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PROSTITUIÇÃO
Regulamentação ou Abolicionismo? Um debate que não tem apenas duas posições excludentes
Andrea D’Atri
@andreadatri

Nas campanhas eleitorais, distintas organizações perguntam aos candidatos e candidatas sobre a posição que defendem frente ao direito ao aborto, a regulamentação da prostituição, o uso dos recursos naturais ou muitos outros temas. As respostas que deu Nicolás Del Caño – pré-candidato a presidência pela Frente de Esquerda e dos Trabalhadores (FIT) na Argentina – ao questionário enviado pela Associação de Mulheres Meretrizes da Argentina (AMMAR) geraram debate entre companheiras do movimento de mulheres que se reivindicam abolicionistas e com quem compartilhamos muitos acordos e lutas por nossos direitos. Por isso, voltamos a insistir com nossas posições; as mesmas que sempre defendemos e a partir das quais se respondeu o questionário de AMMAR, que reproduzimos abaixo.

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Qual é a raiz do problema?

Para nós que nos referenciamos no marxismo, a prostituição é uma instituição social que surge como contrapartida à aparição da família baseada no matrimonio monogâmico; junto com o surgimento da propriedade privada e o Estado.

Lutamos pela abolição do Estado, da propriedade privada, da família que se baseia no controle patriarcal da capacidade reprodutiva e da sexualidade das mulheres, de seu trabalho doméstico gratuito e da reprodução das relações sociais de dominação sobre as mulheres, filhos e filhas. Também, pela abolição da prostituição.

Mas, assim como sabemos que o Estado capitalista não pode abolir a si mesmo por uma lei nem um decreto que saia de suas próprias entranhas, mas sim pela luta revolucionária da classe trabalhadora que conquiste o poder para a maioria e avance em estabelecer um Estado transicional até o socialismo, onde finalmente sejam abolidas as classes sociais; da mesma mineira, consideramos que não é possível abolir por decreto a opressão às mulheres e, portanto, a prostituição.

Não existe Estado capitalista sem exploração do trabalho assalariado, sem opressão às mulheres (como também a outros setores sociais) e sem prostituição. Como dizia o marxista Bebel sobre a prostituição, no século XIX, “alguns dos que se ocupam desta questão começam a se dar conta de que a triste situação social à qual estão sujeitas tantas mulheres poderia ser a causa principal de que tantas delas vendam seu corpo; mas este pensamento não avança até as últimas consequências, de que é necessário criar outras condições sociais”. Para nós é necessário criar outras condições sociais. E é a luta que abraçamos.

Mas a prostituição atual não é como a da Antiga Grécia!

A prostituição alcançou uma dimensão inusitada durante as últimas décadas, nas que o neoliberalismo transformou a exploração sexual em uma indústria de enormes proporções e que gera enormes fortunas para os cafetões. Esta avaliação, compartilhamos com a maioria das companheiras que se definem abolicionistas.

Esse negócio ilegal e enormemente rentável para os exploradores tem duas consequências. Por um lado, o monstruoso crescimento das redes de tráfico que sequestram meninas, jovens e adultas ou as enganam com promessas de trabalho, casamentos, etc., para serem exploradas sexualmente sem seu consentimento, privadas de sua liberdade, depois de serem violentadas de muitas maneiras. Diante desta tortura, denunciamos e combatemos as redes de tráfico que atuam com a cumplicidade, a participação direta e/ou a impunidade de políticos, juízes e forças repressivas do Estado.

Por outro lado, a cínica posição da Organização Internacional do Trabalho e distintos Estados, que impulsionam a sindicalização das mulheres em situação de prostituição, mais preocupados em “legalizar” o negócio dos cafetões e o que entraria para os Estados em matéria de impostos a suas fortunas com suas “empresas” regulamentadas, do que pelas condições de vida das pessoas prostituídas.

Esta situação atual reconfigurou velhos debates do século XIX, entre “regulamentacionistas” e “abolicionistas”. Enquanto o regulamentacionismo “propõe que o Estado legalize a prostituição e, portanto, se regulamente a instituição de prostíbulos, as formas de exploração das mulheres, os controles sanitários” (1); o “abolicionismo” considera a prostituição como uma forma de violência contra as mulheres, combate a cafetinagem e considera que poderia banir a prostituição com campanhas educativas contra o consumo, a penalização dos clientes ou a proibição legal de seu exercício. A única coisa que sustentam em comum é a expectativa em que seja o mesmo Estado que legitima e reproduz a milenar opressão às mulheres, o responsável por, seja regular a vida das pessoas em situação de prostituição ou, pelo contrário, de abolir esta instituição social própria da sociedade de classes.

Também existem posições mais extremas promovidas pelo pós-feminismo, sobre o suposto “empoderamento” que a prostituição permitiria para as mulheres sobre sua própria sexualidade. Mas com o crescimento das redes de tráfico e da cafetinagem, configuram-se quase como uma exceção a “prostituição consentida” de pessoas que não encontram outra saída para a subsistência cotidiana; a prostituição, supostamente eleita como um exercício de liberdade sexual, está reduzida a uma ínfima minoria de pessoas, que provavelmente não atravessam as situações de desespero, violência, fome, miséria, violações e perseguição policial que deve suportar a maioria.

Um programa transicional para a abolição da exploração sexual

Já escrevemos em outra oportunidade que “longe de qualquer moralismo, o marxismo reconhece que a prostituição é inseparável da sociedade de classes e, portanto, é inseparável do capitalismo. Mas reconhecer que só acabando com todas as formas de exploração e opressão, poderemos acabar com a prostituição, não é motivo para não defender os direitos das pessoas nesta situação – entre as quais as mulheres são maioria absoluta –, a sua auto-organização, isenta da ingerência de cafetões e do Estado (seja regulamentacionista ou punitivo).” (2)

Não somos regulacionistas, mas acompanhamos e promovemos a luta por exigir do Estado capitalista e seus governos a garantia de um trabalho para todas as pessoas em situação de prostituição que queiram abandoná-la, com um salário que cubra o custo de vida de uma família, acesso à saúde, a educação, moradia. Ao mesmo tempo em que combatemos a estigmatização, a perseguição e marginalização social das pessoas em situação de prostituição, denunciando principalmente a repressão policial, a cumplicidade das forças repressivas do Estado, seus funcionários de alto escalão, a justiça e poderosos empresários no funcionamento e a impunidade com que operam as redes de trafico.

Poderíamos sustentar que somos abolicionistas “em última instância”. Porque consideramos utópico que o mesmo Estado capitalista que não só se sustenta na exploração do trabalho assalariado de milhões de seres humanos, se não também na exploração do trabalho doméstico não remunerado, na opressão das pessoas por razões de gênero, sexo, nacionalidade, etnia e no entranhado mafioso dos regimes políticos com os grandes “negócios” clandestinos, incluindo a prostituição, pode ser quem “resolva” a abolição desta instituição milenar criada pela sociedade classista, mediante aumento de seu poder punitivo.

Por isso, enquanto enfrentamos a perseguição das pessoas em situação de prostituição, sua exploração em beneficio de terceiros; enquanto exigimos do Estado o direito a satisfação de todas as necessidades (trabalho assalariado, moradia, educação, saúde, etc.) e enquanto defendemos seu direito a auto-organização, lutamos com a perspectiva de uma sociedade onde a exploração das pessoas e todas as formas de opressão que hoje aprisionam, seja uma má recordação da “pré-história” humana.

(1) Andrea D’Atri, Pecados & Capitales, revista Ideas de Izquierda, Nº7, março 2014
(2) ídem.

 
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