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MULHER
Os julgamentos às bruxas de Salém: o capitalismo e o patriarcado condenam as mulheres
Ricardo Farías

Em 1692 se iniciaram os trágicos julgamentos às mulheres acusadas de bruxaria em um povoado da Nova Inglaterra. Sem nenhuma prova, com testemunhos arrancados sob tortura, foram condenadas cerca de 200 pessoas e 20 morreram enforcadas.

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Tradução: Lara Zaramella

A cidade de Salém era uma colônia britânica no território norte-americano que mais tarde foi batizada como Massachusetts. Desde o mês de março até o dia 22 de setembro de 1692 sucederam uma série de julgamentos em que centenas de pessoas foram condenadas, acusadas de praticar bruxaria ou de se relacionar com bruxas. Os processos tiveram início quando duas meninas começaram a ter comportamentos estranhos e confessaram ter sido possuídas pelo demônio; mas de fundo o que havia eram interesses contrapostos entre acusadores e acusados.

O processo durou até o ano seguinte, os últimos assassinatos se deram no dia 22 de setembro e se apresentaram como casos exemplificadores para aqueles que se atrevessem a questionar a ordem social e religiosa na sociedade daquela época. A perseguição e caça às bruxas foi nesse momento histórico um método de controle social utilizado pelos Estados em direta relação com a igreja, que tinha feito da Inquisição, a instituição mais eficaz para combater o que consideravam heresias em vários países da Europa.

A queima de bruxas na Europa e na América

Os primeiros casos de caça às bruxas datam de 1450 na Europa, já finalizando a Idade Média. Suas vítimas foram majoritariamente mulheres e foram pouco estudadas pelos historiadores. Segundo a historiadora Silvia Federici em “Calibã e a bruxa”, esses acontecimentos que se deram concomitantemente ao extermínio das populações na América, aos cercos ingleses, começo do tráfico de escravos, promulgação de leis sangrentas contra os vagabundos e mendigos, alcançaram o ponto culminante no interregno da transição entre o fim do feudalismo e a decolagem capitalista “quando os campesinos da Europa alcançaram o ponto máximo de seu poder, ao tempo que sofreram sua maior derrota histórica”.

Tomando desde a data indicada até 1750, quando se registraram os últimos casos, se calcula que foram queimadas centenas de milhares de mulheres acusadas de bruxaria. Essa matança de mulheres teve um grande impacto no desenvolvimento de países como França, Alemanha, Suíça, Inglaterra, Espanha e Itália, que então estavam se conformando como Estados nacionais modernos. Um caso muito famoso foi o de Joana d’Arc, na França, que logo após ser heroína em muitas batalhas, foi capturada e julgada como bruxa.

Quais eram os motivos pelos quais se acusava de bruxaria as mulheres dessa época histórica? Tanto as nações católicas que exerceram uma grande influência em toda a Idade Média, como as protestantes (que começaram a adquirir influência a meados do século XVI), enfrentadas pelos interesses econômicos e políticos, se uniram para perseguir as mulheres consideradas bruxas. Apesar de não se poder contar com os testemunhos das vítimas da época, porque os julgamentos quase nunca eram registrados, se sabe que as acusadas eram mulheres rebeldes que questionavam os costumes da época, discutiam e viviam livremente sua sexualidade fora dos vínculos do casamento e de sua reprodução. Como assinala Federici, “a caça às bruxas foi, portanto, uma guerra contra as mulheres; foi uma intenção organizada de degrada-las, demoniza-las e destruir seu poder social. Ao mesmo tempo, foi precisamente nas câmaras de tortura e nas fogueiras que morreram as bruxas, onde se forjaram os ideais burgueses de feminilidade e domesticidade”.

Se Friedrich Engels assinalou que a composição da família nuclear nas sociedades onde surgiram o Estado e a propriedade privada foi a “derrota histórica do sexo feminino a nível mundial”, se poderia dizer que a caça e a queima de bruxas foram outra grande derrota para as mulheres, que se elevou a níveis insuportáveis no capitalismo.

Os julgamentos de Salém e os motivos que os promoveram

Depois do que dissemos sobre as mulheres e a caça às bruxas é possível considerar os julgamentos de Salém como simples acusações a “bruxas” que buscavam o mal em suas vítimas? Alguns dos acusadores, como é o caso da família Putnam, queriam criar uma nova igreja no povoado e muitos se opuseram, porque dessa forma teriam que pagar mais impostos. Casualmente os Putnam foram os principais instigadores das acusações de bruxaria.

Os que se negaram a declarar nos julgamentos foram torturados e morreram apedrejados. As infundadas acusações, pelo fato de que prova-las fosse impossível, implicavam que pudesse ser castigada qualquer tipo de protesto, com o fim de gerar suspeita sobre qualquer crítica a aspectos da vida cotidiana.

Os processos de Salém em particular e a caça às bruxas em geral, foram utilizados para calar qualquer voz de protestos, de rebeldia, de questionamento perante as injustiças da sociedade, que tanto na Idade Média, como na atualidade, têm as mulheres como suas principais vítimas. Novamente Silvia Federici sustenta em seu citado livro que “o que ainda não se reconheceu é que a caça às bruxas constituiu um dos acontecimentos mais importante do desenvolvimento das sociedades capitalistas e da formação do proletariado moderno. O desencadeamento de uma campanha de terror contra as mulheres, não igualada por nenhuma outra perseguição, debilitou a capacidade de resistência do campesinato europeu ao ataque lançado pela aristocracia proprietária de terras e pelo Estado; em uma época, cabe recordar, em que a comunidade campesina começava a se desintegrar sob o impacto combinado da privatização da terra, o aumento dos impostos e a extensão do controle estatal sobre todos os aspectos da vida social”.

O capitalismo não fez mais que trazer penúrias às mulheres das classes populares. À opressão que sobre elas pesava, somaram-se novas formas de exploração: trabalho precário, dupla jornada de trabalho, no trabalho e em casa, salários mais baixos, entre outras. Incorporou às mulheres à matriz produtiva em condições de enorme precariedade, mas contraditoriamente, as reuniu em espaços comuns onde, ao longo do último século, as mulheres aprenderam a se organizar e foram, em muitas oportunidades, vanguarda das lutas. Essas experiências são as que forjaram um grito de esperança e plantaram bandeiras de luta que hoje são carregadas por aquelas que se propõem subverter tudo e que exigem seu “direito ao pão, mas também às rosas”.

 
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