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VOZ ANTICAPITALISTA
Reforma trabalhista: quanto pior o trabalho, maiores os lucros capitalistas
Kenji Ozawa
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Imagem: Cena do famoso filme Tempos Modernos (1936), na qual o operário interpretado por Charles Chaplin testa a mais nova tecnologia da linha de produção: uma máquina de comer. Qualquer semelhança com a pérola de Steinbruch sobre “comer sanduiche com a mão esquerda enquanto trabalha com a mão direita” não é mera coincidência.

“Tá difícil competir com a realidade” é a chamada do programa Zorra Total, da rede globo. De fato, os últimos dois anos da política nacional renderam pérolas inacreditáveis, como “não pense em crise, trabalhe”, de autoria do presidente golpista Michel Temer, em 2016. Este ano, foi a vez de outro golpista: o presidente da FIESP e da CSN, Benjamin Steinbruch, que, em entrevista ao portal Uol, afirmou:

“Aqui a gente tem uma hora de almoço. Não precisa de uma hora de almoço, porque o cara não almoça uma hora. Você vai nos Estados Unidos, vê o cara almoçando, comendo sanduíche com a mão esquerda, e operando máquina com a mão direita. Tem 15 minutos para o almoço, entendeu? Eu acho que se o empregado se sente confortável em diminuir esse tempo, porque a lei obriga que tenha que ter esse tempo?”

Seria cômica a afirmação de que o empregado se sente confortável em diminuir sua uma hora de almoço para 15 minutos, como se alguém tivesse perguntado antes de retirar esse e outros direitos trabalhistas conquistados após séculos de luta da classe trabalhadora, se não fosse trágica a forma como as palavras de Steinbruch sintetizam de maneira “plástica”, “gráfica” o futuro e, cada vez mais, o presente da juventude pobre e trabalhadora, e até dos trabalhadores que já estão há muito tempo no mercado, depois da (contra-)reforma trabalhista aprovada por 50 senadores corruptos e que nunca trabalharam na vida e sancionada pelo presidente golpista em julho deste ano, a qual retrocede, em relação à vida dos trabalhadores, de volta ao século XVIII, aos primeiros anos da Revolução Industrial.

Analisando aquele processo histórico, Karl Marx desmascarou, em O capital e outras obras, como a sociedade capitalista, que aquela revolução estruturou, é fundada na exploração do homem pelo homem, assim como todas as sociedades de classe que a antecederam. A partir do momento em que os seres humanos conseguem produzir com suas duas mãos mais do que o seu próprio estômago precisa, há a possibilidade de que uma parte da sociedade viva às custas da outra, apropriando-se do produto do trabalho alheio e, então, não tenha que trabalhar ela própria. O lucro capitalista é simplesmente a forma como esta apropriação é feita nessa sociedade em que vivemos hoje.

Os capitalistas compram a força de trabalho, ou a jornada de trabalho, pagando aos trabalhadores um salário equivalente ao valor dos bens e serviços necessários para a reprodução da sua existência, ou seja, para que o trabalhador volte à fábrica no dia seguinte em condições de trabalhar. Acontece que o valor que o trabalhador produz, ao todo, em sua jornada é maior que o valor das mercadorias de que ele necessita, equivalente ao salário. Por isso, a jornada de trabalho divide-se em duas partes: a jornada necessária e a excedente. Na jornada necessária, o trabalhador trabalha “para si próprio” (entre muitas aspas), produzindo o valor que ele próprio receberá do capitalista na forma de salário; enquanto que, na jornada excedente, o trabalhador produz um valor que será totalmente apropriado pelo capitalista, como se trabalhasse “de graça”. Essa jornada excedente, na qual o trabalhador é explorado “de graça”, é a fonte do lucro capitalista.

Em outras palavras, a riqueza correspondente tanto aos salários dos trabalhadores quanto aos lucros dos capitalistas é produzida pelos trabalhadores, durante a jornada, e, consequentemente, os lucros só podem aumentar se os salários diminuírem, e vice-versa. Direitos como férias remuneradas, licenças, seguro-desemprego, FGTS, os impostos que deveriam ser investidos em serviços públicos como educação, saúde, transporte, etc. (mas que também são apropriados de maneira privada por políticos e empresários corruptos)... tudo isso são gasto dos capitalistas que, de alguma maneira, “retornam” aos trabalhadores, logo, diminuem a parte lucrativa da jornada, em que os trabalhadores são explorados de “graça”, e aumenta a parte em que trabalham “para si”, diminuindo a exploração e o lucro. Já a reforma trabalhista retira todos esses direitos que são pagos deduzindo-se o lucro capitalista, aumentando, então, a parte “gratuita” da jornada em detrimento da parte correspondente ao salário, isto é, aumentando a taxa de exploração.

As maneiras como a reforma trabalhista permite esse aumento da exploração são várias, mas a principal é a prevalência do negociado sobre o legislado. Segundo a legislação “reformada”, os acordos entre o trabalhador individual e o capitalista individual, ou entre o conjunto dos trabalhadores de uma empresa e o seu respectivo dono, prevalecerão sobre os acordos entre uma categoria de trabalhadores como um todo, representada pelo seu respectivo sindicato, e o conjunto dos capitalistas do ramo ou setor daquela categoria, e sobre a própria Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT)! Cada trabalhador contratado após a reforma terá que re-negociar aquilo que já era direito seu, que gerações de lutadores da classe trabalhadora conquistaram a duras penas, e terá que renegocia-lo individualmente, atomizado, tornando-se absolutamente desvalido, impotente diante do capitalista (sobretudo quando há, no país, 14 milhões de desempregados), pois ou vende a força de trabalho a qualquer preço, ou morre de fome.

Aliás, outra pérola tragicômica desse ano de 2017 é aquela de que “o trabalhador terá que decidir: menos direitos e emprego ou todos os direitos e desemprego”, saída da boca do reacionário Jair Bolsonaro, em sua recente viagem ao país do igualmente reacionário Donald Trump. Uma das principais falácias da direita em relação à reforma é que esta gerará empregos, pois o trabalhador brasileiro seria supostamente “muito caro”, teria “muitos direitos”, etc., como se a informalidade (isto é, não ter direitos!) não fosse a realidade de 43% dos trabalhadores brasileiros. Todavia, o que essa reforma gerou não foram empregos, e sim demissões, pois, demitindo, retira-se os direitos de quem já estava empregado antes de tal reforma, a qual muda também a definição jurídico-legal de “jornada de trabalho”, de maneira que os intervalos, o tempo de deslocamento entre a casa do trabalhador e o seu local de trabalho, etc., não são mais computados, transformando-se em mais um tempo de trabalho não-pago.

Reformas semelhantes já aconteceram na Alemanha e no Reino Unido, substituindo as jornadas chamadas “rígidas” por “jornadas reduzidas” ou “zero-hora”, nas quais o trabalhador está à disposição da empresa durante um longo tempo, mas apenas as horas trabalhadas são pagas. A renda mensal de um trabalhador assim empregado pode ser inferior a um salário mínimo. Além disso, os jovens, que são a esmagadora maioria dos trabalhadores de telemarketing e outros trabalhos precários, serão impossibilitados de estudar tendo jornadas de trabalho tão longas quanto as que a reforma permite. Na Alemanha , o índice de pobreza após reforma que generalizou as “jornadas reduzidas” (15%) foi o maior desde a reunificação capitalista do país depois da reforma que generalizou as jornadas reduzidas, e os 20% da força de trabalho cuja jornada é reduzida (a expectativa do governo era 5%) são, na sua maioria, mulheres e jovens.

A reforma brasileira também tenta “impedir o acesso do trabalhador à Justiça do Trabalho para questionar a regulação da reforma e pleitear direitos constitucionalmente assegurados, ameaçando-o com altos custos processuais, incentivando a arbitragem privada e criando a fórmula da quitação anual de direitos trabalhistas com o vínculo de emprego ainda em vigor”; por isso, o juiz do trabalho Jorge Luiz Souto Maior a define como uma “fórmula plena em favor do grande capital” a qual “representa uma afronta à Constituição Federal e aos diversos compromissos assumidos com relação à efetivação de uma política assecuratória dos direitos humanos”. Mas o mais cruel dessa reforma talvez seja a mudança em relação ao afastamento de mulheres grávidas e lactantes cujos trabalhos são insalubres, que dependerá de laudo médio nos casos de mínima e média insalubridade, e que o texto não define que médico pode fazê-lo, possibilitando que o capitalista contrate um médico que represente seus próprios interesses, e não os das mulheres trabalhadoras.

Essas várias maneiras como a reforma trabalhista aumenta a taxa de exploração são exemplos de como a vida dos trabalhadores não pode ser melhorada a não ser atacando o lucro capitalista. A Revolução Industrial possibilitou um salto sem precedentes em relação à produtividade do trabalho. A tecnologia que se desenvolveu desde então poderia diminuir drasticamente o fardo do trabalho, mas tal potencial emancipador é “entravado”, negado pela irracionalidade do regime social capitalista. Contraditoriamente, milhões e milhões de pessoas trabalham dia após dia durante jornadas extenuantes, indignas, ao mesmo tempo que outros milhões de seres humanos perdem seus empregos. Atacando o lucro capitalista, é possível diminuir a jornada de trabalho para 6 h/dia, 5 dias por semana, repartido o trabalho de maneira que todos trabalhem menos e, consequentemente, todos trabalhem.

 
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