina estará na expectativa para acompanhar a discussão sobre os tarifaços no Congresso. Diante desta importante pauta política, diversos setores e organizações estão fazendo convocatórias para a mobilização em frente ao Congresso. A Frente de Esquerda dos Trabalhadores (FIT) convoca a população a ocupar as ruas e a praça do Congresso desde as 9h30. Num comunicado publicado pelo Partido dos Trabalhadores Socialistas (PTS), se afirma que a a convocatória é “para exigir a anulação dos tarifaços” e apresentar o programa da FIT de “nacionalização integral sem pagamento de todo o sistema energético e de transporte público”.

Nos próximos dias, um eventual veto presidencial a uma possível sanção no Congresso que questione os tarifaços, tal como determinou o Executivo, apenas aprofundaria a insatisfação popular e a impopularidade do Governo.

O elemento político que, por sua vez, coloca em cheque a reeleição do Governo em 2019 (que, até alguns meses atrás, era vista como certeira) agrega ainda mais incertezas à situação econômica.

O certo é que a margem de ação está delimitada, e que tomaram a decisão de descarregar mais uma vez a crise nas costas dos trabalhadores.

A armadilha do peronismo

Diante da crise do macrismo, se apresentam outras alternativas como o peronismo, que também defende programas que beneficiam aos capitalistas.

Tomaremos como exemplo o tema dos tarifaços. Enquanto o Cambiemos visa impor fortes aumentos, o modelo kirchnerista durante doze anos beneficiou às empresas com subsídios multimilionários sem controle nenhum, que resultaram em um forte processo de desinvestimento e numa crise energética. Verdadeiras fortunas foram destinadas a esses empresários, que se custeavam com outros impostos pagos pela classe trabalhadora, como o imposto salarial. Com Menem, com os Kirchner ou com Macri, foram sempre as empresas privatizadas a lucrar. É somente a Frente de Esquerda dos Trabalhadores que propõe acabar com elas e que estejam sob gestão operária e controle dos usuários da população.

No geral, as distintas frações peronistas, que se afundaram numa grande crise depois de sua derrota eleitoral em 2015, buscam aproveitar o momento de crise para se recompor, denunciando os ajustes macristas.

Nada mais demagógico por parte de quem aplica os mesmos ajustes que o Cambiemos nas províncias em que governam (seja Juan Manuel Urtubey ou Alicia Kirchner), que assinaram o pacto fiscal que abriu caminho para o saque à aposentadoria ou que, em grande parte, foram fundamentais para aprovar as leis de ajuste do Cambiemos (que é minoritário em ambas câmaras do Congresso Nacional).

Da sua parte, as cúpulas sindicais cúmplices do peronismo estão em sua maioria absolutamente alinhadas com a trégua, enquanto um setor minoritário em seu discurso rechaça os ajustes, mas apenas desprende medidas de força isoladas, negando-se a pôr em prática verdadeiros e sérios planos de luta em seus sindicatos ou a coordenar a disputa entre os que dizem querer romper com o teto salarial, retirar as demissões ou alterar os tarifaços.

Nos próximos dias, serão discutidos no Congresso os aumentos nos serviços públicos. Todas as variantes do peronismo se valerão desta pauta para se posicionar em relação às eleições de 2019, mas nenhuma delas questiona as empresas privatizadas, intocáveis desde o menemismo até hoje.

Mais ainda: todos os referentes do peronismo, alguns dos quais falam em nome do “mercado interno” (outra denominação para defender os interesses de outro setor capitalista, tão inimigo do povo trabalhador como os “abertistas”), ocultam o fato de que, ao chegar ao governo em 2019, também aplicariam um ajuste sobre os trabalhadores. Isto se aplica tanto aos “dialoguistas” como aos kirchneristas que defendem uma unidade com os aplicadores dos ajustes, com os burocratas e os parlamentares que votam favoráveis às séries de leis de ajuste.

“Voltar” à época kirchnerista, como alguns saudosistas apontam, é impossível porque o mundo daqueles anos não existe mais, como bem está refletido na baixa do preço das matérias primas exportadas pela Argentina, entre outros fatores.

Todavia, é preciso dizer ainda mais. É de responsabilidade direta do kirchnerismo ter mantido as privatizações, o controle dos principais recursos estratégicos do país nas mãos do capital estrangeiro, a propriedade latifundiária e o “modelo da soja”, ter permitido a crise energética e ter pago mais de 200 bilhões de dólares em dívida externa, entre outras questões estruturais.

Estes e outros fatores explicam porque a Argentina, ainda que em uma situação de crescimento econômico excepcional, não tenha saído de sua decadência. Durante o kirchnerismo, o emprego cresceu, mas com enormes índices de precarização do trabalho (como nos cargos públicos, o que facilitou ao macrismo aplicar as demissões), e após mais de uma década restaram altos níveis de pobreza e a deterioração da saúde, da educação e da infraestrutura do país. Os grandes lucradores foram, como sempre, os capitalistas, que se la llevaron en pala, segundo expressão da própria ex-presidenta Cristina Kirchner.

Por fim, quando este ciclo econômico se esgotou, fizeram com que os trabalhadores pagassem a conta, com o imposto salarial, a repressão aos que lutavam como na multinacional Lear, ou a desvalorização da moeda em 2014 (que, em parte, levou à sua derrota eleitoral em 2015).

Pior ainda seria um governo destes setores em condições internacionais mais adversas.

Um partido e um programa para que os capitalistas paguem a crise

Diante da deterioração das condições de vida, a esquerda e o sindicalismo combativo vêm exigindo o fim da trégua das centrais sindicais e uma paralisação nacional efetiva como começo de um plano de luta para derrotar os tarifaços, romper com os tetos salariais e enfrentar as demissões. Frente o aprofundamento da crise, essa exigência se torna mais urgente, juntamente com a reabertura das paritárias nos sindicatos em que já se assinaram acordos de 15%, num momento em que mais ninguém no país acredita que a inflação anual também se manterá nesse nível.

No calor destas lutas, é preciso construir fortes agrupações classistas e preparar-se para recuperar os corpos de delegados, comissões internas e os sindicatos da mão da burocracia sindical, impulsionando também coordenações dos setores em luta.

É necessário lutar não apenas pela anulação dos tarifaços, mas também pelo programa que propõe a Frente de Esquerda, como se viu no importante ato na Plaza de Mayo em Buenos Aires no último Dia Internacional dos Trabalhadores: pela nacionalização do sistema energético e de transporte sob gestão operária e controle dos usuários da população. Há que se acabar de uma vez por todas com as empresas privatizadas que defendem o macrismo e o peronismo.

Contra os especuladores que saqueiam o país dançando a valsa do jogo financeiro às custas da vida do povo trabalhador, é necessária a nacionalização do sistema bancário e o monopólio estatal do comércio exterior, como medidas indispensáveis de autodefesa nacional. Não ao pagamento da dívida externa.

Estas são algumas das medidas urgentes diante da crise, e são parte de um programa de saída para que ela seja paga pelos capitalistas.

No entanto, a luta de base na qual aposta o PTS desde a Frente de Esquerda é a construção de um grande partido da classe trabalhadora que permita que as grandes lutas que serão travadas pelo povo trabalhador contra os ajustes culminem, desta vez, numa saída favorável às grandes maiorias – uma saída anticapitalista e revolucionária, para que não sejamos nós mais uma vez a pagar o custo da crise com inflação, fome, desemprego e a precarização do trabalho e da vida. Que desta vez seja diferente de 2001, que esteja presente na memória coletiva.

Diante da crise, esta tarefa se torna mais urgente. Contra as armadilhas do macrismo e do peronismo, lutamos por um partido de trabalhadores sem burocratas, com um programa anticapitalista, socialista e revolucionário. Que participe de todas as lutas do movimento operário, da juventude, das mulheres e de toda causa justa contra a exploração e opressão, mas sempre desde a perspectiva de lutar por uma saída de base, por um governo operário que forneça uma saída anticapitalista à crise a partir de um programa revolucionário.

Tradução: Laura Scisci

 
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