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25de julho: ESPECIAL MULHERES NEGRAS
Mulheres negras: Raça, Gênero e Classe
Marcela de Palmares
São Paulo

Ao discutirmos a questão das mulheres, é importante que se perceba que existem vários fatores que se relacionam com a questão de gênero, como é o caso da classe, da sexualidade e a questão de raça. Nesse texto especificamente, quero iniciar a reflexão de como raça, gênero e classe se entrelaçam numa relação de opressão e exploração que atinge a vida da maior parte das mulheres negras de nosso país.

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Machismo e Racismo e as implicações do capitalismo para as mulheres pretas

Como disse Engels, a primeira divisão do trabalho na sociedade foi a divisão sexual do trabalho e, apesar do patriarcado não ter sido criado pelo capitalismo, ele é a base da criação da propriedade privada e do Estado que, por sua vez, da base para uma sociedade onde uma classe pode explorar a outra. Mas o que isso significa?

Uma das primeiras formas de se dividir o trabalho na sociedade foi a divisão entre o trabalho dos homens e das mulheres, com o desenvolvimento das técnicas de produção (ferramentas, máquinas), que criou a possibilidade de acumular, vemos tomar forma o que chamamos de patriarcado. O patriarcado é uma forma de organização da sociedade onde o homem é o chefe/dono da família e da propriedade e, portanto, é quem tem o poder político e econômico.

Por outro lado, para que o capitalismo pudesse se desenvolver foi preciso um processo de acumulação de riqueza para desenvolver a indústria e etc., esse processo é conhecido por acumulação primitiva de capital e foi, em grande parte, formado pelo lucro do sequestro de pretos Africanos usados como mão de obra escravizada nas colônias. Ou seja, a riqueza que possibilitou com que o capitalismo se desenvolvesse veio das colônias dos antigos Impérios, que utilizavam de mão de obra escrava. Sendo assim, tanto as produções nessas colônias como o tráfico de escravos foram base dessa acumulação. Não é à toa que a Inglaterra foi o primeiro país a ter sua revolução industrial, ela era a maior traficante de escravos do mundo.

Para sustentar essa exploração brutal, a apropriação da vida de um ser humano a partir da escravidão dos negros, foi preciso um arcabouço ideológico que inferiorizasse nossa raça, que nos desumanizasse, para explicar a nossa escravização e a exploração que se dá até hoje do continente Africano. Sendo assim, da necessidade econômica de escravizar todo um povo se cria as ideias de que eles são inferiores, por isso podem e devem ser escravizados sem nenhum remorso moral.

O capitalismo, para manter suas margens de lucro e dividir as fileiras da classe operária, se apropria desses sistemas de opressão, se mostrando incapaz de concretizar a demanda que sua própria revolução levantara: a igualdade. Toda essa discussão, que parece abstrata se encontra de forma bem concreta na vida de cada trabalhadora, de cada negro, de cada homossexual e se dá de forma ultrajante no cotidiano da maioria de nós, mulheres pretas.

E o que sobra para nós mulheres pretas?

O fim da escravidão ficou longe de ser um processo de real libertação para os negros do mundo inteiro. Vivemos em uma sociedade de classes e ainda a maioria de nós é oprimida e explorada para garantir os lucros da classe dominante. Muitos de nós fazemos parte de um setor que nem sequer tem a possibilidade de ser explorado, que vive um desemprego estrutural, o lumpen-proletariado.

Dentro dessa sociedade o que a maior parte das mulheres negras encontra é uma vida onde a opressão gerada pela questão de classe, raça e gênero se entrelaçam de uma forma indissolúvel e cruel. O que vivemos cotidianamente é a miséria que o capitalismo nos impôs. O Brasil, um país que contem o maior “exército” de empregadas domésticas do mundo e que, em sua maioria, são negras; uma das maiores populações carcerárias do mundo que, também em sua maioria, é negra.

Trabalhos altamente precarizados ocupados, em sua maioria, pelos negros.
Terceirização, morte por abortos clandestinos, estupros, condições insalubres de moradia, transporte, saúde e educação precarizados, violência policial, genocídio e mais milhões de outras coisas que poderia levantar aqui.

É preciso, quando se discute essa questão, reavaliar o que algumas feministas acreditam serem avanços relativos dentro da democracia burguesa. Por exemplo: para que o capitalismo permitisse uma relativa independência das mulheres brancas burguesas e pequeno-burguesas, nós negras fomos obrigadas a cuidar de suas casas e de seus filhos. O capitalismo avança em cima de nossa exploração, humilhação e morte.

Mas não são só as condições objetivas de vida. O racismo também causa inúmeros impactos subjetivos em muitas de nós. Fanon, ao estudar a subjetividade dos negros nos países colonizados consegue expressar a miséria subjetiva que também é imposta aos negros.

Não somos o padrão de beleza e muitas de nós matam cada dia nossa identidade, tentando se parecer um pouco mais com as mulheres brancas. Somos ainda consideradas objetos sexuais dos “senhores brancos”, hipersexualizadas somos desejáveis apenas como amantes, mas na subjetividade dos homens brancos e negros não servimos como companheiras para relações amorosas profundas, apenas para diversão.

Sozinhas, muitas vezes tendo que cuidar de toda a família com um salário mínimo, resistimos na Babilônia. Essa é a nossa situação. O racismo nos ataca todo o dia nos lembrando da inferioridade que delegaram a nossa raça e sem perceber vamos, por vezes, nos apropriando da visão do opressor.

Mas nós não sucumbimos, para nós sobreviver é resistência! E todos os dias encontro grandes guerreiras que mesmo com todos esses problemas ainda resistem para existir. Algumas mais audazes lutam não só para existir, mas para transformar essa realidade. E a luta é uma escola de guerra. Se a realidade de nossas vidas nos torna duras guerreiras, a luta de classes nos ensina e nos cobra a missão de sermos parte da vanguarda revolucionária e as melhores combatentes nesse processo de transformação.

É o fim então?

O capitalismo não nos deu nada além de humilhação e pobreza. Não temos nada a perder a não ser nosso grilhões! Por isso para as mulheres negras, assim como para todos os trabalhadores e trabalhadoras é preciso tomar em nossas mãos não só o rumo de nossa história, mas da história da própria humanidade.

Mas a nossa luta não se resume apenas a luta pela tomada do poder, mas também a luta intransigente pelos direitos democráticos das mulheres, dos negros, dos LGBT´s e de todos os oprimidos como parte da nossa luta cotidiana nos sindicatos, entidades estudantis e movimentos sociais. E como parte da transformação material da sociedade, construiremos uma nova moral que será o inicio de uma transformação muito mais profunda, que nos levará a lugares nunca antes percorridos, que permitirá a humanidade se desenvolver de forma nunca antes vista.

Nossa libertação, como mulheres negras se dará assim. Não podemos ser nós, que vivemos há gerações a humilhação, que fomos escravizadas, desumanizadas e até hoje tratadas como o que de pior existe nessa sociedade que iremos pegar o chicote para perpetuar a escravidão moderna de outros homens e mulheres. Nossa libertação é a libertação da humanidade! De nós nascerá um novo amanhã. Traremos a força e a experiência daqueles que nunca desistem, que aprenderam com a vida e com a morte. Devemos ter em nossas mentes e corações o exemplo de nossos ancestrais guerreiros que morreram lutando por um mundo melhor.

Publicado originalmente em 13 de março de 2015.

 
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