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FORÇAS ARMADAS
Intervenção militar constitucional? Um artigo imposto pela força numa constituinte tutelada
Leandro Lanfredi
Rio de Janeiro | @leandrolanfrdi

O comandante das Forças Armadas, General Villas Boas, não só elogiou o golpista Mourão como falou que isso seria plenamente constitucional e necessário para “prevenir o caos”. A Constituição brasileira prevê um golpe militar? Como que esse absurdo foi parar lá?

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No tom mais ameaçador desde 1988 o alto comando do Exército começou a se pronunciar apoiando “hipoteticamente” ou “como aproximações sucessivas” um golpe militar. Primeiro o general Mourão falou isso para Maçons, depois o general da reserva Heleno tomou sua defesa e provocado por Temer o comandante das Forças Armadas, General Villas Boas, não só elogiou o golpista Mourão como falou que isso seria plenamente constitucional e necessário para “prevenir o caos”. A Constituição brasileira prevê um golpe militar? Como que esse absurdo foi parar lá?

“Se você recorrer ao que está na Constituição, no artigo 142, como atribuição das Forças Armadas, diz que as Forças Armadas podem ser empregadas na garantia da lei e da ordem por iniciativa de um dos poderes. O texto diz que o Exército se destina à defesa da pátria e das instituições. Essa defesa poderá ocorrer por iniciativa de um dos poderes, ou na iminência de um caos.” Essa é a interpretação que Villas Boas dá a Constituição, falou isso em entrevista a Bial da Rede Globo, parceira do golpe de 1964.

O artigo citado não diz que as Forças Armadas podem determinar o que seria esse caos, mas que a mando do STF, ou do Congresso ou do executivo poderia ocorrer um golpe militar constitucional. A frase de Villas Boas escancara o nível de pensamento golpista na cúpula das Forças Armadas, o que analisaremos em outro artigo. Antes de contar em traços rápidos a história por trás desse absurdo constitucional copiamos o artigo para o leitor ver com seus olhos essa excrecência na Constituição dita cidadã:

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

Até hoje esse artigo tem sido usado para repressão da população trabalhadora, em especial os pobres e negros, em alguns estados, como no Rio de Janeiro e foi recentemente utilizada por Temer frente a manifestação de 24 de maio em Brasília. A cúpula das Forças Armadas agora interpreta que isso pode ser necessário se não gostarem do resultado das urnas o ano que vem, e sem o apelo formal de nenhum poder.

Esse golpismo na Cúpula das Forças Armadas é produto direto da Constituição de 88 que garantiu a impunidade de assassinos, torturadores e dos empresários que lucraram com a ditadura. Os quase 30 anos de “democracia” não mudaram um fio dessa impunidade, mesmo com a contida Comissão de Verdade promovida por Dilma. A elite brasileira preservou sua arma de última instância contra a classe trabalhadora: os tanques e fuzis. Agora com crise de representatividade em meio a crise política nacional, a cúpula militar tenta se oferecer como alternativa para garantir a ordem a capitalista.

A mera existência desse artigo constitucional prevendo o golpe militar é produto do Exército atuando com seus reacionários métodos: sequestro e ameaça, bem como a realização do desejo de uma elite que teme muito mais a classe trabalhadora do que gosta de sua democracia dos ricos.

Um livro recentemente publicado, 1988: Segredos da Constituinte, mostra, através de entrevistas com participantes da mesma, os conchavos da elite para manter seus privilégios e impedir qualquer votação que a desfavorecesse em temas cruciais como os de propriedade. Para isso, Sarney recorreu à compra de parlamentares, distribuindo concessões de rádio e TV, mas foi mais além: deixou solta a ameaça dos militares. Diz Sarney, presidente da República, na entrevista, quando perguntado se houve risco de golpe durante a Constituinte:

“Houve risco, sim. Quando eles tentaram fazer uma redação em que as forças armadas não podiam intervir na ordem interna, houve uma reação muito grande da área militar. Terminou com a ordem de que os assessores militares não abandonassem a feitura da Constituição até o fim da impressão na máquina em que saia o projeto. (...) Os assessores do Exército comunicaram ao Leônidas [Ministro do Exército] que o Bernardo [Cabral, redator da comissão de sistematização] não tinha cumprido o acordo e que a redação era outa. (...) A providência a tomar foi: “Mande trazer o Bernardo Cabral que ele estava sendo convidado para ir na casa do Leônidas, que queria falar com ele. O Bernardo Cabral foi, acredito que o Bernardo não soubesse que os oficiais sabiam que ele tinha mudado o texto. Levaram o Bernardo para lá. Chegou lá, o Leônidas deu um acocho muito grande e disse: “Você só sai daqui quando a Constituição estiver com o texto que combinamos.” Assim o Bernardo mandou fazer. O Leônidas disse que ligou para os oficiais que estavam lá e disse: “Vocês só saiam daqui quando estiver impresso. (...) Essa foi a versão que o Lêonidas me contou.” (Luiz Maklouf Carvalho. 1988: Segredos da Constituinte. Rio de Janeiro: Record, 2017, páginas 51 e 52)

No mesmo livro o general e o sequestrado Bernardo Cabral negam os detalhes desse sequestro e ameaça, mas a “convocação” à casa do General é contada por ambos. O general, por sua vez, se gaba como influiu em muitos detalhes da Constituição, desde a escolha de relatores até os artigos.

A Constituinte foi tutelada, sequestrada e ameaçada por militares, e essa história permanece na penumbra, os atores políticos não contam essa história. Preferem vender uma história da Constituinte como um grande exercício de cidadania livre e plena. Desde que não tocasse na propriedade, desde que não tocasse na impunidade e no poder dos militares de matarem para garantir a propriedade privada.

Assim, pôde-se garantir esse reacionário artigo na Constituição. Um artigo redigido na forma golpista atual por ninguém menos que Fernando Henrique Cardoso.

A lei permite o golpe militar se o STF ou outro poder quiser, mas a aplicação de uma lei é uma questão de correlação de forças. A alta cúpula se pronunciou. É preciso fazer essa notícia chegar a cada trabalhador, a cada jovem para colocar outra organização e força nas ruas para colocar esse artigo e toda uma constituinte tutelada no lixo e com a força da mobilização impor uma nova, que seja verdadeiramente livre e soberana e permita, assim, à classe trabalhadora avançar em sua experiência com toda essa podre, e repressora, democracia dos ricos, para que possa ver a necessidade de um governo operário de ruptura com o capitalismo e todas suas instituições armadas e civis.

 
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