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UNESP
O “direito de ir e vir” contra o “direito de manifestação” a estudantes da Unesp
Breno Cacossi

Após a grande repercussão da ação movida pela Direção do campus de Marília da Unesp contra quatro alunos, que gerou um interdito proibitório que os proíbe de participar de manifestações como trancaços e paralisações, sob a pena de multa de 10 mil reais, e que autoriza a polícia no campus para repressão, o presente artigo discute alguns dos principais argumentos utilizados pela Direção, por parte dos meios de comunicação, e também pelo próprio juiz que determinou o interdito.

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Direito de “Ir e Vir” para quem?

A reportagem da TV Tem convidou um advogado para dar o aval de um especialista ao interdito. Trata-se de recurso comum usar de uma figura eminentemente “técnica” para validar determinado ponto de vista que é político. Tanto o advogado quanto o próprio argumento do juiz no interdito proibitório jogam um direito contra o outro, o direito de “ir e vir” contra a liberdade de manifestação e de expressão. Este tipo de interpretação da Constituição não é consenso entre os juristas.

A história da conquista de direitos pelos trabalhadores e oprimidos se confunde à história de táticas de luta como greves, paralisações, passeatas, cortes de rua, ocupações. Certamente em alguns desses casos, por exemplo, em uma manifestação de rua, os carros não conseguem “ir e vir”, tampouco em paralisações de categorias de trabalhadores ou estudantis. Contudo, na maior parte dos casos, essas manifestações têm como objetivo a expansão de um direito de “ir e vir” que não está sendo garantido. Por exemplo, não existiria a Constituição de 1988 que garante o direito de “ir e vir” não fossem uma série de greves e manifestações de rua, paralisações de serviços que fizeram frente à Ditadura Militar. São incontáveis lutas na história para conquista de reajuste salarial, direitos trabalhistas básicos, direitos sociais, direitos políticos, dos que foram chamados em jornais e por determinados juízes de “baderneiros” – expressão que consta no Interdito Proibitório para se referir às manifestações - em suas épocas. Aqueles que eram contra essas conquistas sempre utilizaram este tipo de argumento. Mesmo nos limites constitucionais o direito de ir e vir não poderia ser usado para impedir o direito à manifestação.

Para chegar ao contexto das lutas estudantis da Unesp, seriam fartos na história exemplos de greves, manifestações com trancaço, paralisaçoes e ocupações que tiveram como resultado a expansão do direito de “ir e vir” na Unesp. Para ficar em exemplos mais recentes, no ano de 2013 os estudantes da Unesp fizeram uma grande greve estadual, dentro da qual lançaram mão de táticas como ocupações, inclusive do prédio da Reitoria. Se é verdade que naquele dia algumas pessoas não puderam entrar no prédio, é verdade também que os estudantes negociavam uma pauta de reivindicações que continha, por exemplo, a ampliação de políticas de permanência estudantil (para que estudantes pobres consigam entrar e permanecer na universidade), também tinham como pauta barrar o PIMESP (projeto que dificultava o acesso de negros e indígenas na Unesp) e defendiam a implementação das cotas. Nenhuma dessas pautas havia sido atendida antes da utilização destes métodos de luta. Mas a verdade é que boa parte dessas pautas foi conquistada, e a Unesp se tornou a primeira das três estaduais paulistas a implementar o sistema de cotas. Essas manifestações impediram o direito de ir e vir, ou o expandiram?

Nos anos seguintes, ao mesmo tempo em que a Direção da FFC na época votava no Conselho Universitário contra o aumento do salário dos servidores (e o atual diretor era vice na época), os alunos apoiaram também as greves de funcionários da instituição que lutavam por melhores condições de trabalho, e que lançaram mão inclusive dessas táticas de luta como paralisações e trancaços. Também são incontáveis as greves de professores da instituição, que diriam estes juristas impediam o direito de aula, mas que foram apoiadas por boa parte dos estudantes para melhoria das condições de trabalho, e inclusive, pela contratação de docentes. A verdade é que sem essas lutas com certeza o direito de ir e vir seria muito mais restrito.

O trancaço que ora gera sindicâncias apoiava o movimento dos estudantes secundaristas contra o governo do Estado de São Paulo que queria fechar escolas. Como ficaria o direito de ir e vir e o acesso dos secundaristas à educação caso aquele movimento não tivesse sido vitorioso? Também se reivindicava a ampliação de políticas de permanência estudantil, tais como ampliação das bolsas socioeconômicas, da moradia estudantil. Como fica o direito de ir e vir e o acesso à universidade dos estudantes oriundos da classe trabalhadora pobre sem essas políticas?

Como fica o direito de ir e vir em uma instituição de ensino que não contrata o número suficiente de professores para dar aula? Esta é a atual política orçamentária da instituição. E se hoje há qualidade nos cursos, é porque estas táticas de luta em diversos momentos foram vitoriosas.

Como fica o direito de ir e vir para os estudantes do cursinho popular que pagam os impostos que sustentam a instituição, que almejam se matricular na Unesp, mas encontram o acesso negado pela barreira do vestibular? Também foram greves, paralisações e estes mesmos métodos de luta que ampliaram recursos e condições ao cursinho popular da Unesp de Marília.

Como fica o direito de ir e vir aos estudantes com necessidades especiais se a instituição descumpre a lei e não fornece acessibilidade? Como fica para aqueles que necessitam de cadeira de rodas se para ir ao banheiro tem escadas? Ao lado das salas de aula do cursinho da Unesp hoje existe uma rampa que dá acesso ao banheiro, como foi conquistada esta rampa? Com estes mesmos métodos de luta. Estes métodos impediram o direito de ir e vir, ou garantiram o direito de ir e vir? A questão é, em uma sociedade dividida em classes sociais, racista, machista, lgbtfóbica, como assegurar o direito de ir e vir?

Existe um projeto de universidade da classe dominante no qual boa parte da população está excluída, e não merece outra vaga senão a de limpar o chão dos prédios do Ensino Superior Público. Essas táticas de luta foram presentes ao longo da história para garantir que interesses da classe trabalhadora pobre, dos negros, das mulheres, dos lgbts fossem ouvidos.

Os trabalhadores argentinos da PEPSICO recentemente lançaram mão da tática de ocupação da fábrica. Deve-se assegurar o direito de ir e vir de quem neste caso? Do trabalhador que ocupa a fábrica contra demissões para assegurar a manutenção de sua família, ou do patrão que quer acabar com a ocupação e demiti-los para instalar a fábrica em outro país em que possa melhor explorar, mesmo tendo lucros exorbitantes gerados pelo trabalho desses operários?

A questão mais nítida que se coloca é que em uma sociedade dividida em classes esta resposta não pode ser neutra e puramente técnica, mas política. Não se trata aqui de defender que se devam utilizar estes métodos de luta a qualquer momento e de qualquer forma, certamente sempre deva ser analisada uma conjuntura mais ampla e um conjunto de fatores, nem sempre essas táticas serão eficazes e estarão corretas. Mas são legítimas enquanto táticas das categorias que apresentam demandas justas, e quem mostra é a história.

Neste ponto a Direção usa também o argumento que estas manifestações seriam expressão da posição de uma minoria, e por isso seriam repressoras. Para sustentar esse argumento usam o número absoluto de estudantes presentes na manifestação em comparação ao número total de estudantes matriculados, ou até do número de estudantes presentes em assembleias que deliberaram essas manifestações em comparação ao número geral de alunos.

No entanto, se de fato a preocupação da Direção fosse essa questão da democracia, o que diriam sobre as Congregações ou demais órgãos colegiados? A maioria da comunidade está presente nas votações? A maioria da comunidade acadêmica concorda com tudo que é deliberado? A maioria da comunidade concorda com a não contratação de professores decidida nos órgãos colegiados centrais, deixando os alunos sem aula? Ou será que a maioria está com os estudantes que realizaram “cadeiraço” por mais contratação de professores? O governo que cortou verbas ou a Reitoria expressam a posição da maioria? Garante o direito de ter aula dos alunos?

Nestes espaços dos órgãos colegiados a categoria docente (minoritária em números absolutos) possui 70% de peso decisório. Na própria eleição para direção do campus, já ocorreu da maioria em termos absolutos votar em uma chapa, mas outra chapa ser eleita por conta do peso dos votos dos docentes. Moveria o diretor um interdito proibitório à minoria presente nos órgãos colegiados centrais que decidiram pelo corte de verbas para projetos importantes de extensão? Estariam esses órgãos colegiados respaldados pela posição da maioria ao cortar estas verbas?

Nas últimas greves de professores que obtiveram conquistas para o conjunto da categoria, a maioria estava nas manifestações de rua? A maioria estava nas assembleias? Nas manifestações e greves contra a ditadura militar, a maioria da população brasileira estava presente? Nas greves e manifestações que conquistaram direitos trabalhistas, direitos às mulheres, foram grandiosas em número de manifestantes, mas ainda assim, em comparação ao número absoluto do povo brasileiro, não eram a maioria, contudo, os interesses que expressavam não eram legítimos? Ou as conquistas não foram de fato aos interesses da maioria?

Como podemos determinar quais são as posições majoritárias sem defender espaços democráticos em que qualquer membro da categoria possa defender suas posições e utilizar seus argumentos, submetendo-os à votação? Esses espaços são as assembleias. Nas assembleias estudantis quando houveram posições contrárias aos atos políticos ocorridos, estas posições foram minoritárias, e perderam nas votações. As assembleias são chamadas com antecedência, divulgadas, e há um quorum mínimo necessário para que aconteçam.

A questão não é que a Direção esteja preocupada com a democracia do movimento, são apenas argumentos retóricos. O ponto é que são contra politicamente as posições que o movimento toma, e, portanto, querem lançar mão de meios antidemocráticos quaisquer para coibir, censurar e atacar quem defenda essas posições, em geral estudantes independentes ou de organizações que são de esquerda. Querem usar como recurso a força policial, sindicâncias arbitrárias com uso de regimento da ditadura, etc.

Conquistas como moradia estudantil, restaurante universitário, bolsas socioeconômicas ocorreram em sua maioria através de assembleias que organizaram lutas com táticas como greves, trancaços, ocupações, paralisações, atos. Não havia todos os estudantes matriculados nestas manifestações, mas foram posições vitoriosas em seus órgãos democráticos de deliberação, e mais que isso, elas eram expressão de um interesse de um conjunto maior de pessoas, elas expressavam os interesses da classe trabalhadora brasileira que não estava representa nas congregações, e demais órgãos colegiados.

“As barricadas fecham as ruas, mas abrem caminhos”.

 
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