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GRAMSCI E O MARXISMO
O Príncipe moderno, Gramsci e o marxismo (a propósito de uma comunicação de Peter D. Thomas)
Juan Dal Maso
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A recente comunicação de Peter D. Thomas no Colóquio Marx-Engels realizado semana passada em Campinas, “The Idea of Communism and the Party-Form”[1] [A ideia do comunismo e a forma-partido], retoma a questão do partido, que o autor havia tratado em seus livros “The Gramscian Moment” [O momento gramsciano] e “Hegemony, Passive Revolution and the modern Prince” [Hegemonia, revolução passiva e o Príncipe moderno].

Em seu momento, fizemos com Fernando Rosso um comentário crítico da abordagem de Thomas sobre a questão do partido em Gramsci, que pode ser lido aqui[2] e retomamos também nessa nota[3] escrita para o Esquerda Diário.

Nesta nova intervenção, Thomas soma duas novidades. A primeira: relaciona o debate sobre a “forma partido” proposta por Gramsci com um debate mais amplo sobre a questão do comunismo e nesse contexto realiza uma crítica sumária, porém bastante eficiente das últimas elaborações de Toni Negri. A segunda: precisa sua ideia do Príncipe moderno, colocando-a mais próxima a um “partido processo” que a um “partido laborátorio”, ideia esta última que em sua comunicação relaciona com Lukács [de 1922], ainda que mantenha em geral as posições que já havia delineado em seus trabalhos anteriores.

Enquanto aponta que Negri retoma do operaismo [italiano – movimento político dos anos 1960-70] a ideia do partido como organização “composicional” (organização de luta redefinida não como aparato externo à classe, mas como organização da classe de acordo com sua “composição técnica” no processo de produção) exerce uma crítica da concepção de Lukács do partido entendido como “sujeito político” e “laboratório”, que atua como “mediação entre a teoria e a prática” e “prefigura” a liberdade comunista do futuro através de uma “forma autônoma da consciência de classe proletária”.

O Príncipe moderno, entendido como um processo expansivo de constituição de um partido de novo tipo, sintetiza os pontos fortes das “formas” anteriores, já que:

“...representa apenas a ponta do iceberg de um processo mais amplo de ativação política coletiva das classes populares, em todas as instâncias de deliberação e tomada de decisões em toda a sociedade. É precisamente por esta razão que o Príncipe moderno como forma-partido não é uma instância de formalismo político, mas sim uma forma que constitutiva e continuamente excede seus próprios limite para poder ser tal.”

Thomas assinala em conclusão:

“A discussão emergente sobre a renovação da forma-partido se dá num contexto de experimentos radicais nas formas de organização ao redor do mundo, desde redes a coalizões a velhas e novas concepções de frente única. A verdadeira questão estratégica hoje não é a simples ideia do comunismo, ou inclusive a afirmação ou negação do partido, concebido em abstrato, sem a questão do tipo particular de forma-partido que poderia ajudar esses movimentos a continuar crescendo. A noção de Gramsci do Príncipe moderno como uma forma política expansiva, integrando as dimensões composicional e de laboratório em uma renovação do partido político como uma formação e prática do partidismo provê o nome para este processo de experimentação comunista coletiva.”

O debate contém, como sempre, arestas teóricas e políticas que dizem respeito à atualidade, como se vê na entrevista[4]realizada com Peter Thomas pelo Esquerda Diário e Opera Mundi, e as colocações que verte na mesma sobre a experiência do Syriza. Tentaremos refletir brevemente primeiro sobre a questão teórica e em seguida sobre as questões políticas.

Em primeiro lugar, se buscamos fazer uma aproximação “genética” à concepção de partido de Gramsci, colocada com certa pressa e não demasiada sutileza, podemos identificar três momentos em sua elaboração da questão do partido: a da época dos conselhos de fábrica, a do momento de construção do PCI após seu regresso da URSS, entre 1924 e 1926, que inclui (como a anterior) a polêmica e o debate com Bordiga, e por último as reflexões sobre a questão do Príncipe moderno nos Cadernos do Cárcere.

Na etapa “conselhista”, Gramsci considerava o partido como uma “organização contratual e privada” frente à qual estava colocada a autonomia do conselho de fábrica como organismo “público”; para dizê-lo em termos “clássicos”, tendia a subvalorizar o papel do partido, na relação partido-conselho de fábrica (ou soviete). Contra esta posição havia polemizado Amadeo Bordiga, partindo de uma ótica essencialmente sectária contra a experiência dos conselhos de fábrica. Bordiga afirmava que a forma histórica de emancipação da classe operária era o partido comunista, e não os conselhos nem os sovietes, aos quais assignava um papel essencialmente de luta econômica.

Durante a etapa de construção do PCI, Gramsci irá polemizar contra Bordiga afirmando que o partido não era um “órgão” mas uma “parte” da classe, enquanto buscava estabelecer os fundamentos de uma estratégia que expressasse, na situação italiana desse momento, os mesmo objetivos que os da experiência dos conselhos, questão que está sintetizada nas Teses de Lyon[5]. Não obstante os acertos de Gramsci na polêmica com Bordiga, a proibição das frações indicava um passo rumo ao autoritarismo, que nesse momento era funcional ao deslocamento de Bordiga, em um contexto de “bolchevização” promovido pela direção da Terceira Internacional contra os setores dissidentes.

Nos Cadernos do Cárcere, a reformulação da questão do partido em termos do Príncipe moderno, permite a Gramsci unir o que nas etapas anteriores esteve dividido: o movimento histórico (antes associado aos conselhos) e a organização política (antes entendida em sentido mais “estreito”). Isso pareceria dar razão a Thomas em sua interpretação do Príncipe moderno como “forma partido politicamente expansiva”, mas não é tão simples.

Ao transformar a questão da hegemonia em um dos eixos de sua reflexão no cárcere, Gramsci está pondo o acento em um dos pontos débeis que tiveram tanto a experiência dos conselhos de fábrica como as posteriores experiências do PCI frente ao fascismo.

Porém não é uma questão unicamente italiana, e sim diz respeito a um ponto fraco dos comunistas do Ocidente em seu conjunto. Frente a Estados com vários séculos de história, cultura e organização societal, a concepção socialdemocrata da continuidade entre o progresso capitalista e o advento do socialismo se transformava em uma concepção acrítica do marxismo como “ala esquerda” da modernidade capitalista. A consequência, político-ideológica e estratégica, era certo fatalismo nos comunistas do ocidente, fosse um fatalismo ultra-esquerdista ou de direita, porém que em suas duas variantes subestimava a importância da ação política do partido para intervir nos momentos de crise, e na verdade se entregava ao curso dos acontecimentos.

Não obstante a sua decadência, as conquistas históricas da burguesia europeia nos terrenos político, militar, econômico e cultural impuseram aos comunistas do ocidente uma posição que os deixava para trás da dinâmica dos acontecimentos e das conclusões estratégicas que se desprendiam da nova época aberta pela guerra mundial e a revolução russa (como afirmara Trotski em “Lições de Outubro” e “Stalin, o grande organizador de derrotas”).

Nesse contexto, a reflexão gramsciana sobre a questão do partido através da metáfora conceitual do Príncipe moderno, é inseparável da reflexão gramsciana mais geral sobre a “filosofia da práxis” como movimento histórico que sintetiza a cultura do ocidente, assim como o legado do Renascimento, da Reforma protestante e da Revolução francesa.

Digo que é inseparável porque quando Gramsci reflete sobre o marxismo como concepção independente de todas as correntes ideológicas e filosóficas burguesas, sua insistência na “autossuficiência” do marxismo não é um chamado ao dogmatismo, mas uma luta para assentar as bases de uma concepção do marxismo correlativa à luta pela constituição da classe operária como classe hegemônica, isto é, como uma classe dotada de uma teoria que por sua vez a projeta como classe consciente de ser a cabeça de um movimento histórico revolucionário que não busca continuar “a cultura ocidental” sob predomínio burguês, mas sim construir um novo Estado (proletário) que dote “o humanismo laico tradicional de uma forma moderna e atual, que deve ser a base ética do novo tipo de Estado” (C11, §70).

Visto deste ângulo, histórico-filosófico, a reflexão gramsciana sobre o Príncipe moderno que ao se desenvolver convulsiona o conjunto da sociedade, busca estabelecer uma ligação íntima entre movimento histórico e forma política.

No entanto, do ângulo da relação estratégica entre o movimento social (entendido não em termos históricos gerais, mas num plano mais imediato) e o partido (Príncipe moderno), a relação se torna menos “expansiva” e um tanto mais “negativa”, dado que nos Cadernos do Cárcere Gramsci tende a identificar a atividade espontânea da classe operária com o sindicalismo, e apresentar em termos um tanto unilaterais a “superação” daquele mediante o Príncipe moderno.

Em resumo, se a concepção “integral” de partido nos Cadernos do Cárcere resulta produtiva para refletir a partir do ângulo histórico-filosófico sobre a relação entre o marxismo, a classe operária e a cultura do ocidente, no plano menos abstrato e mais específico da relação entre o movimento social e a organização política em uma situação determinada e não tão geral, torna-se na verdade abstrata.

Esta relativa abstração, no plano da relação movimento-partido, como categoria “situacional” ou de “conjuntura estratégica” é o que permite, por exemplo, que Thomas possa associar a ideia de Príncipe moderno com “certos momentos da experiência do Syriza”, que precisamente pretendia o contrário da orientação gramsciana: substituir, mediante uma organização política sem hegemonia social e com um programa de reformas, a atividade própria da classe trabalhadora como sujeito revolucionário.
Se consideramos, como defende Emmanuel Barot seguindo a Marx (“Marx au pays des soviets ou les deux visages du communisme”, la ville brûle, 2011, pgs. 31-36 [Marx no país dos sovietes, ou duas visões do comunismo]), que o comunismo não é um fim a realizar em abstrato, mas sim o movimento real que busca abolir o estado atual de coisas, toda a reflexão sobre a possibilidade de reconstruir as organizações revolucionárias da classe operária deveria partir da necessária relação entre hegemonia política e hegemonia social. Isto é, não se pode apresentar como sendo “hegemônica” uma política que não tem como eixo de sua atividade a constituição da classe operária como sujeito, e prioriza a “política por cima” no lugar do “movimento real”.

Nesse sentido, a “forma partido” necessária para o desenvolvimento do “movimento real”, é aquela capaz de sustentar uma prática política que combina a luta pela recomposição social, política e ideológica da classe trabalhadora como sujeito, com uma estratégia que parta de seus combates concretos e atuais, lutando por hegemonizar aos demais setores oprimidos, por exemplo levar até o final da luta pelo NÂO na Grécia. As “esquerdas amplas” se demonstraram incapazes de fazê-lo. Um “novo leninismo” deveria se propor a isso.

[1]https://www.academia.edu/14131161/The_Idea_of_Communism_and_the_Party-Form

[2]http://www.laizquierdadiario.com/ideasdeizquierda/la-hegemonia-light-de-las-nuevas-izquierdas/

[3]http://www.esquerdadiario.com.br/Sobre-Peter-D-Thomas-e-o-marxismo-de-Gramsci

[4]http://www.esquerdadiario.com.br/O-Momento-Gramsciano

[5]https://www.marxists.org/espanol/gramsci/tareas.htm

 
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