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MARXISMO AMÉRICA LATINA
A polêmica Mariátegui-Haya de la Torre: a 90 anos dos "Sete ensaios de interpretação da realidade peruana"
Gonzalo Adrian Rojas
Shimenny Wanderley
Campina Grande
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Aos 88 anos da morte de José Carlos Mariátegui (1894-1930) o objetivo deste artigo é destacar sua importância no marxismo latino-americano, 90 anos após a publicação dos Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana, desenvolvendo a polêmica do marxista revolucionário com o nacionalista Raúl Haya de la Torre e sublinhando o seu leninismo.

Como o próprio Mariátegui apresenta, reúne no mencionado livro, publicado no Peru em 1928, sete ensaios de artigos publicados no Mundial e na Revista Amauta sobre aspectos substantivos da realidade peruana com o objetivo de fazer uma crítica socialista dos problemas e da história do Peru, afirmando que ele não é um crítico imparcial e objetivo, mas que pretende contribuir para a criação do socialismo peruano.

Estes ensaios incluem um esquema da evolução econômica, o problema do índio, o problema da terra, o processo de instrução pública, o fator religioso, regionalismo e centralismo e o processo da literatura, e o autor não a considera uma obra orgânica, mas pretendia retomar cada um desses tópicos quando necessário em termos de progresso nas suas investigações e polêmicas. O ponto central do livro é que ele pode ser considerado a primeira análise marxista de uma formação econômica social latino-americana.

Em termos teóricos diferenciamos conceitualmente o Modo de Produção da formação econômico-social. O modo de produção é um conceito teórico abstrato real, é encontrado na realidade, mas tem um nível mais elevado de abstração, no sentido que Karl Marx usa no Livro II do O Capital, estudando nessa obra o capitalismo na sua forma mais pura. Como funcionaria o capitalismo de maneira "ideal" se não tivesse nenhum obstáculo ao seu desenvolvimento. A realidade é mais complexa, por isso utiliza o conceito de formação econômico-social para se referir ao estudo de um país específico. A formação econômico-social é um conjunto de relações de produção no âmbito de uma totalidade hegemonizada por uma delas, que é o que dá nome ao modo de produção.

Precisamente um estudo sobre o processo político no âmbito da formação econômico-social francesa é o que faz Marx no 18 Brumário de Luis Bonaparte, Lênin no livro O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia, quando estuda a formação econômico-social russa e Mariategui nos Sete ensaios... em relação a peruana.

Encontramos dois elementos iniciais de leninismo no marxista peruano, a análise de uma formação econômica social particular e o conceito de conjuntura do revolucionário soviético, entendido como uma análise concreta de uma situação concreta para poder elaborar uma estratégia de luta pelo poder político.

Na América Latina suas elaborações teóricas e políticas são centrais, como afirma Michael Löwy em História do Marxismo na América Latina, em contraste com duas tendências diferentes no marxismo: o eurocentrismo e excepcionalismo latino-americano.

As visões eurocêntricas do marxismo, hegemônicos tanto na Segunda Internacional, reformista e a III Internacional stalinizada, abandonam qualquer pretensão de estudar as formações econômico-sociais concretas para aplicar categorias teóricas abstratas a realidades diferentes, o que faz impossível uma análise adequada da conjuntura que permita uma intervenção na luta de classes em termos estratégicos.

Para os socialistas reformistas uma Europa socialista iria melhorar a situação dos países latino-americanos que seguiriam o mesmo processo histórico que os países europeus e os stalinistas utilizavam algumas leituras específicas e distorcidas de Marx para desenvolver uma teoria geral funcional para suas estratégias, tais como uma revolução democrático-burguesa na América Latina, uma revolução por etapas, que eles caracterizavam como uma feudal e não capitalista em vez de uma revolução socialista. Essa teoria não explicaria as revoluções russa, cubana, chinesa ou vietnamita, apenas para mencionar essas quatro.

Em suma, um primeiro legado de Mariátegui e seu trabalho é a necessidade de estudar cada formação econômica social específica, realizar análise de conjuntura em termos leninistas para desenvolver uma estratégia revolucionária.

Por outro lado, é central e atual a polêmica que Mariátegui faz a partir do marxismo revolucionário contra uma das principais figuras que defendem o “excepcionalismo latino-americano”, o líder nacionalista peruano Haya de la Torre.

Aqui apresentaremos este debate de forma sintética. Em 1922, Mariátegui projeta a criação do Partido Socialista de Peru, um ano após ter assistido à fundação do Partido Comunista Italiano na Itália. Em 1923 ministra uma conferência: A crise mundial e o proletariado peruano e com o exílio de Haya de la Torre, dirige Claridad tentando fazer dele o órgão da Federação Operária. Preso, acusado de atividades subversivas em 1924, no dia 1 de Maio do mesmo ano, publicou no O operário têxtil uma matéria intitulada: A frente única proletária na linha das deliberações leninistas da Internacional Comunista, convencido de que o mundo caminha em direção ao socialismo, que o futuro pertence à revolução e que há no Peru um problema central que é a questão indígena, não para defender uma posição indigenista, mas para compreender o papel dos sujeitos sociais na revolução proletária.

Ao mesmo tempo, em 1924, Haya de la Torre fundou a Aliança Popular Revolucionária Americana (APRA) no exílio no México com o objetivo, originalmente, de unir todas as forças anti-imperialistas do continente.

Em 1926, Mariátegui funda a Revista Amauta, que dirige até sua morte, tentando em seus trinta e dois números ser o porta-voz de uma geração que tenta colocar o Peru no panorama mundial. Para ter uma dimensão do impacto teórico, político e cultural da revista, os escritos vão desde Trotsky a Sorel, incluindo Plekhanov, Vallejo e Rolland, entre outros.

Em 1928 se concretiza a ruptura entre Mariátegui e Haya de la Torre, porque este último decidiu transformar a APRA de uma frente anti-imperialista num partido político. Mariategui e a Revista Amauta declaram sua independência política no editorial do número 17, Aniversario e Balance, publicado em setembro daquele ano:

“(...) Na luta entre dois sistemas, entre duas ideias, não nos ocorre sentirmo-nos expectadores nem inventar um terceiro termo. A originalidade a qualquer custo é uma preocupação literária e anárquica. Na nossa bandeira, inscrevemos esta única, simples e grande palavra: socialismo. [Com este lema afirmamos nossa absoluta independência frente a ideia de um Partido Nacionalista, pequeno-burguês e demagógico] (...)” (Editorial Amauta n 17 ano II, sep., 1928)

Convocam uma reunião de um comitê de organização de um Partido Socialista operário e camponês, e, finalmente, em 7 de outubro de 1928 é fundado o Partido Socialista do Peru e Mariátegui é nomeado Secretário-Geral sendo ele mesmo quem elabora o programa do partido.

Focando na polêmica com Haya de la Torre, a frente única anti-imperialista é aceito em termos táticos por Mariátegui, mas com a intenção de transformar a APRA em partido político, esta deixa de ser uma questão tática e torna-se uma questão estratégica. Para isto é fundamental diferenciar tática e estratégia em termos leninistas como realiza Mariátegui.

Esta distinção conceitual entre tática e estratégia é desenvolvida por Trotsky, a partir de uma visão marxista revolucionária, no livro As Lições de Outubro. Para Lênin e Trotsky só será possível atingir esse objetivo com a independência teórica e política, e como também defende Mariategui, subordinando a tática a estratégia.
Desenvolveremos agora os argumentos centrais de Haya de la Torre e, em seguida, apresentaremos as críticas e as diferenças com Mariátegui.

O líder aprista está preocupado em combater o imperialismo independentemente do marxismo e tentar superá-lo, na verdade a interpretação bastante estreita do marxismo que escolhe, opondo o método hegeliano, o que seria a única coisa importante do marxismo, a dialética marxista. Para Haya de la Torre, Marx é o resultado da realidade europeia, estuda na Europa e seus resultados são para a Europa, por isso é necessário rejeitar suas doutrinas, e superá-la. O marxismo seria uma ideologia europeizada segundo a qual todos os povos têm que passar pelos mesmos estágios e concluir na Revolução Russa de 1917 e a ditadura do proletariado.

Segundo Haya de la Torre, Marx acreditava que todos os países capitalistas deveriam evoluir da mesma forma que o capitalismo inglês e não sendo assim fracassava a revolução mundial e a possibilidade de universalização. É necessário, para o fundador do partido APRA, superar a teoria marxista que tem um tempo e um espaço diferentes da América Latina, aqui encontramos o excepcionalismo do Aprista. Se o marxismo é a negação de Hegel e ao capitalismo sua proposta é negar a negação, sendo o aprismo o abandono do marxismo em nome de uma interpretação parcial e dogmática deste para resgatar a dialética hegeliana. O mesmo acontece com a teoria do imperialismo de Lênin, porque o imperialismo na Europa pode ser a última etapa do capitalismo, mas na feudal Indoamerica, segundo Haya de la Torre, é o primeiro.

Desta forma para o líder nacionalista, o conteúdo da luta na América Latina é anti-feudal e é o próprio imperialismo quem feudaliza. Na luta anti-imperialista para o benefício dos povos que devem ser liberados a linha de ação política deve ser a unidade latino-americana e a linha de econômica, o capitalismo de estado, como a versão ibero-americana da ditadura do proletariado. Em síntese, em países onde o proletariado está emergindo e é jovem, as massas camponesas têm fisionomia feudal ou semi-feudal são numerosas e ignorantes, as classes médias estão empobrecidas, a burguesia um resíduo, é a pequena burguesia o setor mais educado e consciente. A construção de um partido proletário não pode ter sucesso, de modo que o APRA representa uma aliança das três classes que se encontram fora do Estado e que devem construir o Capitalismo de Estado: a pequena burguesia, os operários e os camponeses numa luta anti-feudal e não anti-capitalista.

A estratégia de Mariátegui é diferente, defende uma visão revolucionária e ofensiva do marxismo contra qualquer interpretação dogmática, seja a socialista reformista ou a stalinista; tem uma concepção leninista do imperialismo e caracteriza o Peru como um país semicolonial, defende a dialética marxista em oposição ao idealismo hegeliano, entendendo o marxismo com elementos universais que não negam a possibilidade de estudar formações sócio-econômicas concretas, como é realizada no mencionado Sete ensaios ... e a ditadura do proletariado.

As relações sociais são capitalistas no subcontinente e a revolução deve ser socialista, defendendo a Revolução Russa de 1917 e a construção do partido revolucionário da classe trabalhadora. No editorial número 17, o Amauta continua afirmando:

“(...) A própria palavra Revolução nesta América de pequenas revoluções presta-se a muitos equívocos. Temos que restituir-lhe seu sentido estrito e cabal. A revolução latino-americana será uma etapa, uma fase da revolução mundial, nada mais, nada menos. Será, pura e simplesmente uma revolução socialista (…)” (Editorial Amauta n 17 año II, sep., 1928)

A política de frente única imperialista, entendida como um projeto estratégico em Haya de la Torre, é necessário opor à política leninista da Frente Única Proletária (FUP), defendendo a independência política da classe trabalhadora dos elementos burgueses ou pequeno-burgueses. Isto aparece claramente na Carta ao Grupo de Lima:

“(…) Pensamos que conforme a ideia que originalmente o inspirou, e que seu próprio nome expressa, a APRA deve ser, ou é de fato, uma aliança, uma frente única e não um partido. Um programa de ação comum e imediato que não suprime as diferenças nem as nuances de classe e de doutrina. (…) Como socialistas podemos colaborar dentro da APRA ou Aliança, ou frente única (…) e contra a penetração imperialista; mas não podemos em virtude do sentido mesmo de nossa cooperação, entender a APRA como partido, isto é, como uma fração orgânica e doutrinariamente homogênea” (Carta ao Grupo de Lima)

A tática da FUP foi elaborada e desenvolvida a partir do Terceiro Congresso da III Internacional Comunista, onde a partir da derrota das revoluções na Europa e a relativa estabilização do capitalismo, fez os revolucionários pensarem em novas táticas para dar continuidade à revolução no mundo. Para isso, destacamos a importância política de fazer um balanço da Primeira Revolução Chinesa derrotada pela estratégia stalinista de subordinação política do Partido Comunista Chinês ao Kuomintang (Partido Nacionalista) liderado por Chiang Kai Shek, que tem um impacto na controvérsia que abordamos no Peru. Mariátegui critica o projeto APRA, que se define como um Kuomingtang latino-americano e defende a não-subordinação do partido da classe trabalhadora a qualquer variante nacionalista. Em Ponto de vista anti-imperialista, escrito em Lima em maio de 1929, Mariátegui afirma que:

“A divergência fundamental entre os elementos que, no Peru, aceitaram em princípio a APRA - como um plano de uma frente única, nunca como partido e nem como organização em marcha efetiva – e, os que fora do Peru, logo a definiram como um Kuo Min Tang latino-americano consiste no fato de que os primeiros permaneceram fiéis à concepção econômico-social revolucionária do anti-imperialismo, enquanto os segundos assim explicam sua posição: "somos de esquerda (ou socialistas) porque somos anti-imperialistas (...)”

Para Mariátegui, o anti-imperialismo por si mesmo não pode constituir um programa político de um movimento de massas para a tomada do poder e nem a burguesia nem a pequena burguesia no poder podem fazer uma política anti-imperialista, concluindo:

“Em conclusão, somos anti-imperialistas porque somos marxistas, porque somos revolucionários, porque nos opomos ao capitalismo, o socialismo como sistema antagônico chamado a sucedê-lo, porque na luta contra os imperialismos estrangeiros cumprimos nossos deveres de solidariedade com as massas revolucionárias da Europa.”

Podemos concluir que a polemica Mariátegui - Haya de la Torre é um debate entre o marxismo revolucionário e o nacionalismo, um debate que se repete na América Latina, mesmo se apresentando em roupas diferentes, mas que na verdade é essencialmente o mesmo.

A atualidade de Mariátegui tem relação com sua visão ofensiva do marxismo, sua originalidade e seu leninismo.

Cinco elementos a título de conclusão

Os dois primeiros são que 90 anos após a publicação do Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana devemos realizar análises das formações econômicas e sociais e de conjunturas, análises concretas de situações concretas, para intervir na luta de classes com uma estratégia revolucionária.

Os outros três são a necessidade de construir um partido revolucionário com base na classe trabalhadora, defendendo o conceito de imperialismo de Lenin como a fase superior do capitalismo e a tática de frente única prolataria como um legado da Terceira Internacional antes de sua stalinização, como uma tática precisamente subordinada a uma estratégia revolucionária.

Em tempos de crise orgânica do capitalismo mundial, e um fim de ciclo de um conjunto heterogêneo de governos chamado de "pós-neoliberais" e um giro à direita na superestrutura política latino-americana é central para recuperar as lições do marxismo revolucionário, e à luz dele, revisitar os pontos fortes do que deu o marxismo latino-americano como é o caso de Mariátegui.

 
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