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LITERATURA E REVOLUÇÃO
Evento na UFF discute literatura e revolução com muita reflexão sobre obra de Trotski
Redação
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Marcada por forte conteúdo crítico e reflexivo e com um time de palestrantes jovem e combativo, reunidos com brilhantismo pelas talentosas idealizadoras do evento Ekaterina Vólkova Américo e Thaiz Senna, a Jornada “As Letras da Revolução” trouxe uma proposta diferente: pensar o impacto da Revolução para o universo das letras.

Na mesa de abertura, Ekaterina abordou o apagamento da Revolução Russa na Rússia neste ano que marca os 100 anos do evento e a importância em recuperá-la. Em seguida, Thaiz falou da diferença do evento quando se comparado aos outros que ocorreram neste mesmo ano em diversas universidades do país. Para ela, merece destaque o fato de as mulheres terem sido a maioria na organização do evento e como palestrantes, em um centenário que comemorou a Revolução com a maioria de homens falando. Edélcio fez a contextualização com o Brasil atual. Para ele, a Revolução é importante por que mostrou do que o povo é capaz quando toma
seu destino em suas próprias mãos.

Nina Tedesco, professora de fotografia de Cinema e Audiovisual na UFF, abriu a primeira mesa, cujo tema foi Revolução, Brasil e Rússia. Ela falou sobre a participação das mulheres no cinema soviético e como, quando se aborda o tema, fala-se sempre dos mesmos e estes nunca são mulheres. Nina falou de Esfir Chub e Olga Preobrajiénskaia.

Em seguida, foi a vez Ana Carolina Huguenin, professora da UERJ, que, como todos os docentes daquela instituição que agoniza diante dos nossos olhos, até hoje não recebeu o 13o salário e está sem salário desde agosto. Ana Carolina propôs uma comparação entre Graciliano Ramos e Varlam Chalámov. Sua abordagem foi com base nas experiências concentracionárias. Ela destacou as perseguições sofridas por Chalámov nos anos 20, quando ainda era um jovem trotskista, mas, especialmente, nos anos 30, durante os Processos de Moscou, já que escritor não abandona suas posições da juventude e coloca-se contra as políticas stalinistas.

Encerrou a mesa Edélcio Américo, doutor em literatura e cultura russa pela USP, que falou de São Petersburgo como sendo a cidade das três revoluções. Edélcio destacou não apenas a cidade como palco do evento daqueles 10 dias que abalaram o mundo e do Domingo Sangrento de 1905, mas da própria vocação modernizadora no processo de europeização empreendido por Pedro, o Grande.

A mesa Revolução, Brasil e Rússia contou com a mediação de Thaiz Senna.

A segunda mesa Revolução, História e Mulheres foi iniciada com Odomiro Fonseca, doutor em Literatura e Cultura Russa pela USP, que falou sobre o romance “O que fazer?”, de 1863, de Nikolai Tchernychevski, e também do romance de Nadiéjda Khvoschínskaia, “A moça do internato”, de 1860, que trazia como protagonista uma mulher emancipada.

As questões sobre a papel e a imagem da mulher no século XIX no âmbito da literatura engajada de Tchernychevski e Khvoschínskaia discutidas por Odomiro preparam o terreno para a exposição de Thais Senna, doutoranda em história contemporânea na UFRJ, que falou da importância do Jenotdel , abreviatua de “jenskii otdel”, em russo, ou “departamento feminino”, em português. Thaiz denunciou como a burocratização do regime acabou com o Jenotdel, que chegou a agrupar 620.000 mulheres entre 1926 e 1927.

Pegando o gancho do panorama histórico oferecido por Thaiz em sua fala, Simone Ishibashi, doutoranda em Economia Política Internacional na UFRJ, concluiu a mesa abordando o legado da Revolução para a vida das mulheres. Partindo da análise de Andreia D’Altri sobre o período, Simone destacou três pontos fundamentais para uma política de fato revolucionária e libertadora para mulheres. O primeiro é que a emancipação da mulher deve ser um ponto fundamental da Revolução, o segundo é que a abolição das tarefas domésticas como atributo da mulher e o terceiro é questão da dissolução da família, com base na união livre entre sujeitos emancipados, erigidos sobre a base dos sentimentos e sem coerção jurídica ou econômica. Na fala de Simone, Leon Trotski esteve presente desdo o título que ela deu a sua exposição “Enxergar a vida com o olhar das mulheres”, lapidar formulação do revolucionário russo e principal dirigente, ao lado de Lênin, da Revolução bolchevique. Simone lembrou, ainda, como as conquistas das trabalhadoras russas que há 100 anos tomaram o céu de assalto estão distantes do nosso horizonte. Em um belíssimo discurso, atacou a PEC 181, que visa a impedir o aborto mesmo em caso de estupro, sendo obrigada a levar adiante uma gestação resultado de tão enorme violência.

A mediação ficou a cargo de Ekaterina Volkova Américo.

O tema da mesa de número três foi Revolução, Memória e Literatura. Henrique Canary, doutorando em Literatura e Cultura Russa na USP, abriu os trabalhos em exposição que mostrou como a Revolução e o passado soviético são tratados na Rússia contemporânea no âmbito da cultura. Henrique mostrou como o Estado russo aborda a URSS de um ponto de vista positivo ao passo que a Revolução bolchevique recebe um tratamento negativo, em que que o evento é tratado como uma tragédia.

A segunda palestra foi de Cecília Rosas, doutoranda em Literatura e Cultura Russa na USP, que tratou da relação do peta Boris Pasternak com seu tempo histórico. Em sua fala, Cecília lembrou uma conversa que o poeta teve com Leon Trótski, que teria recebido com entusiasmo a posição de Pasternak sobre a defesa da individualidade do artista, que não deve ser confundida com individualismo, mas está na ideia de que os fatos sociais dasafiam a vontade do autor, de modo que a individualidade, nesse sentido, é também coletiva. Cecília citou a belíssima definição de Pasternak de Outubro: “quando o lírico e o histórico se fundem em êxtase”.

A terceira exposição, de Lucas Simone, doutorando em Literatura e Cultura Russa na USP, foi bastante provocativa. Lucas tratou da ambiguidade da Revolução a partir de “O Ano Nu”, de Boris Pilniak e a contextualização no âmbito dos debates dos anos 20, o termo “popútchki”, ou “companheiros de viagem”, usado por Trotski em seu “Literatura e Revolução” para se referir aos escritores que não haviam aderido à Revolução, mas que marchavam lado a lado com os revolucionários.

Paula Vaz de Almeida, doutora Literatura e Cultura Russa pela USP, encerrou os trabalhos da terceira mesa do dia com exposição sobre a caracterização que Marina Tsvetáieva faz do poeta russo Vladímir Maiakóvski em seus ensaios sobre poesia dos anos 30. Paula chamou atenção para o fato de que ao se falar das degenerações stalinistas da Revolução, é preciso olhar não apenas para o terror que se instalou internamente, ou seja, na URSS, mas também para a perseguição que Stálin conduziu no estrangeiro, da qual muitos russos, emigrados, em diferentes períodos, como a própria Marina Tsvetáieva, foram alvos, direta ou indiretamente. Ela lembrou que ao longo dos anos 20, à medida que o regime ia se restringindo a um único país, as discussões em torno da literatura russa iam extrapolando suas fronteiras, com escritores como Ivan Búnin, opositor ferrenho da Revolução, e Marina Tsvetáieva, que nunca chegou a reivindicar Outubro, mas defendeu de modo bastante assertivo dois poetas que ela considerava os maiores de seu tempo, Maiakóvski e Pasternak. Paula citou Trótski em dois momentos: nas discussões sobre a oposição entre arte e a cultura proletárias em oposição à arte e a cultura buguesas e acerca do suicídio de Maiakóvski, citando o belo ensaio que o revolucionário dedicou ao poeta da Revolução.

O mediador da mesa foi Edélcio Américo.

Encerrando o evento, a quarta e última mesa começou com Ekaterina Volkova Américo, professora de língua e literatura na UFF, que tratou da Escola semiótica de Tartu-Moscou para mostrar como a Revolução, num primeiro momento, com a Reforma Ortográfica, pela influência das vanguardas artísticas e um novo modo de vida, propiciou o surgimento de uma nova língua russa. Ekaterina demonstrou, ainda, como a crescente burocratização do Estado soviético teve efeitos na linguagem, uma vez que, ao controlar todas as instâncias da vida cotidiana, a burocracia soviética passou a controlar também o vocabulário. Como resultado mais imediato, a linguagem se tornou padronizada, rígida e oficial, e promoveu uma destruição da linguagem das ciências humanas, as quais, para sobreviver, acabaram por criar uma linguagem de resistência.

Para finalizar, Betto della Santa, professor de Teoria Social na UFF, falou da política e das letras em Leon Trotski, tornando protagonista o revolucionário que, de uma maneira ou de outra, esteve presente em todas as mesas. Betto abordou os livros “Literatura da Revolução” e “Questões de modo de vida”, ambos de 1923, e no “O Manifesto por uma Arte Revolucionária Independente”, de 1938, que escreve a quatro mãos com André Breton. Betto destacou que as concepções de Trotski ligavam as duas esferas sobre as quais os palestrantes conversaram ao longo de todo aquele dia e que aparecia já no título da Jornada: as Letras e a Revolução. Segundo ele, há na defesa de Trotski da autodeterminação da arte também uma defesa do direito ao delírio. Para encerrar sua fala, e mostrar que o revolucionário também era escritor hábil e capaz de evocar a poesia em seus textos, o palestrante leu “O grande sonho”, de Leon Trotski.

Paula Vaz de Almeida fez a mediação da mesa 4.

 
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