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OPINIÃO
Brasil e Argentina: a aposentadoria e o relógio da luta de classes
Leandro Lanfredi
Rio de Janeiro | @leandrolanfrdi

Temer e Maia indicam adiar a votação da reforma da Previdência para fevereiro. Fazem isso porque mesmo com tanta propaganda, com tantos bilhões entregues aos deputados ainda não tem certeza que contam com maioria para aprovar esse imenso ataque. No mesmo dia centenas de milhares de argentinos foram às ruas desde antes do sol raiar a madrugada contra a mesma reforma lá do outro lado da fronteira.

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Temer e Maia indicam adiar a votação da reforma da Previdência para fevereiro. Fazem isso porque mesmo com tanta propaganda, com tantos bilhões entregues aos deputados ainda não tem certeza que contam com maioria para aprovar esse imenso ataque. No mesmo dia centenas de milhares de argentinos foram às ruas desde antes do sol raiar a madrugada contra a mesma reforma lá do outro lado da fronteira.

Lá, Macri também sonha com uma reforma escravista como a reforma trabalhista daqui, mas não conseguiu emplaca-la, apesar de ter fechado acordo com vários vendidos dirigentes sindicais. Com as grandes manifestações de ontem dos hermanos qual foi o resultado? Sessão da Câmara adiada para semana que vem. Até lá será possível tirar a CGT, a maior central sindical argentina de seu permanente “adiamento” da luta contra a reforma? Poderá a classe trabalhadora argentina dar uma maior demonstração de força semana que vem e derrotar esse ataque?

Estaríamos diante de um limite ao giro à direita em nosso continente? É um pouco cedo para respostas mas é interessante notar o crescente “sincronismo” dos fenômenos políticos e da luta de classes em nossos países e o adiamento da reforma nos dois países. Lá, se mostra como as vitórias eleitorais de Macri não implicam em um automático cheque em branco para sua agenda, e aqui, apesar do golpe e apesar dos interesses comuns em atacar os trabalhadores, as contradições do regime e dentro de cada partido burguês desagregam as forças políticas ainda mais com o crescente clima eleitoral já instalado.

O adiamento daqui marcado pelas negociações dos partidos patronais e lá pelo papel ativo da esquerda que contribuiu para que houvesse fortes manifestações, dão caras diferentes aos processos, mas podem estar indicando fenômenos subjacentes ainda em gestação e que precisarão superar os limites de direções políticas e sindicais para que se desenvolvam. Dependendo do PT ou do Peronismo dificilmente esse processo poderá encontrar plena expressão, estão ambos tão propensos a votar junto à direita ataques ou a simplesmente deixá-los passar enquanto mostram oposição nos parlamentos.

Um mesmo baile

Poderíamos avançar a uma “sincronização” à esquerda se derrotarmos as reformas da previdência que poderia repetir, em signo inverso, aquela sincronização à direita do final de novembro e início de dezembro de 2015? Em 22 de novembro Macri ganhava as eleições, em 3 de dezembro Cunha depois de muita chantagem aceitava o impeachment no Brasil e poucos dias depois a direita pró-imperialista esmagaria eleitoralmente nas eleições venezuelanas.

A Argentina expressaria já em forma mais “ativa” o que ainda se expressa aqui em forma mais “passiva” de uma correlação de forças que ainda não completou um cheque em branco em meio ao giro a direita e algumas conquistas econômicas e culturais (e não só políticas) que a burguesia conquistou nos últimos anos?

Vimos nos primeiros anos desse século grandes revoltas populares no Equador, Bolívia, Argentina que trouxeram abaixo regimes políticos e expressaram um imenso repúdio ao neoliberalismo. Velhos políticos neoliberais como os Kirchner tiveram que se reciclar e começar a falar a gramática dos direitos humanos para tentar acalmar a luta de classes, reforçar as forças de repressão, organizar a relação com sindicatos que aceitassem os ataques, afinando armas agora tão utilizadas por Macri e assim contribuindo a conduzir novamente o país vizinho a uma estabilidade burguesa que permita sonhar com reforma da previdência e trabalhista.

Com o mesmo “sonho” antineoliberal do “que se vayan todos” de nossos hermanos, milhões sufragaram por Lula em 2002, ao mesmo tempo que ele prometia ao mercado com sua “Carta ao Povo Brasileiro” que honraria todos pilares neoliberais de FHC.

As formas do “pós-neoliberalismo” no Brasil e Argentina foram um tanto diferentes graças a esse processo de origem (urnas X rua) e ao imenso papel de contenção e conciliação cumpridos por Lula e o PT. Aqui o “pós-neoliberalismo” cantava aos quatro ventos como os bancos lucravam como nunca e abraçavam dia e noite Meirelles, Kátia Abreu, Temer, Cunha, e Renan Calheiros. Muitos dos quais estão novamente em sorridentes selfies com Lula rumo a 2018.

A diferença de caminhos e ritmos em cada país influenciou a como chegaram as massas para enfrentar os ataques. E aqui, para agravar, houve um golpe institucional que passou sem um grande enfrentamento pela CUT e pelo PT que preferiam um desgaste dos golpistas como longa campanha eleitoral. O mesmo fizeram frente a PEC 55 que sequestrou os recursos da saúde e educação por 20 anos e contra a reforma trabalhista, cancelando a greve geral.

Quão mais odioso for Temer, e quanto mais o ódio for passivo e não da luta de classes mais seguro que esse ódio votará 13.

Esse papel de Lula e do PT altera os contornos particulares em que se dá a “psicologia” das massas frente a tamanho ataque como mexer nos nossos direitos de se aposentar.

Porém a diferença maior não reside em nada sobrenatural da psicologia argentina e brasileira, não há nada imanente a escutar tango e cumbia versus samba e funk ,mas há algo mais mundano e que é produto da ação humana e consciente que ajuda a explicar: o peso de uma esquerda revolucionária. O peso parlamentar e sobretudo nos locais de trabalho.

O peso do PTS e das outras organizações políticas que compõe a Frente de Esquerda e dos Trabalhadores (FIT) se sentiu na convocatória junto a dezenas de organizações sociais e sindicais para tomar as ruas, se enfrentar com a repressão. Essa mesma decisão ecoa agora no chamado à necessária greve geral que as centrais, vendidas cá como lá, não querem.

coluna do PTS em meio à repressão em Buenos Aires ontem

Podemos estar frente a uma nova sincronização da luta de classes contra a direita. Mas há fatores que podem “frear” esse impulso, fatores internacionais e fatores nacionais. Comecemos pelos internacionais: dia 15 está previsto o anúncio de acordos para algum tipo de transição ou pacto político na Venezuela (negociações com a presença de seis países estão acontecendo na República Dominicana) que podem dar maior ou total poder aos velhos golpistas pro-ianques ou a que os militares tenham mais e mais poder para, por “proxy”, fazer o que o pessoal de Miami quiser. Mais ao sul em nosso continente, dia 19 ocorre o segundo turno no Chile e temos uma variante local da conciliação para aplicar mediada e paulatinamente os ataques (Guillier apoiado por Bachelet) contra a variante mais dura de uma velha direita conservadora que pode emplacar seu bilionário favorito, Piñera.

No começo de janeiro teremos mais uma amostra do judiciário brasileiro querendo intervir na política para, a despeito do direito de defesa utilizar a condenação por ilação através da reacionária teoria do "domínio do fato", e assim tirar Lula do pleito de 2018. Os abusos judiciais de uma Lava Jato contra poderosos empresários e políticos só mostram a força redobrada que o Estado brasileiro vem acumulando para prender mais e mais negros sem julgamento e usar todo esse poder conta a classe trabalhadora. Motivo último de porque não podemos confiar em nenhuma decisão desta casta de privilegiados senhores que se acham deuses e podem dar até mesmo voz de prisão a quem questionar sua divindade (como aconteceu no Rio de Janeiro em 2014).

E nada está garantido internamente nem na Argentina nem no Brasil para um “bom sincronismo”. As reformas seguem em tramitação. A queda nas bolsas aqui e lá prenunciam pressão do mercado em cima dos parlamentares e do Executivo para que cumpram sua missão e ataquem os trabalhadores. As centrais vacilam em convocar e organizar uma greve geral, seja por que estão diretamente compradas (como os repentinos R$ 500 milhões que Temer distribuiu) ou porque colocam em primeiro plano não a luta de classes mas as eleições de Lula como conciliador da nação capitalista e trabalhadora, golpista e contra o golpe.

Para vencer é preciso organização e decisão. Tudo depende do esforço consciente da classe trabalhadora. Um esforço que demanda garantir a organização de todas as forças que forem possíveis para derrotar os ataques, superando a traição das centrais e organizando um verdadeiro plano de luta e uma greve geral. Mas esse esforço também é necessário para construir diariamente ideias e forças materiais que possam permitir superar os conciliadores. Sem ideais e forças acumuladas antes é mais difícil superar os freios.

“Nada de grande no mundo é feito sem paixão” dizia o filósofo alemão Georg Hegel. É essa paixão que precisamos imbuir para que não tenhamos que trabalhar até morrer, mas também para que novas convulsões políticas e sociais em nossos países não levem a novas conciliações. Essa potencial sincronização dos relógios não precisa ser uma nova meia-noite de nossos direitos mas a aurora de um futuro.

 
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