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TRIBUNA ABERTA
Projeto de lei pretende incluir a aceitação de qualquer posto de trabalho como condição para o recebimento do Bolsa Família
Camilla Marcondes Massaro
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Em meio ao retrocesso político ao qual estamos sujeitos desde a composição do congresso mais conservador da história do país nas últimas eleições, o referido projeto de lei faz acontecer no Brasil atual algo que o sociólogo Loïc Wacquant aponta ter ocorrido nos EUA ainda em meados da década de 1990 caracterizando a passagem do welfare state (Estado de Bem-Estar) para o workfare (Estado de Trabalho forçado – na verdade um trocadilho com o termo em inglês), isto é, a vinculação da participação do cidadão em algum programa de assistência social à obrigatoriedade da aceitação de um posto de trabalho – qualquer que seja oferecido, sob pena de perder os benefícios sociais.

Do lado de lá, esse processo ocorreu com a crise do welfare state, política da qual passamos muito longe aqui no Brasil. De todo modo, seja na década de 1990, seja em 2015, tais medidas buscam soluções para os mesmos problemas, advindos do acirramento da Crise Estrutural do Capital, para usar os termos de István Mészáros.

Apesar de não ser uma medida capaz de alterar profundamente a distribuição de renda no país, é inegável que o Programa Bolsa Família, implementado pela lei nº 10.836 de 09 de janeiro de 2004, vem contribuindo efetivamente para – ao menos – minimizar a situação de extrema pobreza e vulnerabilidade de milhões de famílias brasileiras.

Também não podemos deixar de lado que o agravamento da crise econômica e política que assola o sistema do capital tem como consequência o aprofundamento da distância entre o seleto grupo dos cada vez mais ricos e os milhares de trabalhadores cada vez mais empobrecidos.

Todavia, os ataques das elites econômica e politicamente dominantes passam longe dos principais elementos causadores da crise, como a crescente concentração de renda e a dívida pública que chega a montantes astronômicos (R$334,6 bilhões só de juros em 2014), e se concentram em minar as parcas e paliativas saídas encontradas pelos governos chamados neodesenvolvimentistas do PT.

É importante apontar que se por um lado o Bolsa Família contribui para aliviar minimamente a situação de extrema pobreza que assola milhares de brasileiras e brasileiros, por outro se configura como uma forma de controle e monitoramento dessa população, uma vez que para receberem o benefício é preciso estar no “sistema” da assistência social através do cadastro dos candidatos no CadÚnico e sua constante atualização.

Os benefícios são mantidos e suspensos pautados em mecanismos de controle chamados de “condicionalidades” vinculadas à saúde e educação. Na saúde: controle de carteira de vacinação, crescimento e desenvolvimento para crianças de até 7 anos, realização do pré-natal para gestantes, acompanhamento da saúde da mãe e do bebê para lactantes e da saúde da mulher entre 14 e 44 anos. Na área da educação: a obrigatoriedade da frequência mensal de 85% para estudantes entre 6 e 15 anos na escola regular e 75% para os adolescentes entre 16 e 17 anos.

Conforme amplamente divulgado pelo Governo Federal, todas as medidas que visam minimizar a situação de vulnerabilidade social, tanto o Bolsa Família quanto, por exemplo, o Programa Minha Casa Minha Vida, deve ter preferencialmente a titularidade feminina, uma vez que grande parte das famílias beneficiárias em potencial tem mulheres, majoritariamente negras, como principais responsáveis pelo sustento da casa.

Mas o que isso significa caso o projeto de lei nº 2105/2015 seja aprovado?

Não é novidade que é sobre as mulheres que recaem as mais nefastas consequências das mudanças no mundo do trabalho realizadas pelo sistema do capital, principalmente a partir das reformas neoliberais: trabalhos temporários, em meio período, com contratos flexíveis, em sua maioria terceirizados, no setor de serviços, precários e mal remunerados.

Ao adicionar a condicionalidade de aceitação de pelo menos um em quatro ofertas seguidas de emprego para a manutenção do benefício, o referido projeto contribui de forma concreta para transformar um direito social – os benefícios vinculados à assistência social – em mais uma via para a superexploração do trabalho, principalmente feminino, contribuindo para a manutenção das taxas de lucro das empresas – principais beneficiadas com esse processo.

Concordamos com Wacquant que no momento em que impera a desregulamentação do trabalho formal, os empregos mais degradantes não podem esperar a iniciativa dos trabalhadores para serem ocupados. As condições desses postos são tão precárias que eles passam a ser destinados justamente à população que tem menores chances de buscar vagas em condições melhores.

Neste sentido, é interessante observar que na Câmara dos Deputados, o referido projeto está apensado ao projeto de lei nº 6021/2009 apresentado pelo deputado federal Marcos Montes (DEM/MG) em 10 de setembro de 2009, cujos principais objetivos são: inserir a obrigatoriedade da inscrição em curso de qualificação profissional como mais uma condicionalidade do Bolsa Família e instituir incentivo fiscal para as empresas que contratarem trabalhadores qualificados por esses programas.

Ou seja, o projeto de lei nº 6021/2009 encontra um meio de transformar um direito social em garantia de lucro para as empresas que contratarem trabalhadores que se qualificarem por serem beneficiários do Bolsa Família e o projeto de lei nº 2105/2015 referenda a proposta obrigando esses trabalhadores – em sua maioria mulheres – a aceitar o emprego oferecido – qualquer que seja ele.

Em época de ajuste fiscal, alteração das regras da previdência social, aprovação da lei da terceirização e com a mais recente medida provisória que lança o “Programa de Proteção ao Emprego”, permitindo a redução da jornada de trabalho com a redução dos salários, assinada pela presidenta Dilma Rousseff no último dia 6, não há como [trocaria por um porque] duvidar que o projeto de lei da Deputada Federal Geovânia de Sá (PSDB/SC) será aprovado, sendo mais uma apunhalada pelas costas da classe trabalhadora, nesse caso, a parcela mais vulnerável dela: as mulheres trabalhadoras pobres.

* A autora é formada em Ciências Sociais pela UNESP/Araraquara, doutora em Sociologia e Professora da Faculdade de Ciências Sociais da PUC.

 
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