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INTERNACIONAL
Trump reconhece Jerusalém como a capital de Israel: um incendiário na Casa Branca
Claudia Cinatti
Buenos Aires | @ClaudiaCinatti
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Donald Trump fez isso. Não contente com a perigosa escalada militar na península coreana e os retweets contra os muçulmanos, o presidente dos EUA duplicou a aposta. No dia 6 de dezembro, na Sala de Recepção Diplomática da Casa Branca, ele reconheceu formalmente Jerusalém como a capital do Estado de Israel, uma decisão que despertou críticas de quase todos os líderes mundiais, exceto, claro, de Bejamin Netanyahu, o Primeiro-ministro israelense que milita na extrema direita do espectro sionista. Essa estratégia de polarização recarregada pode ter efeitos incendiários no Oriente Médio com repercussões no Ocidente.

Como em outras questões, a Casa Branca está dividida em torno desta decisão. Enquanto o vice-presidente Michael Pence está no jogo, os secretários de defesa e estado, J. Mattis e R. Tillerson, consideram que a jogada é arriscada e que, na balança, poderia ter mais custos do que benefícios.

Embora a transferência não seja imediata, e, na verdade, possa levar alguns anos, com este anúncio Trump abandonou a política que os Estados Unidos mantiveram durante 7 décadas de manutenção da embaixada em Tel Aviv, assim como os 86 países com representação diplomática no Estado de Israel, como um gesto diplomático de não fechar o status disputado da cidade de Jerusalém, embora, de fato, seja reconhecida a ocupação colonial israelense da parte árabe da cidade desde 1967, ao qual 200 mil colonos se juntaram nestes anos.

Em seu breve discurso, Trump disse, como esperado, que sua administração estava apenas dando status legal ao óbvio: que Israel historicamente tratou Jerusalém como sua capital, que é a sede do parlamento e as principais instituições governamentais, e que só uma formalidade impede os Estados Unidos, que tem uma aliança de caráter estratégico com o Estado sionista, de manter sua embaixada em Tel Aviv. Na verdade, o Congresso dos EUA votou uma lei em 1995, ordenando a transferência imediata da embaixada para Jerusalém, reconhecida como a "capital indivisível" do estado de Israel, embora deixando uma válvula de escape para o executivo para adiar esta decisão. Desde então, a cada seis meses, os sucessivos presidentes assinaram um "perdão" para prolongar esse prazo. Trump usou este recurso em junho deste ano, mas desta vez ele decidiu quebrar com os usos e costumes da política externa dos EUA.

Porque agora? Existem várias hipóteses, nenhuma excludente. Aqui vamos mencionar as três mais plausíveis.

A primeira aponta para a política doméstica. Foi o primeiro motivo que Trump deu em seu discurso. Ele disse quase textualmente que a maioria dos presidentes que o precederam fizeram a promessa eleitoral de mover a embaixada para Jerusalém, mas que ele era o único disposto a cumprir. O momento pode ser oportuno.

Enquanto a economia e o boom do mercado de ações acompanham o magnata, o apoio a Trump se reduz a um magro 35%. Em um ano de governo, há pouco que pode ser mostrado a sua própria base eleitoral, que é o que realmente lhe interessa. Exceto pela reforma tributária, uma conquista não menos importante para os 1% mais ricos do país, os projetos polêmicos do presidente foram derrotados no Congresso, mesmo com o voto de senadores e representantes de seu próprio partido, como aconteceu com o fracasso da revogação da reforma da saúde de Obama, conhecida como Obamacare.

A Casa Branca está enredada na crise do "Russiagate" que parece não ter nenhuma saída à vista. Além disso, o ex-acessor presidencial M. Flynn admitiu seus contatos extra-oficiais com diplomatas russos e anunciou sua disposição em colaborar com o FBI na investigação.

A transferência da embaixada para Jerusalém é um tema muito popular para os setores da direita cristã e os falcões pró-israelenses que fazem parte do núcleo duro do eleitorado de Trump, entre os quais o Sheldon Adelson, o tzar dos cassinos que contribuiu com nada menos do que 25 milhões de dólares para a campanha presidencial republicana.

A segunda hipótese está relacionada à mudança de estratégia na política dos EUA em relação ao Oriente Médio. Ao contrário de Obama, que negociou a frente de um grupo de outras quatro potências um acordo nuclear com o Irã, a política de Trump é formar uma espécie de "aliança sunita" contra o regime iraniano, que tende a exacerbar o confronto intra-islâmico entre os sunitas e xiitas, que se traduz e corre o risco de "esquentar" a guerra fria regional entre a Arábia Saudita e o Irã.

No caso do Irã, Trump aplicou uma tática que vem caracterizando sua administração, que é tomar medidas: ele não repudiou totalmente o acordo nuclear com o regime dos ayatolás, mas "descentralizou" o cumprimento dos compromissos acordados. Mas as mensagens simbólicas, das quais a diplomacia é amplamente composta, muitas vezes têm conseqüências reais. A situação é de alto risco, particularmente porque o fim quase decretado da guerra civil na Síria deixou o Irã, e sua aliada Rússia, como um dos vencedores, ampliando sua influência através do regime de Bashar al Assad. A crise do Líbano, com a renúncia, logo desmentida, do primeiro-ministro Saad Harari, que feria mortalmente o acordo confessional que pôs fim à guerra civil nesse país e que hoje estabelece um delicado equilíbrio de poder com o Hezbollah, foi a antecipação dos contornos catastrófico que este conflito pode levar. Não escapa a ninguém que, por trás da jogada de Hariri, está a monarquia saudita.

A terceira hipótese tem a ver com a inscrição do conflito palestino-israelense no novo contexto do Oriente Médio, concebido não apenas pela estratégia norte-americana, mas por uma mudança paradigmática na monarquia da Arábia Saudita, uma vez que o herdeiro príncipe Mohammad bin Salman levou a rédeas do reino. Sabe-se que Jared Kushner, genro de Trump e acessor do presidente, há quase um ano, está negociando com os líderes ​​amigos do Oriente Médio um novo plano de paz para o conflito palestino, e que encontrou um grande aliado no Príncipe Salman, disposto também a romper com a política externa tradicional de seu país, que usava a causa nacional palestina para ocultar sua aliança com os Estados Unidos e, indiretamente, sua tolerância ao colonialismo israelense.

De acordo com alguns analistas, o Príncipe Salman teria dito ao chefe da Autoridade Nacional Palestina, M. Abbas, as diretrizes deste novo plano que seria o mais favorável para Israel dentre os apresentados até agora, e liquidaria qualquer aparência de autodeterminação nacional palestina, consagrando o status de apartheid.

Embora a liderança nacional palestina tenha vendido sua alma ao demônio americano-israelense há muito tempo, e a política do Hamas não tenha sido uma saída progressiva, o povo palestino não renunciou ao seu direito democrático elementar à autodeterminação nacional e ainda enfrenta a colonização do estado de Israel. Essa decisão desencadeará uma nova intifada? Não se pode responder com certeza, mas olhando os antecedentes de provocações semelhantes, tem todo o potencial para fazê-lo.

De acordo com a lógica imperialista de Trump, reconhecer a ocupação colonial do Estado de Israel e seu caráter exclusivamente judaico, simbolizado pelo reconhecimento de Jerusalém como capital, permitiria o máximo progresso na "solução de dois estados" e, no mínimo, utilizar um suposto "processo de paz" para dar cobertura política à incipiente frente anti-iraniana na qual militam tanto a Isarel quanto a Arábia Saudita.

Fora do reino das hipóteses, a realidade é que a política de Trump arrisca inflamar ainda mais a região. Isso é o que seus aliados percebem no Ocidente e no mundo muçulmano, e mesmo em setores do establishment sionista. E o que acontece há tempos no Oriente Médio repercute no Ocidente sob a forma de atentados brutais, que por sua vez alimentam o racismo e a xenofobia. O recrudescimento da opressão imperialista e colonial é a receita perfeita para o incendio.

 
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