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DECLARAÇÃO
"No país do transfeminicídio, pessoas transgêneras tem seu nome reconhecido" diz Virgínia Guitzel
Virgínia Guitzel
Travesti, trabalhadora da educação e estudante da UFABC

No Brasil, há se um costume entre pessoas trans de dizer que além de estarmos no racking de assassinatos, a mídia e a justiça nos mata duas vezes, toda vez que divulgam nos noticiários o transfeminicidio com nomes que não correspondiam as nossas identidades, e sequer eramos conhecidas por. Após anos de mobilização e com a imensa expressão social que viemos ganhando a partir de artistas e novelas em horários nobres trazerem, ainda que de forma distorcida as vezes, o direito a se ter uma identidade de gênero e ao nosso nome foi finalmente reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal.

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Essa importante conquista não parece vir isolada. Ela é fruto também do avanço que foi algumas universidades garantirem o direito elementar de se usar um banheiro de acordo com o gênero que nos identificamos, o que mostrou que não se trata apenas dos banheiros, mas um debate de onde podem ou não estar as pessoas trans. Agora com o STF tendo aprovado no dia de hoje que as pessoas trans podem mudar os seus pré-nomes sem a imposição da cirurgia médica, abre-se uma grande oportunidade para se debater a identidade de gênero para além dos corpos, e as expectativas cisnormativas de que homens tenham determinado orgão genital e mulheres, outro. E caso não correspondamos, não temos direitos, que dirá igualdade.

Por isso, hoje, neste dia histórico para milhares de pessoas trans que não pensavam a possibilidade de poder utilizar seu RG sem discriminação. Que podem buscar formas para alterar seus documentos, sem laudos médicos, sem ter que "provar" para ninguém quem realmente são, e menos ainda ter que esperar de funcionários do estado para lhes darem o direito de mudar seus documentos para os nomes com o qual são reconhecidos. Como cheguei a denunciar ao Esquerda Diário, para conseguir a alteração de nome, até então, precisava-se de um laudo psicológico, e psiquiátrico, para alcançar este objetivo, tive o desprazer de encontrar a seguinte citação para defender que meu nome estivesse nos meus documentos:

"Trata-se de uma anomalia surgida no desenvolvimento da estrutura nervosa central, por ocasião de seu estado embrionário, que contudo, não altera suas atividades intelectuais e profissionais, visto que em testes aplicados apurou-se que possui, em regra, um quociente intelectual (QI) entre 106 e 118, isto é, um pouco superior a média".

Na luta pelo direito elementar da autodeterminação da nossa identidade de gênero, demos um passo a frente. Isso também se combina com o TSE ter aprovado que nas urnas somente se pode usar o nome social, respeitando a identidade de gênero das candidatas e candidatos trans que se apresentaram neste ano eleitoral. Também decidiu que a cota eleitoral que determina o mínimo de 30% de candidaturas de mulheres por partido, deve abarcar as mulheres transexuais e travestis que registrarem suas candidaturas como pessoas do gênero feminino.

Avanços por cima, muito sangue ainda por baixo

Numa conjuntura marcada pelo avanço do golpe institucional, onde os conservadores como Crivela da Igreja Universal e Feliciano fazem campanha contra a vida das pessoas LGBT, defenderam abertamente a volta da "Cura Gay" que daria passos atrás na própria luta das pessoas trans contra a visão de que são doentes mentais, como ainda constam nos livros da medicina capitalista, no CID 10 F64. Onde buscam nas escolas proibir cada vez mais qualquer tentativa de debater a sexualidades nas escolas, com o veto ao debate sobre gêneros no Plano Nacional de Educação, a falácia de "ideologia de gênero" para perpetuar a transfobia nas escolas se somam as ações do presidente golpista com a intervenção federal no RJ, os impactos da reforma trabalhista e a aprovação do STJ que a polícia pode invadir casas sem mandato se "sentir cheiro de maconha", ou mesmo o sequestro do nosso direito ao voto nas eleições de 2018.

Há que se refletir, como tão contraditoriamente andam juntas ações tão progressistas para uma população marcada por castigos secretos desta sociedade transfóbica, racista e patriarcal, com medidas tão fortes contra os direitos sociais, políticos e trabalhista da maioria da população.

Enquanto estas importantes conquistas emocionam milhares de pessoas trans, de forma com que é até difícil explicar quando grande parte da população nunca teve sequer que se preocupar com o direito ao seu próprio nome, o cotidiano ainda segue marcado pela violência e opressão. Recentemente, outra decisão ganhou esperança de muitas LGBT. O ministro do Supremo Luiz Barroso, nesta terça feira, ordenou a transferência de duas travestis, Maria Eduarda Linhares e Lais Fernanda, presas na Penitenciária de Presidente Prudente (SP), para um presídio feminino. Isso se deu, após o escandaloso caso onde uma delas teve de ser internada, devido a uma fissura fruto da violência que sofria, e a denúncia de uma terceira de que em 30 dias havia sido estuprada todos os dias dentro da prisão. Mas este não é o primeiro episódio de violência dentro dos presídios. Verônica Bolina, atriz transsexual, ficou bastante famosa após ter sido presa injustamente, tendo o Estado reconhecido após 2 anos este erro, mas manteve toda a violência sofrida física e psicológica pela transsexual impune.

Todavia, toda a desigualdade e opressão fruto da sociedade cissexista, patriarcal e capitalista seguem marcadas em nossos corpos. Como então podemos fazer com que estes pequenos avanços e ainda muito iniciais sejam um ponto de apoio para erguer um movimento nas ruas que possa exigir o direito ao trabalho, à vida cheia de arte, acesso a educação e a cultura? Como podemos nos apoiar na força de milhares de pessoas que acompanharam as novelas com personagens trans, se encantaram com Ivan na Força do Querer, ouvem no seu dia a dia artistas trans como as Bahias e a Cozinha Mineira, Linn da Quebrada ou mesmo a drag Pablo Vittar que para muitos setores expressa também essa "liberdade" por direito de ser quem se quiser ser, como a chegada de Tifany no vôlei - e toda a repercussão que isso provocou - e mesmo a recente aprovação da Universidade Federal do Sul da Bahia, a primeira universidade no Brasil a ter cotas de suas vagas destinadas a população trans, pode nos fortalecer para construir uma poderosa força para enfrentar a transfobia e o capitalismo?

Neste 8 de Março, chamamos as travestis e mulheres trans a virem conosco nos atos para exigir das grandes centrais sindicais que organizem paralisações, para que as mulheres cis e trans possam participar da paralisação internacional de mulheres e poder lutar contra o feminicidio e o transfeminicidio. No país onde o caso Dandara extrapola as fronteiras nacionais, choca o mundo inteiro a partir de um vídeo com milhões de compartilhamentos nas redes, após um ano, não se tem ainda um julgamento e justiça para sua vida e morte, não podemos parar de lutar! Por isso seguimos defendendo um Plano de Emergência de combate a violência LGBTfobica e o transfeminicídio.

É inegociável o nosso direito de recriar o corpo, de recriar a vida, e de construir uma sociedade livre de toda forma de opressão e exploração. Venha com o Pão e Rosas na linha de frente para arrancar cada direito que nos é negado, sem perder o grande sonho de buscar nossa verdadeira emancipação.

 
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