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PROGRAMA DE TRANSIÇÃO
O que Trotski tem a dizer sobre a expropriação da JBS?
Fernando Pardal
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Frente às recentes reviravoltas da Lava Jato, que levaram à prisão dos irmãos Batista, mas mantiveram intactas as fortunas bilionárias e negócios da JBS, resgatamos um trecho fundamental do "Programa de Transição" escrito por Leon Trotski como documento fundamental programático da IV Internacional.

O Programa de Transição visava armar os grupos revolucionários que constituíam a nova internacional marxista com respostas à altura da imensa crise capitalista, que, na época de sua redação, no ano de 1938, estava em seu nono ano. Vemos hoje como a crise capitalista atual, que, com todas as diferenças em seu desenvolvimento em relação à crise de 1929, chega também às vésperas de sua primeira década e tem no Brasil importantes consequências, como os ataques do governo golpista de Temer.

Ao mesmo tempo, vemos que a Lava Jato avança em meio ao conturbado cenário político, fortalecendo as medidas autoritárias do judiciário como uma alternativa burguesa à profunda crise que atravessa o regime político dos capitalistas, e que mantém intocadas a propriedade privada dos capitalistas, inclusive de grupos monopolistas como a JBS envolvida em profundos escândalos de corrupção. Atualmente, A Lava Jato enfrenta uma série de contradições,que foram analisadas nesse artigo de Leandro Lanfredi.

Resgatamos aqui o trecho do Programa de Transição em que se trata justamente da importância fundamental da expropriação de certos grupos capitalistas. Em outras oportunidades, como nesse artigo, discutimos como a corrupção entre empresas capitalistas e políticos é parte orgânica do sistema capitalista. Agora, frente à prisão dos irmãos Batista, defendemos a expropriação da JBS e a manutenção dela sob controle dos trabalhadores. Trazemos o texto clássico de Trotski para contribuir com esse debate. Veja abaixo:

O "segredo comercial" e o controle operário sobre a indústria

O capitalismo liberal, baseado na livre concorrência e na liberdade de comércio, já desapareceu. O capitalismo monopolista, que o substituiu, não somente foi incapaz de controlar a anarquia do mercado, como também, ao contrário, conferiu a esta última um caráter particularmente convulsivo. A necessidade de um "controle" sobre a economia, de uma "direção" estatal, de uma "planificação" é, atualmente, reconhecida, pelo menos em palavras, por quase todas as correntes do pensamento burguês e pequeno-burguês, do fascismo à social-democracia.[2] Para os fascistas, trata-se, sobretudo, de uma pilhagem "planificada" do povo com fins militares. Os sociais-democratas procuram esvaziar o oceano da anarquia com a colher de uma "planificação" burocrática. Os engenheiros e os professores escrevem artigos sobre a tecnocracia. Os governos democráticos chocam-se, nas suas mesquinhas tentativas de "regulamentação", à sabotagem intransponível do grande capital.

A verdadeira relação entre exploradores e "controladores" democráticos é caracterizada do melhor modo pelo fato de que os senhores "reformadores", tomados de santa emoção, param no limiar dos trustes com seus "segredos" industriais e comerciais. Nesse terreno reina o principio da "não-intervenção". As contas entre o capitalista isolado e a sociedade constituem um segredo do capitalista: a sociedade nada tem que ver com isto. O "segredo" comercial é sempre justificado, como na época do capitalismo liberal, pelas exigências da "concorrência". Os trustes, porém, não guardam segredos entre si. O segredo comercial, na época atual, é um complô constante do capital monopolista contra a sociedade. Os projetos de limitação do absolutismo dos "patrões pelo direito divino" permanecerão lamentáveis farsas enquanto os proprietários privados dos meios sociais de produção puderem esconder aos produtores e aos consumidores as maquinações da exploração, da pilhagem, do engano. A abolição do "segredo comercial" é o primeiro passo em direção a um verdadeiro controle da indústria.

Os operários não possuem menos direitos que os capitalistas em conhecer os "segredos" da empresa, do truste, dos ramos das indústrias, de toda a economia nacional em seu conjunto. Os bancos, a indústria pesada e os transportes centralizados devem ser os primeiros a serem submetidos à observação.

As primeiras tarefas do controle operário consistem em esclarecer quais são as rendas e as despesas da sociedade, a começar pela empresa isolada; em determinar a verdadeira quota do capitalista individual e de todos os exploradores em conjunto na renda nacional; em desmascarar as combinações de bastidores e as trapaças dos bancos e trustes; em revelar, enfim, diante de toda a sociedade, o assustador desperdício de trabalho humano que resulta da anarquia capitalista e da pura caça ao lucro.

Nenhum funcionário do Estado burguês pode levar a bom termo este trabalho, quaisquer que sejam os poderes de que se veja investido. O mundo inteiro observou a impotência do presidente Roosevelt e do presidente do Conselho, Léon Blum, em face do complô das "60" ou das "200 famílias" [3]. Para vencer a resistência dos exploradores é necessário a pressão do proletariado. Os comitês de fábrica, e somente eles, podem assegurar um verdadeiro controle sobre a produção, fazendo apelo - enquanto conselheiros e não como tecnocratas - aos especialistas honestos e devotados ao povo: contadores, estatísticos, engenheiros, sábios, etc.

A luta contra o desemprego, em particular, é inconcebível sem uma ampla e ousada organização de GRANDES OBRAS PÚBLICAS. Mas as grandes obras só podem ter uma importância durável e progressista, tanto para a sociedade quanto para os próprios desempregados, se fizerem parte de um plano geral, concebido para certo número de anos. Nos limites de tal plano, os operários reivindicarão a retomada do trabalho, por conta da sociedade, nas empresas privadas que forem fechadas em conseqüência da crise, com caráter de empresas de serviços públicos. O controle operário em tais casos ocupará o lugar de uma administração direta dos operários.

A elaboração de um plano econômico, mesmo elementar - do ponto de vista do interesse dos trabalhadores e não dos exploradores - é inconcebível sem controle operário, sem que os operários voltem seus olhos para todas as energias aparentes e veladas da economia capitalista. Os comitês de diversas empresas devem eleger, em oportunas conferências, comitês de trustes, de ramos de indústrias, de regiões econômicas, enfim, de toda a indústria nacional em seu conjunto. Assim, o controle operário tornar-se-á a ESCOLA DA ECONOMIA PLANIFICADA. Pelas experiências do controle, o proletariado preparar-se-á para dirigir diretamente a indústria nacionalizada quando tiver chegado a hora.

Aos capitalistas, principalmente os de pequena e média envergadura, que às vezes propõem abrir seus livros de contas diante dos operários - sobretudo para lhes mostrar a necessidade de diminuir os salários - os operários devem responder que o que lhes interessa não é a contabilidade de falidos ou semifalidos isolados, mas a contabilidade de todos os exploradores. Os operários não podem nem querem adaptar seu nível de vida aos interesses de capitalistas isolados e vitimas de seu próprio regime. A tarefa consiste em reconstruir todo o sistema de produção e distribuição sobre princípios mais racionais e mais dignos. Se a abolição do segredo comercial é a condição necessária ao controle operário, este controle é o primeiro passo no caminho da direção socialista da economia.

A expropriação de certos grupos capitalistas

O programa socialista da expropriação, isto é, da derrubada política da burguesia e da liquidação de seu domínio econômico, não deve, de nenhuma maneira, impedir-nos, no presente período de transição, de reivindicar, apresentando-se a ocasião, a expropriação de certos ramos da indústria entre os mais importantes para a existência nacional ou de certos grupos da burguesia entre os mais parasitários.

Assim, às lamentações dos senhores democratas sobre a ditadura das "60 famílias" nos EUA, ou das "200 famílias" na França, opomos a reivindicação de expropriação desses 60 ou 200 senhores feudais do capitalismo.

Exatamente da mesma forma reivindicamos a expropriação das companhias monopolistas da indústria da guerra, das ferrovias, das mais importantes fontes de matérias-primas etc.

A diferença entre essas reivindicações e a vaga palavra-de-ordem reformista de "nacionalização" consiste em que:

1 - nós rechaçamos a indenização;

2 - prevenimos as massas contra os charlatães da Frente Popular que, propondo a nacionalização em palavras, continuam de fato agentes do capital;

3 - conclamamos as massas a contar apenas com sua própria força revolucionária;

4 - ligamos o problema da expropriação à questão do poder dos operários e camponeses.

A necessidade de lançar a palavra-de-ordem de expropriação na agitação quotidiana, de maneira fracionada, portanto, e não apenas do ponto de vista propagandístico, isto é, sob sua forma geral, decorre do fato de que os diversos ramos da indústria passam por diversos estágios de desenvolvimento, ocupam várias funções na vida da sociedade e passam por diferentes graus da luta de classes. Apenas o ascenso revolucionário geral do proletariado pode colocar a expropriação geral da burguesia na ordem do dia. O objetivo das reivindicações transitórias é preparar o proletariado a resolver esse problema.

Notas:

[1] Tradução retirada do site marxists.org e revisada e cotejada com a edição do Programa de Transição das Edições Iskra, São Paulo, 2008.

[2] A Social-Democracia (reformismo) consiste numa tendência histórica que surge como parte do movimento operário e constitui uma teoria de que não seria necessário uma revolução - derrubada violenta do Estado burguês capitalista - para a implementação do socialismo. Assim, rompem com um aspecto elementar da teoria de Estado marxista, que considera o Estado como um órgão de dominação de classe; os reformistas veem no Estado a possibilidade, pelo contrário, de conciliação dos interesses da classe trabalhadora com os dos capitalistas. A essa teoria corresponde sua estratégia de disputar espaços dentro do regime político burguês, fundamentalmente por via eleitoral, e tentar, assim, "melhorar" o capitalismo. Dentro dessa tradição poderíamos situar muitas organizações da esquerda, sendo o maior exemplo nosso o PT, que, surgindo de uma composição operária, torna-se cada vez mais integrado ao regime até chegar ao governo do próprio Estado.

[3] Trotski se refere ao governo de Franklin D. Roosevelt nos EUA e de Leon Blum na França. Ambos foram apoiados pelos Partidos Comunistas já completamente stalinizados e defensores da política de conciliação de classes das chamadas "Frentes Populares". O fato para o qual Trotski chama a atenção é que as medidas progressistas desses governos, por mais que estivesse muito distantes de serem "anticapitalistas", eram sempre eram inviabilizadas pelos interesses dos capitalistas (representados aqui pelas 60 famílias mais ricas dos EUA e as 200 da França), pois estas não se baseavam na força dos trabalhadores, mas em acordos parlamentares.

 
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