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25N - Dia internacional de combate à violência contra as mulheres
É urgente um Plano Nacional de Emergência contra a violência às mulheres
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Diana Assunção, Maíra Machado, Carolina Cacau, Flavia Valle, ex-candidatas a vereadoras do MRT pelo PSOL e militantes do grupo de mulheres Pão e Rosas e Danilo Magrão, professor e ex-candidato a vereador do MRT pelo PSOL apresentam um Plano Nacional de Emergência contra a violência às mulheres.

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Nos últimos anos no Brasil ocorreram manifestações de mulheres que saíram as ruas em todo o país para lutarem por seus direitos e se manifestar contra várias formas de violência que sofrem todos os dias. Esse ativismo no ano de 2015 ficou conhecido por “Primavera das Mulheres”, pois condensou uma série de campanhas nas redes que foram amplamente divulgadas contra o machismo e o assédio, assim como os atos contra o Projeto de Lei (PL) 5069, de autoria ex-presidente da Câmara de Deputados, Eduardo Cunha, que criminaliza o aborto em casos de estupro, e ainda acabava com o direito ao acesso à pílula do dia seguinte. Além de uma juventude secundarista que ocupou as escolas do estado de SP, e tinha as adolescentes como linha de frente dessas ocupações difundindo o lema “Lute como uma menina!”.

Esse ativismo nas redes, nas ruas e a formação de coletivos feministas, principalmente entre as mulheres jovens, é a expressão nacional de um fenômeno internacional de luta das mulheres contra a opressão num contexto de crise econômica mundial, mostrando que apesar dos governos nos anos de neoliberalismo terem incorporado pautas das mulheres em suas políticas públicas, a realidade das mulheres segue sendo de sofrimento, dor, violência, e desigualdade de direitos.

Os dados das diversas formas de violência contra as mulheres no Brasil mostram a brutalidade de uma cadeia de violência que se origina na sociedade de classes e se legitima e reproduz permanentemente desde o Estado e suas instituições à hierarquia da Igreja e seus políticos e aliados, os meios massivos de comunicação, tendo o feminicídio como o último elo dessa cadeia, essa última expressão letal do machismo, perpetrado por um homem contra uma mulher a quem considera um objeto de sua propriedade.

Por isso, é preciso reconhecer que o Estado e suas instituições são responsáveis pela morte de centenas de mulheres por abortos clandestinos, que suas forças repressivas, funcionários políticos e judiciais são envolvidos com redes de prostituição, assédio sexual envolvendo crianças e adolescentes, que o Estado também é responsável pelas enfermidades, acidentes e mortes que provocam o trabalho precário, situação a que se encontram mais de 40% das mulheres trabalhadoras do Brasil, que nós que fomos candidato ao cargo de vereador e candidatas ao cargo de vereadoras do MRT pelo PSOL e militantes do grupo de mulheres Pão e Rosas achamos fundamental expressar a brutal realidade de violência das mulheres e apresentar um plano de emergência que achamos que deveria ser defendido por todas as figuras e parlamentares da esquerda*.

Por que não queremos mais que nenhuma mulher seja vítima de violência no Brasil, como tantas Eliza Samúdio, Isamara Filier, Mayara Amaral, Kelly Cadamuro, Raphaella Novinski, Laís Fonseca, Jéssica Pontes, e tantas outras que jamais esqueceremos, chamamos a atenção que estamos à frente de uma situação de emergência no Brasil como mostram com os escandalosos dados e que resulta de uma hipocrisia dos partidos da ordem que seguem fazendo demagogia com discursos de que é necessário combater a violência contra as mulheres, mas são os mesmos que legitimam essa realidade. E também à frente da hipocrisia de empresas que surfam na onda das reivindicações feministas e buscam nichos de mercado, se mostrando como “aliados e representando nossas bandeiras”, mas a realidade é que seguem lucrando com a exploração da mão de obra de tantas mulheres em suas fábricas e empresas ou que trabalham representando suas marcas sem direitos trabalhistas garantidos.

O Brasil ocupa o 5º lugar no ranking de índice de violência contra a mulher, ficando atrás apenas de El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado em outubro de 2017, estima-se que em 2016 uma mulher foi assassinada à cada duas horas, totalizando 4.657 mortes. Mas apenas 533 casos foram classificados como feminicídio, mesmo após a aprovação da lei de 2015 que obriga o reconhecimento no código penal como feminicídio os assassinatos por motivo de gênero. Com certeza, este número é ainda maior.

Em 2016, também foram registrados 49.497 estupros, com um crescimento de 3,5% em relação a 2015, lembrando que pelas estimativas apenas 10% das vítimas denunciam esse tipo de crime no país. Ou seja, o número extraoficial é muito maior, pois muitas vítimas têm medo da exposição e do tratamento que recebem da polícia machista que reproduz a ideologia que culpabiliza as mulheres da violência que sofrem.

Foi em 2016 também que milhares de mulheres saíram às ruas “Por Todas Elas”, contra os estupros e repúdio ao caso da adolescente de 16 anos que foi vítima de um estupro coletivo no Rio de Janeiro. Esse caso também escancarou o caráter machista da polícia, quando em entrevistas coletivas o delegado deu declarações questionando a veracidade dos relatos da jovem mesmo diante das gravações e transmissão do estupro pelas redes sociais. Sem falar no tratamento machista que as mulheres recebem nas delegacias ao denunciarem a violência que sofrem, ou exemplos, como o caso emblemático de Eliza Samúdio que denunciou várias vezes e foi assassinada brutalmente, deixando claro que não só não será pelas mãos da polícia que a violência às mulheres será combatida, mas que enquanto instituição a polícia está a serviço de manter a sociedade tal qual ela é hoje.

Há pesquisas também que apontam que três em cada cinco mulheres já sofreram violência doméstica. As denúncias feitas através do número 180, central de atendimento específica para receber denúncias de violência de gênero, giram em torno de uma a cada 7 minutos. Além disso, cerca de 50% das mortes violentas de mulheres são cometidas por familiares, sendo 33,2% por parceiros ou ex-parceiros.

É importante ressaltar também que no Brasil a violência contra as mulheres atinge principalmente as mulheres negras. De modo geral a população negra é a principal vítima de homicídios no país, sendo que a taxa entre os brancos tende a cair, enquanto de negros tende a aumentar. Nos casos de feminicídios, entre as mulheres negras aumentou 54,2% em dez anos (de 2003 à 2016). Entre as mulheres brancas caiu de 1.747 vítimas em 2003, para 1.576 em 2013 (queda de 9,8%). Já o assassinato de mulheres negras aumentou 54,2% no mesmo período, passando de 1.864 para 2.875 vítimas. No período de vigência da Lei Maria da Penha, entre 2006 e 2013, a realidade é a mesma: o número de vítimas brancas cai 2,1% e aumenta 35% entre as negras. Além disso, o Brasil é o país do transfeminicídio - recorde de assassinatos de pessoas trans pelo simples fato de assumirem sua identidade orgulhosa e de violências homofóbicas.

Não bastasse a violência cotidiana, nos assédios, agressões, estupros e feminicídios, as mulheres também convivem com a violência da dupla ou tripla jornada de trabalho, os salários mais baixos, e ocupam os postos de trabalho mais precários. E no contexto do um governo golpista de Michel Temer (PMDB) que atacam os direitos dos trabalhadores, os fazendo pagar pela crise, afetam profundamente as mulheres, como a reforma trabalhista aprovada, que é um enorme retrocesso e um verdadeiro ataque até mesmo às mulheres grávidas, que agora podem ser obrigadas a continuar trabalhando em locais insalubres durante a gravidez e amamentação.

Essa reforma flexibilizará ainda mais os direitos, fazendo com que as mulheres sejam mais ainda super-exploradas com o conjunto da classe trabalhadora no Brasil aonde as mulheres negras já recebem 60% menos de salário que os homens brancos. Aonde a precarização tem rosto de mulher!

Além disso, é com este Congresso reacionário que políticos corruptos que governam para os empresários, querem aprovar projetos de leis que atacam os direitos democráticos mais elementares das mulheres, com uma clara tentativa de fazer com que as mulheres não possam decidir sobre seu próprio corpo, pela maternidade e sua sexualidade, e assim controlar também a potencialidade e força das mulheres em serem ativas e sujeito para lutarem pelos direitos democráticos e trabalhistas e contra toda forma de violência.

Um exemplo disso é a tentativa da aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 181, que originalmente tinha o objetivo de ampliar a licença maternidade para mães de bebês prematuros, mas este ano na Comissão Especial, o deputado Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP), realizou diversas audiências públicas com setores reacionários, e em seu relatório inseriu uma proposta de alteração dos Artigos 1º e 5º da Constituição para inserir o conceito de “inviolabilidade da vida desde a concepção”. Ou seja, criminalizar o aborto em toda e qualquer circunstância, mesmo nos casos que já são legalizados pelo código penal de 1940, como casos de estupro, de risco de morte para as mulheres e casos de bebês anencéfalos (aprovado em 2012 pelo STF). Mais uma forma de violência contra as mulheres fazendo com que sejam obrigadas a gerar um filho de um estupro, sem falar nos casos de abortos clandestinos que mata milhares de mulheres todos os anos, principalmente mulheres negras e trabalhadoras, pois não podem pagar clínicas “seguras”. Só no Brasil são realizados anualmente um milhão de abortos por ano.

Outras tentativas atuais de aprovação de projetos de lei que legitimam as diversas formas de violência contra as mulheres, são o PL 5069 (já citado acima), que se encontra pronto para a pauta no Plenário da Câmara, de onde deve seguir para o Senado. O PL 478 de 2007, que tem como autores o ex-deputado Luiz Bassuma (Ex-PT e atual PEN/ BA) e Miguel Martini (PHS/MG), conhecido como “Estatuto do Nascituro”, conhecido como “bolsa estupro”, pelo movimento feminista e baseia-se no conceito de “direito à vida desde a concepção” e transforma o aborto em crime hediondo. Além da tentativa no Senado a partir de consulta pública sobre projeto que defende a extinção do termo feminicídio do código penal, sancionada em 2015 pela ex-presidente Dilma Roussef.

E ainda tem a ofensiva com o Projeto Escola sem Partido e aprovação de ensino religioso, como forma de disciplinamento da juventude com uma educação baseada na moral conservadora em que as mulheres são submissas aos homens e maridos, e seu destino natural é a maternidade, e não se pode falar em uma livre sexualidade e muito menos ter uma educação sexual dentro das escolas.

A escola é o primeiro espaço de socialização de um indivíduo fora da família. É na escola que a criança tem pela primeira vez, a possibilidade de estabelecer relações por fora do crivo de seus pais e constrói suas primeiras relações sociais.

Mesmo sendo esse o espaço privilegiado para que a criança desenvolva todas as suas potencialidades e seja educado para a vida em sociedade, a educação sexual é um tabu em toda a rede de ensino nacionalmente. Cabe às crianças e jovens desenvolverem sua sexualidade através da grande mídia, da pornografia, aprendendo que a violência contra a mulher é parte da sexualidade.

As meninas aprendem desde cedo que não são donas de seus corpos que sua sexualidade não pertence a elas, que deverão se submeter as regras morais discutidas nas igrejas, nas famílias que também não tiveram nenhum tipo de educação sexual e por isso não conseguem responder às dúvidas e necessidades das crianças e da juventude. Assim, as mulheres aprendem que devem ser submissas aos homens e maridos e devem naturalmente ser mães.

Mas é importante ressaltar que não é de hoje a tentativa de aprovação desses projetos, nesses 13 anos do governo do PT, apesar da Lei Maria da Penha e da Lei do Feminicídio sancionada pelo governo petista, que faz com que o Estado reconheça a violência de gênero como uma questão social e não particular e garante alguns direitos, foi um governo pautado na aliança com os setores reacionários que ganharam cada vez mais espaço no governo do PT que culminou no golpe institucional. Além da questão de que apesar da Lei fazer mais de dez anos, os índices que citamos acima mostram que a igualdade perante a lei, não é a igualdade perante a vida e a realidade de violência contra as mulheres segue todos os dias.

No governo anterior não teve nenhum avanço no que diz respeito ao direito ao aborto legal, seguro e gratuito. E apesar da existência de uma Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres (SNPM), que no governo petista tinha a função de ministério, os projetos de casa abrigo nunca saíram do papel. De 2004 a 2011, o governo Dilma apenas R$ 200 milhões em programas de combate à violência contra mulheres. Esse valor representou um gasto médio anual de apenas R$ 4.637,00 por município, o que significou R$ 0,26 por mulher no Brasil. E só em 2012, com os pagamentos de serviços da dívida pública foi de R$ 465 bilhões, ou seja, mais de 2.300 vezes o orçamento do Programa de Prevenção e Enfrentamento da Violência contra as Mulheres nos oito anos anteriores.

No governo golpista do Temer, a situação é ainda mais drástica, pois além de acabar com a SNPM, e unificar com outra secretaria, reduziu ainda mais a verba para o atendimento às mulheres em situação de violência. Reduziu em 61% a verba em relação a 2016. Os recursos destinados à rubrica passaram de R$ 42,9 milhões em 2016 para R$ 16,7 milhões neste ano –R$ 3,6 milhões já foram usados, segundo o portal do orçamento do Senado Federal.

No governo Dilma, foi lançado o Programa “Mulher, Viver sem Violência”, em março de 2013, com o objetivo de integrar e ampliar os serviços públicos existentes voltados às mulheres em situação de violência, mediante a articulação dos atendimentos especializados no âmbito da saúde, da justiça, da segurança pública, da rede sócio assistencial e da promoção da autonomia financeira. A iniciativa foi transformada em Programa de Governo e um dos eixos era a implementação da Casa da Mulher Brasileira, que tinha como objetivo integrar no mesmo espaço serviços especializados para os mais diversos tipos de violência contra as mulheres: acolhimento e triagem; apoio psicossocial; delegacia; Juizado; Ministério Público, Defensoria Pública; promoção de autonomia econômica; cuidado das crianças – brinquedoteca; alojamento de passagem e central de transportes.

Desde 2014 apenas três Casas foram construídas, ano em que estava previsto iniciar a construção em 13 capitais. Dessas três, que se localizam em Campo Grande, Curitiba e Brasília, só as duas primeiras estão em funcionamento e algumas já começaram o processo de construção, mas estão paradas. Além disso, 97,5% das cidades do país não têm Casas Abrigo para as mulheres. Ou seja, esses exemplos mostram que seja no governo do PT, seja com o governo golpista, o investimento para prevenção e atendimento as mulheres em situação de violência nunca foi prioridade, ao mesmo tempo em que vivemos no país das isenções fiscais e do enriquecimento de grandes empresários.

Por entendermos que todas as formas de violência se originam na sociedade de classes e se legitima e reproduz permanentemente a partir do Estado capitalista, que não encaramos a luta contra a violência como uma luta punitivista em si mesma de mulheres contra os homens, reduzindo o debate da opressão patriarcal às saídas e argumentos do código e do direito penal.

Ao reduzir o significado de “opressão patriarcal” ao de “violência machista” pretende-se resignificar aquela definição das condições históricas e sociais da discriminação e assim substituir o patriarcado, o Estado, o sistema capitalista, a heteronormatividade por um sujeito individual, homem: o agressor. Assim, as mulheres que se rebelam contra essa ordem social e cultural da dominação patriarcal, não terão voz ou vão adquirir um status de sujeito, individualmente, e só poderão se apresentar como vítimas do agressor.

Dessa forma, a sociedade estaria dividida entre potenciais vítimas e potenciais agressores. E isso permite que o Estado (capitalista-patriarcal), que legitima, justifica e reproduz a opressão contra as mulheres através da desigualdade trabalhista e salarial, da negação de direitos democráticos básicos, tais como a interrupção voluntária da gravidez, da coparticipação, direta ou indireta, nas redes de tráfico, etc., possa oferecer às vítimas, a possibilidade de uma retribuição privada apoiada socialmente, nos tribunais. E, claro, se isentando das responsabilidades.

Por isso, combatemos a violência a partir de outra estratégia. E não reivindicamos os métodos dos escrachos como forma de combate a violência dentro dos movimentos, pois é uma forma de individualizar a questão da opressão transformando os homens em geral em inimigos. Defendemos a necessidade de organização e combate a cada ação machista, mas que possa superar esta estrutura da sociedade capitalista que legitima a ideologia que sustenta a violência contra as mulheres. Para isso, é tão fundamental que se fortaleça também o combate à violência contra as mulheres a partir de cada sindicato e entidade estudantil nos locais de trabalho e estudo, homens e mulheres unidos.

É apenas com a união entre mulheres e homens, negros e brancos, terceirizados e efetivos, imigrantes e nativos, trabalhadores formais e informais, cisgêneros, héteros e LGBT, que é possível combater a opressão e a exploração de forma consequente. Com a hegemonia da classe trabalhadora, sustentando as demandas dos oprimidos, é que se pode pôr abaixo o sistema capitalista e construir a emancipação feminina e a libertação de toda humanidade.

Cada dia que passa, diante uma mulher que é vítima de alguma forma de violência ou que inclusive em situação esperando uma resposta paliativa por parte do Estado para sua cruel realidade, é achada morta (e insistimos que essa é só a expressão final de uma larga cadeia de opressões e violências), reiteramos que ainda que só com a força organizada de luta de milhares de mulheres e o povo trabalhador em seu conjunto pode acabar com esse regime social em que se originam os sofrimentos e miséria das classes exploradas e os setores oprimidos, como as mulheres, que apresentamos esse plano de emergência que contempla de maneira integral as ações mínimas, imediatas, transitórias que permitam, ao menos ser um paliativo para tanta dor.

1) Quem implementaria e quem seria atendida?

O Plano Nacional de Emergência contra a violência às mulheres deveria ser responsabilidade do Estado e seus órgãos competentes.

Entende-se por vítima de violência contra as mulheres toda mulher (cisgêneras, travestis e trans) que se encontre submetida, ela mesma ou seus filhos e suas filhas ou pessoas sob sua responsabilidade, em situações de violência que afetem sua vida, liberdade, dignidade e integridade física, psicológica, sexual, econômica ou patrimonial, assim também como sua segurança pessoal, contrariando assim, o previsto nos artigos 2º e 3º [1] das Disposições Preliminares da Lei Nº 11.340, nacionalmente conhecida como Lei Maria da Penha.

2) A assistência econômica deve ser imediata

Sabemos que para as mulheres que enfrentam a desigualdade salarial, a dependência econômica do pai, marido, companheiro, muitas vezes é um agravante para que a situação de violência se perdure.

Todas as mulheres em situação de violência deverão ter direito à assistência econômica.

A assistência econômica deve consistir em uma prestação monetária não retributiva de caráter mensal equivalente ao custo dos gastos de uma família, calculada em base ao salário mínimo necessário estipulado pelo DIEESE [2] (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).

Incluirá também, acompanhamento da Assistência Social tanto para a solicitante, quanto para seus filhos ou filhas e/ou outras pessoas que estiverem sob sua responsabilidade, assim como acesso imediato aos direitos sociais definidos no artigo 6º [3] da Constituição Federal.

A assistência econômica deverá ser paga durante todo o tempo em que a mulher e as/os que estiverem sob sua responsabilidade estejam fora de suas casas ou lugares de residência e/ou até que consigam inserir-se ou reinserir-se no mercado de trabalho e receber um salário que não seja inferior ao valor anteriormente referido, sendo responsabilidade do Estado garantir o emprego para as mulheres que não o tenha.

3) Casas Abrigo e Plano de moradia

Em todos os casos que a vítima de violência contra as mulheres se encontre sem moradia ou sua permanência na mesma implica em uma ameaça para sua integridade física, psicológica e/ou sexual, deve ser responsabilidade do Estado e seus órgãos competentes garantir o acesso imediato às Casas Abrigo ou Lares transitórios e à moradia digna sem necessidade de registro de boletim de ocorrência da violência a que está submetida, aprofundando o previsto no inciso II do artigo 35 [4] da Lei 11.340/2006.

Para tal fim, em todo o território nacional, em um prazo que não ultrapasse um ano, será necessário o Estado garantir a criação de Casas Abrigo ou Lares transitórios e um Plano de Moradias dignas, em um número não menor que uma (1) casa abrigo para cada 15.000 habitantes.

Hoje no Brasil, existem 155 Casas Abrigo em 142 cidades brasileiras, ou seja, 97,5% das cidades do país não têm Casas Abrigo para as mulheres, segundo a Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC) 2013, do IBGE. Especialmente nos municípios menores, os dados são mais alarmantes: das 3.852 cidades com até 20.000 habitantes, apenas 16 têm Casas Abrigo.

No município de São Paulo existem 7 Casas Abrigo, sendo que 6 são da prefeitura e 1 do governo do estado. No município do Rio de Janeiro existem apenas 2 Casas Abrigo do estado, e em Minas Gerais, dos 853 municípios, apenas 11 possuem Casas Abrigo.

As Casas Abrigo devem ser custeadas e mantidas pelo Estado e geridas pelas próprias mulheres abrigadas, com apoio da equipe interdisciplinar do local, diferentemente do que ocorre na atualidade em que as mulheres têm prazo para permanecerem nas Casas (como prazos de quatro meses) e é o Estado que gere as Casas.

Os/as funcionários/as das Casas Abrigo e equivalentes deverão receber o salário mínimo estipulado pelo DIEESE e toda assistência do Estado.

Plano de Moradia – Toda mulher, com ou sem filhas/os, que padeça situação concreta ou potencial de sofrer qualquer uma das violências anteriormente citadas, poderá solicitar à Caixa Econômica Federal, responsável pela execução dos programas nacionais de habitação, seu acesso imediato a uma moradia digna e de acordo com suas necessidades e das pessoas sob sua responsabilidade. Da mesma forma, terá direito a solicitar à Caixa Econômica Federal, que deverá conceder-lhe em caráter de urgência mediante um plano específico, o benefício de créditos à taxa zero para aquisição de sua moradia única e familiar.

Casas Abrigo – Enquanto a moradia lhe seja concedida em um prazo não maior que seis meses após a sua solicitação, a mulher e as pessoas que estiverem sob sua responsabilidade terão direito a abrigo imediato em um lar transitório, seja este uma casa abrigo para vítimas de violência contra as mulheres, um lar de aluguel temporário, um hotel, etc., que em todos os casos deverá conter uma infraestrutura e equipamentos conforme uma moradia digna e de qualidade, incluindo todas as garantias para que as mulheres e pessoas sob sua responsabilidade tenham total independência durante sua permanência na mesma.

4) Licença do trabalho para as vítimas de violência contra as mulheres

As mulheres trabalhadoras vítimas das violências já referidas, assim como as trabalhadoras que possuam familiares ou pessoas sob sua responsabilidade que sejam vítimas de violência contra as mulheres, devem ter direito a licença do trabalho com gozo do salário e direitos adquiridos, independente se funcionárias do âmbito estatal, público, privado, sob regime de contratos temporários, efetivos, terceirizadas, autônomas ou qualquer outra forma de emprego registrada ou não registrada em carteira de trabalho.

Os prazos e extensão das licenças de trabalho para as mulheres vítimas de violência de gênero serão avaliados e concedidos - sem que seja necessária nenhuma outra representação ou denúncia - pelas equipes interdisciplinares de prevenção, atenção e assistência às vítimas. Os prazos estabelecidos e as extensões deverão atender a vontade da mulher, aprofundando o previsto no inciso II do artigo nº 9 [5] da Lei 11.340, que legisla o afastamento do trabalho pelo tempo máximo de seis meses.

As licenças de trabalho devem garantir as trabalhadoras o recebimento total dos salários, e os aumentos que ocorram durante o período licenciada, assim como os direitos sociais intrínsecos ao seu serviço profissional.

As trabalhadoras licenciadas não poderão ser demitidas e nem ter suas condições de trabalho modificadas no seu retorno.

5) Licença das unidades escolares e universidades

As estudantes de todos os níveis educativos que forem vítimas da violência acima referida, ou suas/seus filhas/os ou pessoas sob sua responsabilidade, terão direito a licenças no curso presencial da instituição educativa em que está matriculada e a receber, imediata e consequentemente o direito de continuar seus estudos sob a assistência de professoras e professores em seu domicílio, a fim de garantir o cumprimento das leis educacionais vigentes e do direito ao acesso à educação previsto no artigo nº 205 [6] da Constituição Federal de 1988.

Os prazos e a extensão das licenças educativas serão avaliados e concedidos, sem que seja necessária nenhuma outra representação ou denúncia, pelas Equipes interdisciplinares de prevenção, atenção e assistência às vítimas. Os prazos e extensões deverão atender a vontade da mulher atendida.

As mulheres vítimas de violência terão direito da manutenção da matrícula na instituição que estudam se assim desejarem, ou de trocar de instituição educacional em que ela ou que pessoas menores de idade sob sua responsabilidade desenvolvam seus estudos, de maneira imediata, bastando apenas sua solicitação, em qualquer nível de escolaridade e sejam as instituições públicas ou privadas.

6) Equipes interdisciplinares de prevenção, atenção e assistência às vítimas

Desde o momento em que a mulher vítima de violência denuncie sua situação e/ou solicite acesso aos subsídios, licenças trabalhistas, licenças educativas, moradia, e outros direitos contemplados pelo Plano, tem direito a receber de maneira imediata e gratuita o acompanhamento e/ou a intervenção de equipes interdisciplinares especializadas em prevenção, atenção e assistência.

Estas equipes interdisciplinares serão responsáveis de oferecer atenção integral à mulher solicitante e às pessoas sob sua responsabilidade e deverão contar para tal fim, com psicólogos, assistentes sociais, médicos, advogados, e qualquer outro profissional que seja requerido pelas equipes em função das necessidades e circunstâncias que se apresentem as vítimas. Em todos os casos, a equipe estará composta por profissionais capacitados, devendo os órgãos responsáveis pelo Plano ter convênios diretos com as universidades federais.

A atuação profissional das trabalhadoras e dos trabalhadores que compõem a equipe interdisciplinar deverá estar destinada exclusivamente para prestar assistência e dar acompanhamento às vítimas da violência machista, devendo contar para tal fim com os recursos e espaços físicos adequados para o trabalho. Em todos os casos, suas condições de trabalho deverão garantir estabilidade, continuidade no trabalho desenvolvido, formação e capacitação contínua e gratuita, e remuneração equivalente ao salário mínimo do DIEESE.

Com a finalidade de contribuir para o desenvolvimento de estatísticas nacionais que colaborem com a visibilidade e implementação de políticas públicas contra a violência às mulheres, as equipes interdisciplinares deverão elaborar informes trimestrais e balanços anuais sobre a situação das vítimas desde o momento da entrada no atendimento profissional e durante todo o processo que abarque sua atenção e assistência. Para isso, poderão estabelecer convênios gratuitos com instituições educativas e de saúde, para capacitar as e os trabalhadores da educação, da saúde, da justiça e para contribuir com tarefas investigativas orientadas para prevenção, atenção e assistência às vítimas de violência machista.

7) Igual trabalho, igual salário

Uma das desigualdades mais sentidas pelas mulheres, sobretudo as negras, nesse sistema econômico é a desigualdade salarial. Em recente pesquisa da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) divulgada pelo IBGE a diferença salarial média entre uma mulher negra e um homem branco é de 60%, podendo chegar a 80% em alguns cargos.

Para que o enfrentamento da desigualdade salarial que também é uma violência contra as mulheres; e como parte do enfrentamento das mulheres contra a dependência econômica é urgente a implementação da igualdade salarial. Igual trabalho, igual salário.

8) Efetivação imediata de todas trabalhadoras terceirizadas

Como já colocamos acima, o trabalho terceirizado e precarizado rebaixa os salários e as condições de trabalho de toda a classe operária, mas sobretudo, tem rosto de mulher, em particular, das mulheres negras.

É preciso anular a lei da terceirização e efetivar todos os trabalhadores terceirizados sem necessidade de concurso público ou processo seletivo, como parte de libertar um batalhão de mulheres da violência do sub-emprego que mantém milhões em condições semi-escravas em cada canto do país.

9) Legalização do aborto

O Plano Nacional de Emergência deve conter o direito à toda mulher ao aborto legal, seguro e gratuito garantido pelo SUS, com acompanhamento de equipe interdisciplinar, em base aos artigos do Projeto de Lei 882/2015 de autoria do deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) e também a ADPF 442, apresentada no STF, que garante que o aborto até as 12 primeiras semanas de gravidez deixará de ser crime no Brasil, independentemente do motivo que leve a mulher a realizar o procedimento. Ela poderá escolher, neste período, decidir sobre a maternidade.

10) Educação sexual em todas instituições escolares, desde a infância

A educação sexual nas escolas deve ser implementada em toda a rede pública, nacionalmente e deve contemplar desde a educação infantil até o Ensino Médio, permitindo o reconhecimento da identidade de gênero e a livre expressão da sexualidade. Promover a discussão de gênero e sexualidade no ambiente escolar é possibilitar às crianças e jovens reflexões que deem subsídios para a expressão de sua sexualidade e identidade de gênero.

O debate da sexualidade não tem a ver com a indução ao ato sexual, é uma questão de saúde e educação e faz parte das propostas curriculares contidas na Constituição Federal; na Lei de Diretrizes e Bases da Educação e Proposta – Lei 9.394/96; Diretrizes Curriculares Nacionais; Parâmetros Curriculares Nacionais; Resoluções 11 e 12 do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos LGBT.

A Educação sexual nas escolas também é necessária para que as meninas e meninos possam decidir sobre sua sexualidade de maneira segura e não haja mais gravidez por falta de informação. Além disso, é preciso o acesso a contraceptivos gratuitos e de qualidade para que nenhuma jovem engravide de forma indesejada e o aborto legal seguro e gratuito para que possam decidir se querem levar essa gravidez à frente.

11) Financiamento

Os recursos para o Plano Nacional de Emergência contra a violência às mulheres devem estar previstos pelo Governo Federal no orçamento público e devem ser provenientes também, da taxação progressiva das grandes fortunas e das corporações imobiliárias do país, assim como do confisco imediato dos bens de todos os empresários e políticos corruptos e do não pagamento da dívida pública brasileira.

O Governo Federal deverá garantir em todos os casos a capacitação e assistência às trabalhadoras e aos trabalhadores integrantes das equipes, com pagamento mensal do salário mínimo do DIEESE.

Notas:

*Esse plano foi baseado no plano nacional de emergência contra a violência às mulheres da Argentina, apresentado por Nicolás del Caño, ex-candidato à Presidência pela Frente de Esquerda e dos Trabalhadores (FIT, na sigla em espanhol) e por Myriam Bregaman, deputada pela FIT, advogada na área de direitos humanos e militante do Pão e Rosas. Ambos são integrantes do Partidos dos Trabalhadores Socialistas (PTS), organização irmã do MRT naquele país.

[1] Art. 2o Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.

Art. 3o Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

[2] Calculado em outubro de 2017 em R$ 3.754,16, ou seja, praticamente quatro vezes a mais do que o salário mínimo nominal atual, calculado em R$ 937,00. https://www.dieese.org.br/analisecestabasica/salarioMinimo.html

[3] Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90, de 2015)

[4] Art. 35. A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios poderão criar e promover, no limite das respectivas competências: II - casas-abrigos para mulheres e respectivos dependentes menores em situação de violência doméstica e familiar.

[5] Art. 9o A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso.

[6] Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

 
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