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POVOS INDÍGENAS
Índios Ka’apor buscam autonomia frente ao Estado brasileiro e radicalizam luta contra madeireiros
Ulysses de Oliveira Santos Neto
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Há oito anos, os índios Ka’apor estão buscando autonomia numa região extremamente pobre do Brasil, no noroeste do Maranhão e fronteira com o Pará. Descaso consciente do Estado, a população é alvo de ataques de madeireiras que querem destruir o meio ambiente para obter lucros. Os crimes cometidos contra os Ka’apor são produto do capitalismo.

Seus pedidos referentes a educação, saúde, segurança, proteção ambiental e justiça na Terra Indígena Alto Turiaçu (de mais de 530 mil hectares), que lhes pertence, têm sido negligenciados pelo Estado brasileiro. Conflitos recorrentes com madeireiros somados à negligência de ações pontuais do governo para impedir o desmatamento e a caça fez com que os Ka’apor se organizassem para defender a floresta com as próprias mãos. Após o assassinato de Eusébio Ka’apor, em 2015, o conflito se acirrou, uma vez que há fortes suspeitas de que o assassinato dessa liderança tenha relação com madeireiros.

O Ministério Público Federal pede ajuda desde 2008 a instâncias federais para conter o conflito com os madeireiros na região. No entanto, o Estado brasileiro tem sido, propositadamente, omisso. Mesmo quando envia fiscalização para conter as atividades ilegais dos madeireiros, assim que as autoridades legais saem da região, as atividades ilícitas são retomadas. Organizações internacionais tem denunciado a situação, especialmente após o assassinato de Eusébio, e o Greenpeace auxiliou 12 lideranças Ka’apor no fim de 2015, com tecnologias como mapas mais precisos, rastreadores via satélite e armadilhas fotográficas, a fim de dar mais subsídio às denúncias, com evidências que o Estado não possa negar.

A situação na Terra Indígena Alto Turiaçu é complexa, e existem outros problemas que levaram à atual luta por autonomia. O começo deste novo capítulo da história dos índios Ka’apor aconteceu há oito anos, com a expulsão de professores do Estado. Buscavam uma educação em sua língua nativa. A maioria dos caapores também fala a língua de sinais específica deles, uma vez que entre eles uma a cada 75 pessoas é surda. As demandas que eles têm com relação ao governo no quesito da educação são estruturas para sala de aula, merenda e reconhecimento formal do ensino Ka’apor para fora da aldeia. A Secretaria de Educação do Estado afirma que está ciente do problema e que aguarda o envio do projeto pedagógico deles para regularizar a situação. Burocracia interminável e descaso.

Quanto à saúde, no fim do ano passado houve uma morte devido a um diagnóstico impreciso feito no posto de saúde de uma cidade próxima, Zé Doca. Sokohi Ka’apor foi diagnosticada com infecção urinária e morreu de pneumonia dias depois. Este foi o motivo de rompimento com a medicina dos karaís (brancos), sendo que as lideranças agora pedem uma camionete, um médico e um técnico de enfermagem, além de que médicos karaís respeitem a medicina e os remédios deles e que eles tenham controle ao atendimento de saúde na Terra Indígena onde moram.

Outra questão da região diz respeito às estradas: os Ka’apor estão fazendo eles mesmos novas estradas que não passem por cidades dos karaís. As estradas atuais são ruins, longas, mal iluminadas e com moradores frequentemente hostis aos indígenas nas cidades por onde as estradas passam. Trajetos entre aldeias que antes demoravam cinco horas e meia agora poderão durar 30 minutos. A autonomia se reflete aqui também, em não precisar ter contato com o mundo dos karaís.

Em decorrência do processo de retomada da educação, o cacicado chegou ao fim na T. I. Alto Turiaçu. Este sistema, segundo os locais, foi imposto pela Funai (Fundação Nacional do Índio) em décadas passadas e não diz respeito à cultura deles. Hoje, 14 das 17 aldeias se organizam pelo "conselho de tuxás", que tem sete líderes e cujas decisões são tomadas coletivamente. Cada aldeia também tem seus próprios conselhos. Algumas das decisões foram a proibição do álcool e o acirramento do combate aos madeireiros, resultando na guarda florestal dos Ka’apor. Ações como queimar pontes e caminhões de madeireiros viraram recorrentes, bem como episódios em que madeireiros que fariam os cortes tinham as mãos amarradas para trás, enquanto sentados no chão ouviam broncas de indígenas armados de arco e espingardas de chumbo. Depois de pegos no flagrante, eles voltavam a pé para suas cidades após terem os caminhões queimados. É importante notar que estes trabalhadores têm o trabalho mais pesado e menos remunerado no processo.

Sobre o assassinato de Eusébio no dia 26 de abril de 2015, os Ka’apor acreditam que tem ligação com os madeireiros por algumas razões. Na semana anterior, dia 19, dois indígenas foram abordados ao andar de moto por homens armados e encapuzados, que espancaram um dos caapores e atiraram na moto, tendo que voltar a pé para suas casas. A bala que matou Eusébio era um projétil calibre 38, revestida com uma capa de cobre, muito parecida com a bala disparada no dia 19, sendo que tais munições são, segundo informam, pouco comuns na região. No dia seguinte ao assassinato, um filho de Eusébio foi abordado por um proprietário de serraria na cidade de Zé Doca, e ouviu que tinha mais gente que morreria, reclamando que não conseguia mais madeira. Desde que os Ka’apor começaram, em 2013, com as assim chamadas "missões" para expulsar os madeireiros, transformando pátios das serrarias em Kaar Husak Ha ("áreas protegidas"), visto que o Estado era ineficaz para parar a destruição dos recursos que são por direito dos habitantes de Alto Turiaçu, o conflito tem se intensificado. As autoridades, além de serem ineficazes (demoraram dias para fazer a perícia do assassinato, que teve que ser feita muito antes pelos próprios indígenas), não envolvem a Polícia Federal, visto que as autoridades da região alegam que existe a possibilidade do assassinato de Eusébio ter sido um mero latrocínio e não um crime contra população indígena. Há relatos de diversas dificuldades em realizar denúncias e em abrir boletins de ocorrência (B.O.). O líder assassinado era o antigo cacique de Ximborendá, e em seus últimos dias continuava com destaque na comunidade e nas "missões".

"Ka’apor" significa "moradores da floresta". Sua autodenominação mostra como seu modo de vida e cultura está diretamente atrelada ao seu território. Graças a eles, agora espécies que estavam sumindo voltaram a ter crescimento demográfico. Também graças a eles, o desmatamento no Maranhão é menor: basta olhar as imagens de satélite da Terra Indígena deles para conferir. O desejo de autonomia que eles querem do Estado brasileiro é legítimo e deveria ser amplamente respeitado, para muito além de não se permitir a extração de madeira ou a caça em áreas que a lei determina que é de uso exclusivo de indígenas.

Este é mais um exemplo do descaso que o Estado brasileiro vem apresentando com o conjunto das populações indígenas, bem como com o meio ambiente. Um descaso consciente e organizado para permitir uma maior exploração do território e usar os recursos naturais para a satisfação dos lucros. O crime contra os Ka’apor é produto do capitalismo. Basta de genocídio indígena!

Links relacionados, com maiores informações:

https://www.youtube.com/watch?v=flG...
https://noticias.uol.com.br/cotidia...
http://reporterbrasil.org.br/2018/0...
https://www.facebook.com/ONGReporte...
https://www.theguardian.com/environ...

 
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