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HOSPITAL UNIVERSITÁRIO DA USP
A luta em defesa do Hospital Universitário e da saúde como uma batalha de classe
Claudionor Brandão
São Paulo
Babi Dellatorre
Trabalhadora do Hospital Universitário da USP, representante dos trabalhadores no Conselho Universitário
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O Hospital Universitário foi fundado em 1980, é um dos maiores hospitais da zona oeste da capital de São Paulo que atende um universo de cerca de 450 mil habitantes. O HU, no entanto, não é apenas um hospital comum, mas uma unidade de ensino onde estudam e se formam estudantes dos cursos de Medicina, Enfermagem, Odontologia, Fisioterapia, Nutrição. Em 2014 veio a público um documento em que a reitoria anunciava a intenção de desvincular o Hospital Universitário e o Hospital de Reabilitação de Anomalias Cranio-faciais de Bauru, além de várias medidas que implicariam na terceirização ou fechamento de outros setores como creches e restaurantes como parte de um plano de corte de gastos da universidade. Na gestão do reitor Marco Antônio Zago, o Hospital veio perdendo sua capacidade de atendimento devido à política de sucateamento da reitoria que levou a saída de 43 médicos e 195 funcionários do hospital, reduzindo o contingente de trabalhadores de 1775 a 1580. A consequência imediata disso foi a redução de 21% das internações e 25% dos procedimentos cirúrgicos. Isso veio provocando um avanço na precarização e sobrecarga de trabalho, dificultando o cumprimento dos plantões e das escalas.

Lutar contra a reitoria e o governo para barrar a privatização do HU e da saúde pública

No mesmo ano de 2014 os trabalhadores da USP realizaram a maior greve da história da universidade e unindo a força com os estudantes conseguiram impedir que o governo de São Paulo e a reitoria conseguissem desvincular o Hospital Universitário. Infelizmente naquele momento a reitoria conseguiu avançar com a desvinculação do HRAC, acabando com as pesquisas e o atendimento de qualidade, um tratamento que era referência internacional.

Encerrada a greve de 2014, os trabalhadores corretamente avaliaram que o término daquela greve se tratava de uma trégua, ou seja, que o término daquela batalha não seria o fim, mas uma interrupção momentânea da guerra entre dois projetos de universidade e sociedade de classes opostos e contraditórios. Confirmando essa avaliação a reitoria da USP e o governo do estado não cessaram nos seus objetivos de desmontar a universidade e avançar na desvinculação do Hospital Universitário. Ao contrário foram vários os sinais de que a reitoria da USP busca a todo custo sucatear o hospital como condição para transformá-lo em uma Organização Social, ou seja entregar o hospital público nas mãos das empresas de saúde transformando o em uma fonte de lucros para o capital privado.

Como viemos denunciando nos boletins do Sindicato dos Trabalhadores da USP:

“um hospital como o HU pode se tornar uma mina de ouro nas mãos das OSS constituídas e controladas pelos burocratas acadêmicos que através delas se apoderam dos hospitais e/ou demais equipamentos públicos de saúde, passando a gerir os recursos financeiros a eles destinados pelo tesouro do estado. Além disso ganham fortunas destinando leitos, que deveriam servir a população, para atendimento prioritário de clientes dos grupos de medicina privada, exatamente como ocorre hoje no HC, sob a batuta da Fundação Faculdade de Medicina. É uma autêntica festa do caqui; se apropriam das instituições públicas e de seus recursos vindos do estado, para praticar o capitalismo sem risco, pois se ganham apropriam-se dos ganhos e, se perdem, o dinheiro não é o deles, é o nosso !”.

Esse é um dos exemplos de como a burocracia universitária age em função dos interesses do capital privado transformando o atendimento público em saúde em uma mercadoria que só podem ter acesso aqueles que tem dinheiro para pagar. Enquanto isso a população da ZO, principalmente o povo pobre que mora na região, míngua nas filas dos hospitais ou morre sem atendimento já que os lucros dos empresários da medicina valem mais do que as nossas vidas.

O HU é nosso e é do povo!!

Na greve de 2014, mesmo depois de mais de 100 dias de luta, com desconto de salários o governo não conseguiu impedir os trabalhadores de paralisar a circulação da movimentada avenida Rebouças carregando uma grande faixa onde se lia “Abram caminho estamos salvando vidas!!”. Estávamos nos dirigindo ao Hospital da Clinicas para fazer uma doação coletiva de sangue em defesa da saúde pública como símbolo da nossa luta para salvar o hospital, enquanto Zago e Alckmin doavam fortunas para os empresários. Em uma ação simbólica os trabalhadores buscavam demonstrar aquilo que Lênin falava sobre a atuação dos revolucionários nos sindicatos, onde superavam o caráter corporativo das lutas da categoria para assumir para si a luta contra as mazelas que atingiam o conjunto da população. É por isso que como trabalhadoras do hospital levamos essa luta encarando a não apenas como uma luta em defesa dos nossos salários e condições de trabalho, de costas para os interesses da população e do povo pobre, mas como a defesa de um patrimônio dos estudantes que dependem do hospital para estudar, da população pobre da região, da qual são parte vários trabalhadores terceirizados (que lutamos para que recebam os mesmos salários que os efetivos) e que são os que mais dependem da saúde pública para poder sobreviver e do conjunto da população que é quem sustenta a universidade. Defendemos a educação e a saúde pública contra os ataques do governo e dos empresários, mas levamos nessa luta a semente do questionamento da universidade de classe ao questionamento da sociedade de classes.

Batalhamos em defesa do Hospital Universitário como uma trincheira em defesa da saúde pública

A luta em defesa do HU, do HRAC e do Centro de Saúde Escola Butantã na USP está inserida em um contexto de profunda deterioração dos serviços públicos e de privatização da saúde pública. Como parte desse processo, o SUS, que foi criado em 1988 como uma das conquistas arrancadas pelas lutas dos trabalhadores e dos setores que encabeçaram o movimento pela reforma sanitária, é degradado a cada dia através do subfinanciamento perdendo cada vez mais os princípos que estruturam a saúde como um direito, a saber: universalidade (direito de todos), integralidade (conjunto articulado de ações em saúde), equidade (igualdade de oportunidade para usar o sistema de saúde), controle social (participação de usuários e trabalhadores na gestão do Sistema), descentralização (respeitando as diferenças regionais e locais), hierarquização (relacionado aos níveis de complexidade) e resolubilidade (ser eficaz e eficiente).

Como parte da ofensiva neoliberal nos anos 90 a saúde no Brasil foi diretamente afetada por uma série de medidas adotas pelo governo FHC que avançavam no sucateamento dos serviços públicos como parte de cumprir as diretrizes neoliberais do Consenso de Washington de 1989. Estas medidas e todos os ataques que vieram depois encontravam um forte ponto de apoio na própria Constituição de 88 que, apesar de criar um Sistema Universal de Saúde público e gratuito, permite a complementação dos serviços de saúde pela rede privada.

Já em 1990, o governo Collor cria o Plano nacional de desestatização que como o próprio nome diz significa uma orientação do governo na privatização dos serviços públicos. Em 1994, por exemplo o governo aprova a Emenda Constitucional denominada Desvinculação das Receitas da União (DRU), que retira 20% do orçamento da União para garantir o superávit primário e o pagamento da dívida pública. No ano seguinte o governo adota como parâmetro o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, elaborada pelo ministro Bresser-Pereira que norteia a implementação do princípio do Estado mínimo. Em 1997, o governo aprova a Medida Provisória nº 1591 que define as Organizações Sociais como instituições de direito privado sem fins lucrativos, que seriam parceiras do Estado, podendo abranger as atividades não exclusivas do Estado, como ensino, pesquisa, tecnologia, meio ambiente, cultura e saúde. Em 1998 é aprovada a Lei 9.637 que regulamenta as OSs. Já em 1999 é aprovada a Lei 9.790 que institui as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), uma outra forma de permitir o avanço na privatização da saúde. Com a adoção da Lei de Responsabilidade Fiscal a partir dos anos 2000 o governo impõe limites de gastos com pessoal e avança na terceirização dos serviços públicos.

Em 2007, já no governo do PT é aprovado o Projeto de Lei Complementar 92, que institui a regulamentação das Fundações Estatais de Direito Privado. A implantação das Fundações Estatais de Direito Privado (FEDP), significa a defesa aberta da privatização da saúde pública, impondo a retirada de direitos dos trabalhadores e um golpe no projeto do SUS. O modelo de fundação pública de direito privado norteou a criação da chamada Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares S.A. (EBSERH) que nada mais é do que uma empresa pública com personalidade jurídica de direito privado que teria como objetivo constituir nos hospitais universitários (HUs) um modelo privado de gestão. Em um avanço inédito contra a saúde pública, em 2015, o PT aprovou Lei 13.097 que permite o investimento do capital estrangeiro na saúde. A UnitedHealth, maior empresa de saúde do mundo, comprou a Amil e hoje já é dona de 41 hospitais no país, só nos últimos 3 meses de 2016 lucrou 47,5 bilhões e ainda administra diversos planos de saúde através de nomes fantasia, inclusive os chamados “planos populares”.

Com o golpe institucional, o governo golpista de Temer conseguiu impor a PEC 55 que, avança no modelo neoliberal de congelamento de gastos, impondo desta forma um sucateamento ainda maior aos serviços de saúde. No caso da USP, a gestão de Zago deixou como legado a adoção dos parâmetros de sustentabilidade Econômico-financeiras da USP que pretende cortar drasticamente os gastos com pessoal prevendo a demissão de cerca de 5 mil trabalhadores e o fechamento de unidades inteiras, como o HU, como forma de combater a crise orçamentária da universidade. Nos últimos dias retomaram com mais força as notícias de desvinculação do HU, transformando-o em mais um órgão vinculado ao HC.

É necessário a mais ampla unidade em defesa do HU mantendo nossa independência em relação aos partidos da ordem

Durante todos esses anos defendendo o hospital buscamos construir a mais ampla e profunda unidade entre os estudantes, professores, trabalhadores da USP e a população. Se somaram como apoiadores diferentes partidos e organizações politicas como o PT, PSOL. Como parte do Sintusp e do Movimento Nossa Classe intervimos e somos parte da mais ampla frente única em defesa do Hospital Universitário e batalhamos para construir a mais ampla unidade com a população da região encarando esta luta não como a defesa corporativa de um grupo de funcionários (como quer fazer parecer a reitoria da USP), mas tomando para nós essa luta como uma luta do conjunto dos trabalhadores, estudantes e professores como uma batalha para defender a saúde e a educação pública como demandas essenciais da população.

Ao mesmo tempo em que construímos a mais ampla frente única com estes setores, não nos iludimos com as promessas dos partidos da ordem que prometem demagogicamente a defesa do HU em prol de seus próprios interesses eleitorais ao mesmo tempo em que quando assumem o governo implementam medidas que não deixam de ser outra forma de avanço na privatização da saúde como o modelo de OSSs ou as EBSERs defendido em esfera federal pelo PT.

Defendemos a saúde pública para avançar por uma outra Medicina livre das amarras do capitalismo

No livro O Capital, Karl Marx desvenda o segredo do funcionamento da sociedade capitalista ao demonstrar que o capitalismo transforma tudo o que é valor de uso em um valor de troca e em uma mercadoria. No caso da sáude e da Medicina isso não é diferente, trata-se de mais uma entre tantas mercadorias oferecidas a todos (que disponham dos recursos necessários para pagar por ela). É assim no atendimento médico, nas empresas de plano de saúde, nas gigantescas indústrias de diagnósticos e farmacêutica, esta última sempre aliada à indústria de alimentos.

Em uma sociedade em que somos tratados como uma mera peça na engrenagem da produção capitalista, em que aos trabalhadores é imposto um ritmo de trabalho e de vida alucinantes, baixos salários e cada vez piores condições de vida, as pessoas adoecem física e psicologicamente. Um sistema miserável que por todos os lados nos impõe uma condição cada vez mais sub humana de sobrevivência. Seja através da indústria alimentícia, da busca pela realização no consumo, no controle de nossos corpos como uma mera fonte de força de trabalho que não pode se realizar a não ser dentro dos limites impostos por esta sociedade doentia, o capitalismo vai adoecendo sistematicamente os trabalhadores para depois lhes oferecer um boleto de convênio médico para que tenham a possibilidade de se tratar… pagando, claro. No que diz respeito aos protocolos de tratamento médico, aos medicamentos não é diferente na medida em que como em todas as esferas do conhecimento humano a saúde e a Medicina só puderam se desenvolver até o limite imposto pela camisa de força da sede de lucro capitalista impondo aos pacientes tratamentos no mínimo controversos, mas adotados como única forma na medida em que são as que mais se adequam dentro das necessidades do lucro.

Por tudo isso, defendemos a saúde pública frente a todos os ataques que a privatização e a sede de lucro capitalistas quer lhe impor, batalhamos por um SUS 100% estatal e sob o controle dos trabalhadores e usuários, ao mesmo tempo em que apontamos como horizonte a luta por uma outra saúde e uma outra Medicina que atenda as necessidades humanas e para isso necessariamente teremos que romper as amarras impostas pelo capitalismo.

48 milhões a mais no orçamento do HU: construir uma forte mobilização em aliança com estudantes e moradores para arrancar contratações via USP e reabrir o pronto-socorro

Enquanto a reitoria, a burocracia acadêmica encastelada no Conselho Universitário e a superintendência demitiram trabalhadores e buscaram todas as formas para retirar o HU da Universidade, os estudantes dos cursos da saúde, moradores e trabalhadores do hospital também batalharam, só que para impedir o desmonte do HU e fizeram greve, paralisações, atos de rua, abraço ao hospital, foram na Alesp. Este movimento conseguiu que a parte da USP da verba dos royalties do petróleodestinadas às Universidades Estaduais de SP fosse enviada ao HU.

Agora, a reitoria e até mesmo alguns médicos de dentro do hospital querem utilizar essa verba para fazer contratações que rebaixam os direitos e as condições de trabalho e salário dos trabalhadores introduzindo uma Fundação (OS) para administrar essa verba. Querem essas contratações não para reabrir o hospital para a população, mas para atender os planos de saúde. Veja aqui a denúncia que o Sintusp recebeu.

Os trabalhadores, os estudantes e os moradores não podem aceitar que “eles” decidam o que fazer com o dinheiro conquistado pela nossa luta. Quem deve decidir são os próprios trabalhadores do HU, todos eles, inclusive os terceirizados. Também os estudantes dos cursos da saúde que fazem seus estágios e residências lá, mas também os que ainda não fazem, como Obstetrícia e Saúde Pública. Os moradores que são os usuários do HU, e estiveram na linha de frente dessa luta, devem ter o direito de decir também.

Para isso, é preciso retomar a mobilização para impor uma Assembleia de todos os trabalhadores do HU, estudantes da saúde e moradores eleitos em cada bairro da região, onde cada pessoa represente um voto, para assim decidir o que será feito com os 48 milhões.

 
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