www.esquerdadiario.com.br / Veja online / Newsletter
Esquerda Diário
Esquerda Diário
http://issuu.com/vanessa.vlmre/docs/edimpresso_4a500e2d212a56
Twitter Faceboock
ESTADO MACHISTA
Morte de Marielle coloca a questão: e quando é o Estado que assassina uma mulher?
Isabel Inês
São Paulo

Marielle foi executada porque denunciou o golpe de 2016 e a violência policial. Algumas manchetes de jornal colocaram a questão de “a quem interessaria matar Marielle?”, se não sabemos qual foi o individuo que realizou a ação, sabemos bem a quem interessa calar as vozes de contestação. Marielle morreu nas mãos do Estado capitalista que não só mantém e legitima o machismo diário como, quando está em jogo garantir os interesses da classe que representa, é ele mesmo o responsável pela violência.

Ver online

O caso do assassinato de Marielle abriu uma crise profunda no país, justamente porque nele perpassa uma série de fios das contradições do próprio capitalismo e da formação do Estado brasileiro levantado em cima da escravidão negra, da opressão da mulher e da exploração de uma enorme classe trabalhadora precária. Formado por uma burguesia organicamente débil que precisa dominar pressionada entre o interesse espoliador dos países imperialistas e uma classe operaria gigante, que também é negra, feminina e super explorada.

Por isso muitos que viram o assassinato de Marielle sentiram também os tiros na própria pele, viram nela a representação da própria opressão e exploração que sentem todos os dias. A vereadora do PSOL era uma mulher, negra e bissexual; esses fatores contribuíram ao ódio dos setores reacionários e policiais para matá-la. Contudo, o motivo central do assassinato não foi esse, e sim o fato de que uma pessoa que "deveria" se colocar na posição social de oprimida e vitima, estava denunciando a violência policial e o golpe institucional. Isso poderia se tornar uma referencia e ganhar as ruas.

O assassinato dela foi a tentativa de uma “morte exemplar” para buscar instaurar um clima de medo e defensiva frente a intervenção federal e toda a miséria, desemprego e precariedade que a população é obrigada a viver no Rio de janeiro. Contudo a ação desatou forças que nem o governo Temer, o exercito e o governador Pezão esperava, por isso até a rede Globo precisou tentar se apropriar da Marielle para desviar a indignação que gerou. Todos eles choram lagrimas de crocodilo morrendo de medo que os atos de milhões que vimos continuassem e confluísse com a luta de classes, como a recente greve vitoriosa de professores e municipais em São Paulo.

O Estado capitalista foi quem criou todas as condições para a morte de Marielle e de tantos outros, na medida em que mantém todos os crimes policiais impunes, que joga a população na miséria, desemprego e marginalidade. Vivemos num país onde houve uma transição pactuada com os militares no fim da ditadura e os principais partidos do regime, incluindo o PT, foram parte, mantendo impunes todos os torturadores e a repressão dos anos de chumbo. Fato que permite até hoje os militares falarem no Rio, que precisam garantir que não existirá uma comissão da verdade.

Mas também é o Estado que mantém e reproduz a opressão, e dá as bases ideológicas para feminicídios e violência contra a mulher. Nós do Pão e Rosas participados de todas as manifestações e movimentos contra a violência e pelo direito das mulheres entendendo que para acabar com toda forma de violência no âmbito individual é preciso combater juntamente ao Estado capitalista que perpetua e legitima a opressão. O caso da Marielle deixa nítido como a violência contra a mulher vem Estado, fato que abre para toda a população quem são os verdadeiros responsáveis, e coloca a necessidade de uma estratégia anticapitalista para vencer a opressão.

O Estado longe de ser um “garantidor de interesses comuns” ao qual a estratégica para conquistar as demandas seria paulatinamente ir reivindicando direitos e assim ir sendo “incluído no capitalismo”, é na realidade uma máquina do despotismo nacional do capital sobre o trabalho, que atua para manter a exploração de uma classe sobre a outra usando a força física (a polícia e as forças armadas) como um dos instrumentos de dominação. Garantindo e legitimando a manutenção da opressão para assim poder dividir a classe trabalhadora, pagar menores salários, tentar desmoralizar setores, ou seja, para melhor lucrar e explorar mais.

No caso de Marielle o Estado usou a força para tentar impedir que seus interesses de classe com o golpe fossem questionados. Temer e todos os parlamentares e empresários golpistas agora “morrem de medo” de que os trabalhadores voltem a fazer greve como foi no dia 28 de abril de 2017, que a juventude e a classe média volte a sair nas ruas como foram os últimos atos em revolta ao assassinato de Marielle. Ou seja, que conflua a força das lutas operarias com a indignação do caso Marielle que abriu uma ferida no golpe, com a politização e revolta em torno do tema da opressão.

Execução de Marielle escancara papel do Estado na morte das mulheres

Primeiro é preciso reconhecer que o Estado é o responsável pela manutenção da violência contra a mulher. Como nós do grupo de mulheres Pão e Rosas desenvolvemos:

“os dados das diversas formas de violência no Brasil mostram a brutalidade de uma cadeia que se origina na sociedade de classes e se legitima e reproduz permanentemente desde o Estado e suas instituições à hierarquia da Igreja e seus políticos e aliados, os meios de comunicação, tendo o feminicídio como o último elo dessa cadeia. É preciso reconhecer que o Estado e suas instituições são responsáveis pela morte de centenas de mulheres por abortos clandestinos, que suas forças repressivas, funcionários políticos e judiciais são envolvidos com redes de prostituição, assédio sexual envolvendo crianças e adolescentes. O Estado também é responsável pelas enfermidades, acidentes e mortes que provocam o trabalho precário agravada com a Reforma Trabalhista, situação a que se encontram mais de 40% das mulheres trabalhadoras do Brasil.”

Nesse marco no último período, para impedir que os anseios feministas confluíssem com uma estratégia anticapitalista e dos trabalhadores, o Estado junto a mídia e outros meios de formação de opinião, se apoiaram em teorias pós modernas que ignoram a divisão de classes, o sujeito revolucionário e mesmo a exploração e o papel do Estado capitalista, tentando transformar toda a politização em torno do combate a opressão e a expansão de ideias feministas em ideias de “empoderamento nos postos políticos e de poder” tentando jogando tudo para saídas individuais que não conseguem responder ao problema de todas as mulheres, principalmente as mais pobres e trabalhadoras.

E para responder aos escandalosos casos de feminicídio, assédios e estupros que existem no país, o Estado se esconde atrás de um debate punitivo de individualizar o agressor e por essa via tenta desviar essa revolta em demandas que fortalecem o aparato repressivo do estado. Enquanto os dados de violência seguem altíssimos, o Estado mostra sua incapacidade de lidar com o problema que ele mesmo cria.

Quando as demandas democráticas não se chocam com os interesses de exploração e lucro capitalista, elas podem ser utilizadas por este justamente para que o questionamento às desigualdades não se transforme em um questionamento à sociedade de classe, a propriedade privada e à exploração.

O assassinato de Marielle prova que o Estado não só tutela a opressão como pode ser diretamente o ator dela, e abre um debate com os setores feministas que levantam como resposta à violência a mulher “punir” o agressor. Quando não, alguns setores defendem "polícia 24h" e que a policia resolva e investigue os casos como se fosse uma instituição desprovida de interesses e ela mesma profundamente violenta e opressora.

Andrea D’Atri, referência do feminismo na Argentina e dirigente do PTS, apontou sobre um caso de feminicídio em seu país, “(...) se reduziu o significado de ‘opressão patriarcal’ ao de ‘violência machista’ e então, se ressignificou a definição das condições históricas e sociais da discriminação e subordinação coletiva das mulheres nas sociedades divididas em classes, exclusivamente como ‘violência’. O grupo social que sofre essa violência não é mais do que um grupo formado por vítimas. Vítimas de outro grupo social constituído por agressores. A opressão das mulheres deixa de ser um assunto social, para se transformar em um assunto criminal. O patriarcado, o Estado, o sistema capitalista, a heteronormatividade foram substituídos por um sujeito individual, homem: o agressor”.

Dessa forma, a contradição não estaria na divisão de interesses de classes, mas sim de “vitimas e agressores” e o Estado seria apenas um mediador comum imparcial. Ao reduzirmos o debate sobre violência a mulher a dualidade individual deixamos ileso aquele que mantém essa violência, o Estado que legitima, justifica e reproduz a opressão as mulheres.

Dessa forma, em nenhum caso, muito menos no da Marielle os órgãos do Estado poderiam garantir justiça através de seus próprios tribunais. Para saber a verdade precisamos impor uma investigação independente da interferência das forças policiais e do Estado, uma investigação conduzida pelos organismos de Direitos Humanos, pelos sindicatos e organizações de esquerda. Não podemos deixar que a polícia acoberte nem um centímetro deste crime.

Para tornar a luta contra a intervenção federal no Rio de Janeiro e por uma comissão independente no caso de Marielle, numa grande batalha das mulheres, junto a juventude e os trabalhadores, precisamos levantar uma política independente e de combate a exploração e ao capitalismo. Esse fato mostra mais uma vez como não podemos confiar no Estado, polícia, judiciário ou nos partidos do regime, mas sim que é preciso desenvolver uma força independente junto aos trabalhadores.

Quanto dizemos que a luta deve ser anticapitalista, é porque queremos que toda a humanidade seja livre da exploração e de toda a opressão, para isso precisamos mudar as bases que sustentam esse sistema onde uma classe explora as demais perpetuando todo tipo de opressão. Ou seja, construir um feminismo socialista e revolucionário que seja uma força para apontar onde realmente reside a questão: no velho aparato de Estado da burguesia que nós, trabalhadoras, devemos nos organizar para destruir.

 
Izquierda Diario
Redes sociais
/ esquerdadiario
@EsquerdaDiario
[email protected]
www.esquerdadiario.com.br / Avisos e notícias em seu e-mail clique aqui