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EDITORIAL
Lula preso é um capítulo importante de uma crise nacional que só está aumentando
Leandro Lanfredi
Rio de Janeiro | @leandrolanfrdi

O “mercado” reagiu com apreensão nos dias seguintes à prisão de Lula. O real e a bolsa caíram, sem catástrofe, mas perceptivelmente. Foi dado um passo importante de continuidade do golpe, tentando garantir melhores condições a um candidato que aprofunde os ataques antipopulares, mas não há ainda sinal de um nome forte. Todos os olhos se deslocaram do STF para o que sairá das pesquisas eleitorais desta semana. Preso Lula, "para onde vai o Brasil?" é a pergunta do milhão.

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Diferentes visões analíticas e políticas sobre quem estaria fortalecido, Lula ou o golpismo

Vários dos principais analistas do país se dividem em três vertentes interpretativas sobre o médio prazo: vitória pírrica, vitória histórica ou renovados contornos da crise no país.

Poucas análises vão além da relação judiciário-eleições, tocando pouco a economia (que é um motivo em última instância para o próprio golpe) e menos ainda a relação destes elementos com a luta de classes, com a subjetividade e disposição de luta dos “de baixo”. Para chegar até a classe trabalhadora, primeiro passaremos rapidamente e em “voo rasante” por estas análises.

Alguns analistas se apoiam em provas empíricas das interações críticas e desconfiadas nas redes sociais e destacam como a prisão de Lula foi percebida massivamente como um avanço da arbitrariedade e seletividade e teria sido portanto “uma vitória de Pirro” ou um “tiro no pé”.

Esta visão apoia-se em importantes elementos da realidade mas pula algo importante, a falta de resposta de massa à prisão, expressa em que mesmo entre votantes de Lula há uma boa dose de incredulidade, seja por não “botar a mão no fogo” por sua inocência, seja apenas pela desmoralização gerada pelos longos anos de administração do capitalismo nacional por Lula e pelo PT, incluindo a assimilação dos mesmos métodos da direita. Arbitrária e golpista a prisão, ainda restaria explicar como a relação dos votantes com Lula é de “mal menor”, produto de uma passividade construída por anos e anos de conciliação e traição às lutas contras os ataques a direitos políticos, econômicos e sociais, como expôs Diana Assunção, dando conta desse lado da análise em artigo neste Esquerda Diário.

Sem dar conta da relação resistência econômica-resistência política, não se pode tomar o golpismo em sua integralidade e combatê-lo, submetendo tudo à esperança eleitoral de conseguir com conciliação o que tem que ser conquistado na luta de classes.

Do retrato da realidade de que setores de massa teriam tomado criticamente a prisão, à certeza de que teria sido um “tiro no pé” e até um “já ganhou” lulista, há um bom rio de vontade a ser preenchido com facilismo e cretinismo eleitoralista. Como se os dramáticos últimos dias pudessem rapidamente ser colocados no passado e bastassem alguns votos em outubro e assim, num passe de mágica, as forças golpistas aceitariam a reversão de seus planos políticos e econômicos.

No outro polo interpretativo, em meio às comemorações golpistas que agora apostam no sucesso de sua agenda de ataques econômicos sem olhar para a aceitação nas massas, temos as visões de “avanço fascista”, ou uma mais atenuada como aquela feita por Marcos Nobre da Unicamp. Ele vê a fragmentação da esquerda e centro-esquerda, uma dificuldade de fechamento do ciclo aberto em 2013 antes de 2022, e uma tendência de que até lá pelo menos tenhamos vitórias eleitorais da centro-direita.

Predomina na esquerda, na maior parte das correntes do PSOL por exemplo, uma visão que tem elementos comuns com esta última análise. Unilateraliza os reais avanços reacionários (como a prisão de Lula, o assassinato de Marielle, bom desempenho eleitoral de Bolsonaro, o atentado à caravana de Lula) e propõe como saída a união por cima das classes sociais de “todos os progressistas” para retorno a um Brasil de 2015 ou 2016. Começando por Ciro e Kátia Abreu, passando pelo PSB, PT, PCdoB e até mesmo o PSOL, signatário de um manifesto comum com estes partidos para administrar o capitalismo pátrio e “restaurar a democracia”.

Uma terceira visão diluída em intérpretes que aqui arbitrariamente juntamos, destacaria as contradições estruturais abertas pelo golpismo judiciário que estariam terminando de minar o arranjo do regime de 88. O salto do judiciário como árbitro da crise nacional, rasgando e emendando a Constituição conforme os jogos políticos de ocasião, enfraqueceria a autoridade do judiciário como um todo, e que agora para se sustentar estaria tendo que recorrer a forças que jogam mais gasolina na fogueira: as cúpulas militares. Este arranjo golpista aceleraria a crise e abriria espaços a questionamentos mais radicais e violentos, à esquerda e à direita.

Abordaremos uma quarta visão que tem elementos de diálogo e diferença com cada uma destas 3 principais visões, afirmando a existência de limites à esquerda aos claros elementos reacionários na conjuntura e situação, e a não resolução da crise orgânica do país sem maiores embates da luta de classes.

O bonapartismo judiciário se enrola em seus próprios novelos

Em meio à crise orgânica, essa junção de crise econômica, social e política no país, o judiciário tem feito as vezes de partido. Primeiro atuando conjuntamente para dar aval aos ritmos do impeachment (avalizado praticamente pelos 11 ministros do STF) para garantir que um governo eleito por ninguém impusesse tamanha agenda de ataques. Agora, em continuada proeminência e golpismo, começam a expressar uma profunda divisão (divisão ao meio na votação para PGR, divisão ao meio do STF, divisão em abaixo-assinados contra e favor da prisão em segunda instância).

A crise de representação atingia há muitos anos o legislativo, com Dilma e Temer foi minado o Executivo, e agora há uma mais que razoável interpretação de que o judiciário é seletivo e político.

Para dar continuidade a sua agenda golpista e fortalecimento do papel deste poder como um todo, independentemente do mando de qual “fração”, é previsível que diferentes alas do judiciário se unam em rápida operação de maquiagem atingindo parcialmente nomes do PMDB e PSDB. Mas mesmo que assim quisessem (uma hipótese “Mãos Limpas”), dificilmente podem operar algo tão forte como prender Lula. O agora desconhecido Azeredo, um hiper-enlameado Aécio, um senador do PMDB estão longe de configurar um “equivalente” do líder petista, se é que há algum outro em importância para sustentação da Nova República.

Estes atores do judiciário arriscarão mexer mais no regime em operações de marketing que estão fadadas a não mudar a percepção de seletividade se não avançarem a ser muito mais que operações de marketing e, que, portanto, arrisquem uma resposta em regra do regime contra o judiciário? Eles têm alguma outra opção? Há diferentes tendências em disputa no judiciário e mesmo planos mínimos (pegar Aécio, Azeredo, alguém do PMDB como Eunício) implicarão novas tensões no regime.

Por outro lado, uma reversão da correlação de forças no judiciário, revogando a prisão depois de segunda instância não implicaria em forte resposta pela direita nas ruas e renovadas ameaças e chantagens militares? Ameaças que não necessariamente signifiquem nada como passos inicias para uma nova modalidade de golpe, mas sobretudo, um esforço para fortalecer as [dezenas de candidatos já lançados pela alta cúpula –> http://www.esquerdadiario.com.br/Cupula-das-Forcas-Armadas-lanca-varios-pre-candidatos-para-defender-sua-agenda-reacionaria], e assim em nome próprio de seus generais-deputados as Forças Armadas se alçarem a um papel superior de árbitros na crise do país.

Para qualquer lado que avance – ou pare – o judiciário está enredado no seu próprio novelo.

Um programa capitalista de difícil legitimidade e aprovação eleitoral

O nó górdio do golpe está na economia. Ele foi realizado para garantir ataques mais intensos e rápidos do que Dilma e o PT faziam. Agora o golpe sobre a possibilidade de Lula ser candidato visa exatamente o mesmo, garantir o aprofundamento do golpismo, não porque o PT não tenha mostrado um exímio desempenho de contenção da luta de classes enquanto os capitalistas tinham lucros recordes, mas porque Lula e o PT não conseguem facilmente se comprometer com uma Reforma da Previdência igual ou maior que a de Temer, nem falar na desvinculação dos gastos na saúde e educação ou com privatizações de empresas como a Petrobras.

Pode um candidato ser eleito defendendo “vou privatizar a Petrobras, fazer os aposentados ganharem meio salário mínimo, cortar os gastos na saúde e educação”? Dificilmente na atual correlação de forças. E torna-se ainda mais difícil a gestão de um governo com uma agenda como esta lidar com um Congresso que tende ser tão ou mais fragmentado do que o atual.

Daí as luzes de alerta do “mercado”, e se Alckmin (agora novo alvo potencial da Lava Jato) não decola, e se não surge um novo nome forte de centro (Joaquim Barbosa, Álvaro Dias, outros)? "Entre Ciro e Bolsonaro não há riscos ainda maiores para a gestão capitalista do que havia com Lula?", perguntam-se muitos.

Para conseguir um candidato viável devemos ver violentos comportamentos do mercado e da Lava Jato, com o “inimigo Lula” preso agora é hora de devorar aliados, gerando novas instabilidades no regime e na própria economia, que apresenta melhora estatística no PIB mas não no emprego e em como as massas a percebem.

Os grandes embates não foram, ainda estão por vir

As tensões entre o programa do golpe e sua não-aceitação como mostrou-se na greve geral de 28 de abril de 2017, em lutas vitoriosas como a dos professores e servidores municipais de São Paulo contra Doria, no adiamento da Reforma da Previdência por Temer e na ampla resposta ao assassinato de Marielle marcam sinais à esquerda que impõem limites ao avanços reacionários. Estas tensões de limites à esquerda em meio a avanços reacionários se somam às tensões no regime político com a Lava Jato, e ao provável fortalecimento eleitoral de Lula, somando ainda mais incertezas em uma situação política que já está marcada por degradações bonapartistas que não terminam de gerar estabilidade, e podem exigir formas mais intensas para controle, seja via um governo do “manifesto unidade” (aliança de centro em torno do PT, arrastando setores da esquerda) ou então via uma ainda maior degradação bonapartista pela direita.

Não podemos descartar que a situação evolua a permitir arranjos e “acordos” (como retornar a chance de Lula como candidato ou no mínimo de livre trânsito para eleger um substituto qualquer para conter estas contradições), mas predominam tensões que tendem a chocar interesses, gerando novos e maiores embates e novas iniciativas de degradações bonapartistas da já degradada democracia burguesa. A renovada degradação pode se dar com uma intensa intervenção do judiciário, da mídia, e de forças do regime para alterar o curso das eleições (eclipsando o papel da Globo em 89), ou até mesmo para questionar sua realização como fez Noblat, importante colunista do O Globo.

A classe trabalhadora chegará a estes embates das reformas e de seus direitos políticos na passividade e esperando a hipotética redenção eleitoral futura? Aguardando o comando sindical que quase nunca vem, e nunca, quando se apresenta, vem com a planificação e resolução necessárias, ou poderá chegar mais organizada, tomando força de lutas como a dos professores de São Paulo que derrotaram Doria e um projeto de reforma da previdência? Chegaremos só com “mal menor” e conciliação, ou com o fortalecimento de uma alternativa revolucionária que supere a conciliação petista que tão sistematicamente abriu caminho ao golpe e seu avanço?

Àqueles que querem se preparar para enfrentar seriamente os ataques golpistas, sejam eles no terreno econômico, político e democrático, chamamos a darmos juntos este combate.

 
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