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FORÇAS ARMADAS
A volta da caserna à política: reflexões iniciais
Leandro Lanfredi
Rio de Janeiro | @leandrolanfrdi

Em flagrante ilegalidade, generais falam em alto e bom som que conspiram e pensam sobre uma possível intervenção militar. O alto comando não só não pune o geral Mourão como dá mostras de seu próprio golpismo. Há objetivos imediatos nas ameaças? O que esses fatos mostram da crise política brasileira e sobre a politização – e golpismo – nas Forças Armadas. Algumas reflexões iniciais.

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Foto: Vanderlei Almeida

Há planos permanentes para a intervenção militar diz o comandante das Forças Armadas em rede de TV e nada acontece. Jornalistas dizem que Temer teme puni-lo para não criar "mártires". Para além de manter e estudar sua ameaça golpista o Exército resolveu entrar fortemente na política. Entrando pelo caminho que sabem: ameaçando com seus fuzis pisotear direitos, como fazem hoje mesmo na Rocinha onde moradores denunciam abusos.

A grande mídia tenta diminuir a questão centrando a ameaça no número dois da força verde-oliva: o general Mourão. Mas não há dúvidas que sua posição ecoa o pensamento da cúpula e foi aprofundada pelo comandante das Forças Armadas, General Villas Boas. Todo alto comando alinha-se a uma ameaça golpista contra todos trabalhadores brasileiros. Com todas as letras dizem que se as eleições não solucionarem o problema, aos olhos deles, poderiam intervir. Querem opinar na política mediante a chantagem da repressão e do assassinato.

Do alto dos cadáveres da ditadura militar, dos estupros e da cólera no Haiti, dos negros reprimidos no Rio e das fortunas que empresários amigos nas empreiteiras fizeram durante o regime militar, se acham o baluarte da moralidade e, se o resultados das urnas não os agradar poderiam pensar em “”derrubar tudo isso” como diz Mourão. Essa ideia foi dita também pelo general de mais alta patente do país.

Em entrevista a Pedro Bial, o general dito “democrata”, tentou explicar a impunidade do golpismo de seu amigo, “o gauchão, bom soldado” Mourão. Villas Boas explicou a posição do primeiro: “Ele chamou a atenção para as eleições. Quando ele fala em aproximações sucessivas, uma delas que ele fala é das eleições. E ele diz que caso não sejam solucionados os problemas, nós teremos que intervir.” Não faz nenhuma crítica a essa “aproximação sucessiva”, e ainda distorce o absurdo texto do artigo 142 da Constituição.

O artigo garantido pelos militares naquela Constituinte tutelada aconteceu mediante o sequestro do relator, e porque a elite brasileira tem tanto pavor dos trabalhadores que prefere manter o poder desse comando assassino, como mostramos nessa matéria. O artigo 142 redigido por FHC permite o absurdo de uma “intervenção militar” se acionada por algum dos três poderes (Executivo, Legislativo, Judiciário), mas para o golpista Villas Boas há mais: as próprias Forças Armadas poderiam fazê-lo na “iminência do caos”, sem ser chamada por nenhum poder. Nenhuma palavra do STF sobre a interpretação “ampla” que Villas Boas dá ao artigo.

Na entrevista recheada de outras posições reacionárias o general Villas Boas retoma a narrativa de que a ditadura teria sido "inevitável" devido ao perigo comunista. Escancara como o exército ainda tem dentro do país seu principal inimigo: os trabalhadores se organizarem. Mourão faz isso nas cores caricatas de críticas ao "bolivarianismo", mas Villas Boas reza no mesmo manual.

O que as declarações da cúpula do exército revelam da crise política?

Sucessivamente instituições e “frações” foram chamadas a atuar como árbitro na política nacional dada a crise de outras instituições e "frações". Uma situação política nacional marcada pela crise de representatividade que se combina a crise econômica e social. O judiciário enredado em suas arbitrariedades e em escândalos próprios viu naufragar a popularidade e poder de duas instituições que pareciam erguidas ao cume do poder: o STF e o MPF.

Até mesmo Sérgio Moro perde popularidade, como mostram pesquisas e analisamos aqui.

Instituições sem voto se viram em luta interna como se vê entre as alas de Janot e Dodge e Gilmar Mendes e outros. A importância nacional da eleição interna corporis do MPF trás ecos do nível de importância que tinha a eleição do Círculo Militar entre 45 e 64. Na ausência de um sólido “parlamento” surge um “parlamentarismo escuro” diz Gramsci, as contradições sociais e políticas encontram vazão onde puderem.

Na política, os avalistas em última instância de Temer, os tucanos, também se dividiram fortemente. Cada instituição e fração política da elite chamada a ganhar destaque acaba trazendo para dentro de si os conflitos do regime político como um todo: “casta” versus “toga”.

As declarações da cúpula do exército tomam o lado da “toga”, e servem de ameaça: se o judiciário não garantir os planos políticos que o alto comando quer, e mais, se a população não votar do jeito que eles querem, podem pensar em uma intervenção. Mas essa certeza do Exército com sua “unidade” pode não durar muito. Com mais e mais poder vem mais fracionamento e pior, fuzis não produzem legitimidade nem consenso. Não se pode descartar completamente uma hipótese golpista uma vez que as declarações são dadas pela cúpula, porém, nada indica ainda que seria esse o “plano A” dadas as contradições internas à corporação nem falar as externas, como tentar produzir legitimidade e aceitação na população.

A cúpula do Exército aposta em ganhar mais poder. Virar um arbitro da política nacional mas não deve partir a uma “guerra total”, se ainda pode se fortalecer mais e atingir os mesmos objetivos com “pequenas campanhas”.

Mourão tem infiltrado informações a jornalistas que seria candidato ao Clube Militar e que gostaria de re-valorizar o papel da instituição no país. O círculo militar é uma instituição política para que através dos reservistas a alta cúpula interfira na política e no país. Há também quem veja nas movimentações de Mourão, um possível anúncio de candidatura presidencial (ele vai para a reserva ano que vem), esse movimento serviria para retirar de Bolsonaro essa localização de falar em nome dos militares e assim garantir um nome mais “estável e seguro” para as ambições do Exército e seus serviços a elite nacional e ao imperialismo.

Por outro lado, as declarações de Mourão e Villas Boas e todo protagonismo retórico que tem tido a tropa terrestre nacional mostra um outro conflito surdo e de baixa intensidade que vai cozinhando em banho-maria. Em toda a história do país o Exército parecia ele como a definição das Forças Armadas. Recentemente, sob Lula e Dilma, a grande reflexão estratégica deixou de ser “a Amazônia verde” para virar a “Amazônia Azul” (o pré-sal e região). Grandes projetos foram desenhados para a Marinha (submarino nuclear e ajudar/tutelar as marinhas de Angola e Namíbia para ter maior presença em todo Atlântico Sul) e para a Aeronáutica (super-caça), e para o Exército houve um treinamento quase diário de intervenção militar em algum estado, a lei anti-terrorista, as tropas no Haiti, mas não um plano para se desenvolver como havia nas outras armas.

A Lava Jato e o golpe institucional mudaram essa correlação de forças, enviaram à pique esses projetos da Marinha e da Aeronáutica, e o Exército retomou sua primazia inconteste. Agora a Cúpula do Exército volta a seu trilho golpista, mas a Marinha e a Aeronáutica que ganharam projeção aceitarão retornar a seus leitos de procusto? Podem tomar outro caminho para voltarem a se fortalecer? E mais: a politização da cúpula não prenuncia uma politização das baixas patentes?

O anúncio de planos de Mourão e Villas Boas servem antes de mais nada para ganhar poder através de uma especialidade do exército brasileiro: ameaça e chantagem. Eles ainda têm muito a ganhar com isso antes de um golpismo, mas mais que isso, as declarações também significam outra coisa: uma nova fase na crise política, agora mais uma instituição burguesa se colocará sob o fogo das contradições do regime.

 
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