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LÁGRIMAS DE CROCODILO PEDEM MAIS INTERVENÇÃO
A Globo e sua “comoção” por Marielle para justificar mais repressão
Fernando Pardal
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Tema central do jornal nacional, do Fantástico, do Encontro de Fátima Bernardes, enfim, de toda a programação: Marielle Franco, após sua morte, tornou-se motivo para grande comoção da emissora fundada por Roberto Marinho, histórica apoiadora da direita e que foi o principal pilar de sustentação da intervenção federal na imprensa. Mas então por que o império global fez dessa vereadora de esquerda, defensora dos direitos da favela, das mulheres negras, um ícone após sua morte? Por que tantas homenagens, sendo que figuras notórias com trajetórias políticas muito mais afinadas com as da emissora não lhe renderam nem de longe tanta dedicação para exaltações e lamentos?

Poderíamos fazer uma leitura “ingênua” e pensar que o objetivo da Globo é apenas “tirar uma casquinha” da imensa comoção nacional causada pelo monstruoso assassinado de Marielle e elevar seu ibope. Ou que é algo “humano”, que toda vida tem seu valor e por isso, independente das suas divergências, a Globo “sinceramente se comove” com a brutalidade do crime. Mas é evidente que uma interpretação assim sobre uma emissora que se fundou e se transformou em um grande império midiático sendo a “queridinha” do regime militar de 1964, e que já foi decisiva para eleger Collor em 1989, seria profundamente equivocada. A Globo sempre teve um papel político de grande importância no Brasil, defendendo os interesses da classe à qual pertence, e não seria diferente frente a esse momento fundamental.

Para começar a entender, é bom voltarmos alguns anos e lembrarmos das imponentes jornadas de junho de 2013, que fizeram o Brasil tremer e colocaram governos do PSDB, PMDB e PT de joelhos frente às mobilizações de centenas de milhares nas ruas de todo o país. A Globo estava ali, desde o início, fazendo seu papel “tradicional”: dizendo que os manifestantes eram “vândalos”, mostrando essa ou aquela vitrina quebrada ou lixeira queimada para justificar a escandalosa repressão policial sobre os atos de rua. Essa postura foi se mantendo até quando lhe foi possível. Mas, em determinado momento, a correlação de forças já não lhe permitia: as manifestações haviam se tornado demasiadamente massivas e contavam com um apoio popular imenso. E a Globo mudou sua tática, e, ao invés de esmagar o movimento com sua propaganda ideológica, passou a tentar assimilá-lo e desviá-lo. Agora, se reivindicava as manifestações e seu caráter democrático por um lado, e procurava se criticar os “pequenos grupos” de “vândalos” que se “infiltravam” em meio aos manifestantes legítimos. Para quem quiser lembrar dessa virada súbita, basta ver o comentário de Arnaldo Jabor na época: em um dia, no jornal da Globo, condenou furiosamente os atos; para logo depois fazer uma retratação pública.

A Globo não foi o único setor da direita que, depois de junho, aprendeu que era hora de tentar “se camuflar” em meio ao ódio popular dos partidos, governos e do regime para melhor controlá-lo. Foi daí que surgiu a direita “das ruas”, que se travestia de movimentos sociais, como o MBL, Revoltados Online, etc. Desde então, a programação da Globo deu uma guinada. Suas novelas trazem mais protagonistas negros, mulheres, LGBTs, que, empoderados, afirmam suas identidades. A direita mais reacionária passou a acusar a Globo de “comunista” enquanto essa estrategicamente se relocalizava. O programa de Fátima Bernardes é, talvez, o maior exemplo dessa relocalização da Globo para tentar se adequar ao "espírito pós-junho".

Sua reação frente à morte de Marielle segue esse rumo: tratam-na hoje, após sua morte, como uma “heroína”, tentam fazer dela um ídolo vazio, exaltando-a ao mesmo tempo em que deturpam as causas que defendia e tentam utilizar sua imagem para seus próprios fins. O comentário de Merval Pereira, um dos principais analistas políticos da Globo, no Jornal das Dez da Globo News dessa quinta-feira, logo após os massivos atos de rua em todo o país, foi emblemático em dizer o que está “nas entrelinhas” das homenagens da Globo. Marielle não foi morta por ser mulher, nem por ser negra, disse Merval. Ela foi morta por ser um agente em defesa dos “direitos humanos”, e, tratando a “violência no Rio” como algo abstrato, sem sujeito e sem causas, ele faz de sua argumentação uma defesa da intervenção federal com o exército no Rio de Janeiro. Como se os "direitos humanos" que Marielle defende fossem uma provocação a "bandidos" genéricos. Ignora que Marielle denunciava a violência, mas não a “violência em geral”, mas sim a violência policial; que ela criticava desde o início a intervenção federal no Rio, que era essa a sua luta por direitos humanos, e que ela incomodava um alvo muito específico e claro. Que é absolutamente evidente a ligação entre essas denúncias e as motivações para o assassinato de Marielle. Não são "bandidos" em geral, mas a polícia, o exército, os agentes repressivos do Estado que eram fustigados pelas denúncias de Marielle.

Assim, o objetivo da Globo fica explícito: frente à imensa comoção popular, que já foi o estopim de mobilizações massivas nas ruas de todo o país, e que pode desencadear algo como um “novo junho” ou um grande movimento democrático que rechace toda a violência policial e a absurda intervenção federal, o que a Globo quer é conseguir desviar essa fúria para canalizá-la pela direita, para tentar fazer com que o ódio pelo assassinato de Marielle seja domesticado e contido, e fortaleça uma saída pela direita, com o aumento da militarização e do policiamento. Ou seja, exatamente tudo aquilo contra o qual Marielle lutou. Querem transformá-la em uma campeã daquilo que Marielle combateu (e pelo que morreu).

Nós, por outro lado, temos que ter a consciência cada vez mais aguda de que essa morte é de responsabilidade desse Estado, e uma consequência imediata dessa militarização. Exigir uma apuração independente, pois não pode ficar nas mãos desse Estado e sua polícia a solução para esse crime sobre o qual tem responsabilidade. Tomemos as ruas e lutemos contra a tentativa da Globo de recriar uma Marielle “sua” para justificar a brutal repressão policial contra a população negra dos morros. A população por quem Marielle deu sua vida e sua luta para defender contra essa repressão.

 
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