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MÚSICA
Belchior vive!
Nivalter Aires

Belchior, que morreu em abril deste ano, se estivesse vivo faria, hoje (26/10), 71 anos de idade. Nada melhor, então, do que uma reflexão sobre esse que foi um grande artista, nordestino, vanguardista, materialista, e crítico da sociedade.

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Depois de abandonar a faculdade de medicina, em nome da música. Em 1971, com a música Na Hora do Almoço com uma crítica à família patriarcal nordestina, Belchior foi o ganhador do “IV Festival Universitário da Canção Popular” promovido pela TV Tupi.

Na Hora do Almoço
No centro da sala, diante da mesa
No fundo do prato, comida e tristeza
A gente se olha, se toca e se cala
E se desentende no instante em que fala

Medo, medo, medo, medo, medo, medo

Poucos anos depois, em 1974, lançou seu primeiro disco Concerto a Palo Seco, que tem músicas memoráveis como Velha Roupa Colorida, Alucinação, A Palo Seco.

Alucinação:
Eu não estou interessado em nenhuma teoria,
Nem nessas coisas do oriente, romances astrais
A minha alucinação é suportar o dia-a-dia,
E meu delírio é a experiência com coisas reais
Um preto, um pobre, um estudante, uma mulher sozinha
[…]
Mas eu não estou interessado em nenhuma teoria, em nenhuma fantasia, nem no algo mais
Longe o profeta do terror que a laranja mecânica anuncia
Amar e mudar as coisas me interessa mais
Amar e mudar as coisas, amar e mudar as coisas me interessa mais

Para Belchior a condição humana é “um objeto importantíssimo para a arte, seja a música popular, a poesia, o romance, o ensaio”. Coisa que ele faz brilhantemente ao longo de sua carreira. Fica claro, não só nessa música, mas no conjunto da sua obra que, para além da teoria o que vale é “experiência com coisas reais”, “amar e mudar as coisas me interessa mais” (os marxistas poderiam dizer a Práxis).
Em 1976, lança o grande disco Alucinação (que já foi analisado nesse jornal por Romero Venâncio). Mas antes desse há um disco um pouco marginal, eu diria, Mote e Glosa de 1974 que parece, em diversas dimensões, experimental. Voltando ao álbum “Alucinação” encontra-se algumas das músicas pelo qual Belchior conquistou seu espaço, e é lembrado até hoje.
Como não podia faltar, considerando sua própria vivência, como nordestino que chega a grande cidade, o estranhamento aparece na música Fotografia 3x4, que, em grande medida, mostra a dimensão dos diferentes brasis, onde o nordestino é um imigrante (estrangeiro) dentro do próprio país, ao chegar no Centro-sul. Vale mencionar que essa migração forçada pelas condições adversas do próprio Nordeste, não aconteceu e acontece só com os artistas, mas principalmente para grande parte das classes despossuídas, que engrossou as fileiras da classe trabalhadora nos, chamados, grandes centros.
Algumas dessas músicas desse álbum também foram gravadas pela fabulosa Elis Regina: Velha Roupa Colorida e Como Nossos Pais, o que deu ainda mais visibilidade as músicas de Belchior, como composições poéticas de grande força.

Velha Roupa Colorida:
“Você não sente nem vê
Mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo
Que uma nova mudança em breve vai acontecer
E o que há algum tempo era jovem novo
Hoje é antigo, e precisamos todos rejuvenescer”

Belchior em sua arte anunciava que o “passado é uma roupa que não nos serve mais”, que uma mudança profunda deveria acontecer, em breve. Em entrevista a revista Juventude Revolucionária do Partido da Causa Operária (PCO), ele disse que:

O socialismo continua sendo importantíssimo como objetivo social. Eu acho que é a visão mais interessante, mais sonhadora, mais utópica que mereça ser construída. A participação de todos na cultura, na civilização, na produção, no trabalho, nos benefícios… tudo isso tem que ser buscado. Para mim, isso continua sendo o maior ideal.”.

Marx e Trotsky não escaparam ao radar de Belchior, com ele destaca na mesma entrevista “sempre me interessei pelo marxismo”, especialmente como “filosófica, como matéria de estudos filosóficos, literários, sobre religião etc.”; “aí também entram os textos de Trótski sobre arte e literatura”.
Talvez essa influência tenha sido abrangida ao espirito livre que a Arte de Belchior tem, e que ele defendia. Fundou sua própria gravadora em nome da sua liberdade artística, era intolerável para ele que seu trabalho artístico fosse de alguma forma cerceado. Belchior entendia que na sociedade capitalista o trabalho artístico era imediatamente transformado em mercadoria, dai a natureza da relação conflitante “entre a posição do artista como cidadão, sonhador e utópico” e o mercado.
Visão, e conjunto da obra que em muito se aproxima do que defendiam Trotsky e Breton n’O Manifesto Arte Revolucionária Independente: “A arte verdadeira, a que não se contenta com variações sobre modelos prontos, mas se esforça por dar uma expressão às necessidades interiores do homem e da humanidade de hoje, tem que ser revolucionária, tem que aspirar a uma reconstrução completa e radical da sociedade, mesmo que fosse apenas para libertar a criação intelectual das cadeias que a bloqueiam e permitir a toda a humanidade elevar-se a alturas que só os gênios isolados atingiram no passado.

Belchior, morreu nesse último 30 de abril, mas sua música ainda está viva, e expressam um sentimento de decepção com o mundo da forma como está, da agonia do capitalismo, e por isso mesmo essa inconformidade tem uma profunda dimensão transformadora.

Belchior vive!
A Arte Livre Vive!

 
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