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48 anos do Golpe Pinochetista
O Golpe de Estado no Chile e o seu conteúdo de classe anti-operário
Ana Lopez

Os primeiros movimentos de tropa começaram na madrugada do dia 11 de setembro. Às seis da manhã, efetivos navais ocuparam as ruas da cidade portuária chilena de Valparaíso e as nove da manhã já se escutavam disparos na capital, Santiago, que terminaram ao meio dia com o bombardeio no palácio da presidência La Moneda. O golpe anti-operário estava em curso.

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Tradução: Lara Zaramella

O Golpe de Estado do dia 11 de setembro de 1973 teve um claro conteúdo de classe. Os empresários nacionais e estrangeiros, donos das fábricas e empresas, dos monopólios das riquezas nacionais, estavam perdendo seu poder e viam ameaçada as bases de sua dominação.

A classe operária já não se limitava ao programa de governo da Unidade Popular, estava mais adiante. Com a nacionalização do cobre e a criação da Área de Propriedade Social proposta pelo governo de Allende, que permitiu nacionalizar o cobre e outras áreas da economia, a classe trabalhadora iniciou seu próprio programa de toma das fábricas e expropriação, sobretudo impulsionado pelos Cordões Industriais, organismos que se formaram a meados do ano de 1972 como uma resposta à paralisação patronal dos empresários e dos caminhoneiros.

Os Cordões Industriais se colocaram como uma organização de trabalhadores a nível local (na fábrica), territorial (no bairro e junto a outras organizações da zona) e tendencialmente nacional (contando com uma coordenação dos Cordões Industriais), ainda que não conseguiram se desenvolver como produto do golpe do Estado. Iniciaram um processo de toma de fábrica, para enfrentar o fechamento pelas patronais; se preocuparam dos problemas do abastecimento – afetado pela paralisação de transportes – e da distribuição, fazendo convênios entre fábricas, com organizações populacionais e sociais para distribuir seus produtos; também da gestão das empresas. Embrionariamente, eram organismos de auto-organização e independência de classe que começavam a declarar o problema do poder a nível territorial e potencialmente no poder político e no Estado.

Os Cordões Industriais foram criticados pela CUT, que os acusava de paralelismo e estiveram em permanente tensão com Allende e o governo. Como declarava uma carta do Comando Coordenador dos Cordões, datada em 5 de setembro de 1973: “Antes, tínhamos o medo de que o processo até o Socialismo estava se dando para chegar a um governo de centro, reformista, democrático-burguês, que tendia a desmobilizar as massas ou leva-las a ações de rebeldia do tipo anárquico por instinto de preservação. Mas agora, analisando os últimos acontecimentos, nosso medo já não é mais esse, agora temos a certeza de que estamos em um caminho que nos levará inevitavelmente ao fascismo”.

Depois do bombardeio ao palácio da presidência La Moneda e o suicídio de Allende, os partidos da Unidade Popular e o MIR se recolhem. Tinha sido feito o chamado de não resistir. Nas fábricas e nos cordões, centenas de trabalhadores esperaram por horas e dias a chegada das armas ou dos militares constitucionais que a Unidade Popular falava. A única coisa que chegou foram as invasões massivas, em que milhares de pessoas foram detidas e levadas aos campos de detenção, enquanto se produziam as primeiras execuções.

Em síntese, o golpe de Estado e a Ditadura tiveram como primeiro objetivo enfrentar o governo da Unidade Popular e especialmente, a organização operária, popular e estudantil que se expressava na organização dos Cordões Industriais ou nas Juntas de Abastecimento Popular, para terminar instalando um processo refundacional, com a aplicação do modelo neoliberal e a destruição dos embasamentos tradicionais do poder político econômico que sustentaram a nação durante largas décadas.

A Ditadura cívico-militar

Depois do Golpe se instalou uma Ditadura cívico-militar que durou quase duas décadas e que produziu importantes transformações no país. A Ditadura se sustentou na Doutrina de Segurança Nacional, considerando como inimigos da nação as organizações sindicais e de esquerda, utilizando uma política baseada na repressão e no terror, pré-escrevendo os partidos políticos e as instituições como o Congresso ou os partidos políticos, ilegalizando muitas organizações sindicais, impondo o toque de recolher durante largos períodos, contando com detenções massivas, invasões à empresas e comunidades, fechamento de muitos meios de comunicação. As violações aos direitos humanos foram massivas, com milhares de detidos, torturados, executados, desaparecidos e exilados.

A Ditadura buscou desmantelar os direitos econômicos, políticos e sociais, conquistados durante anos pelos trabalhadores, pelos setores populares e a classe média. No âmbito econômico foi impulsionada a desregulação e a abertura aos mercados estrangeiros, o financiamento econômico, a privatização de empresas e serviços públicos para reorganizar a estrutura do país; no âmbito político, se instalou o autoritarismo e se modificou a constituição no ano de 1980, implementando entre outras coisas, o sistema binominal e os senadores designados; no âmbito social se promoveu o individualismo, o consumismo e o medo; em suma, um projeto associado ao modelo neoliberal que modificou substancialmente a sociedade chilena.

Para alcançar esse objetivo, era necessário também submeter o movimento sindical e os trabalhadores, modificando as relações de trabalho e a estrutura produtiva do país. Não só se reprimiu e perseguiu as organizações sindicais e seus dirigentes e ativistas. Além disso, se iniciou um processo de reestruturalização e autoritarismo para impedir seus funcionamentos. A CUT e outros sindicatos foram ilegalizados, expropriando seus locais de encontro. Também se proibiu, com o Bando Militar nº 36, o direito a greve, a negociação coletiva, as eleições sindicais e a possibilidade de demandar reajustes salariais por tempo indeterminado. Toda reunião sindical devia ser avisada previamente e devia contar com um agente militar. Além disso também foram criadas novas organizações no final da Ditadura para tratar de cooptar o movimento sindical. Essa política cristalizou no Plano Laboral do ano de 1979, que impulsionou a lógica neoliberal nas relações capital-trabalho.

O Plano Laboral de Piñera

O Plano Laboral, elaborado pelo Ministro do Trabalho, José Piñera, indicou um marco nas relações entre o capital e o trabalho, culminando em um ciclo de fortes ataques aos direitos trabalhistas. A Ditadura se concentrava especificamente em desarticular o movimento sindical como força política e social, atacando especificamente a relação com os partidos e a política, promovendo um sindicalismo corporativo ou gremial e tratando de atomizar a organização operária. Segundo anunciava Piñera, o objetivo do Plano era claro “o que se decide é se se entrega o poder aos sindicalistas para paralisar a economia e tomar como refém o país, o que se decide é se os dirigentes sindicais podem chegar a ter em nossa sociedade mais poder que os parlamentários”. No âmbito laboral, se instalava a ideia da produtividade, atando os salários a esse mecanismo, como também se propunha terminar com a “sindicalização obrigatória, as negociações por ramo e não por empresa, a greve com caráter de chantagem ao empresário”.

O Plano Laboral teve como eixo infringir a unidade sindical ao possibilitar a existência de múltiplos sindicatos em uma mesma empresa, estabelecendo além da vontade individual de filiação e do pagamento da cota sindical, associando democracia e indivíduo à ideia de liberdade de eleição para afiliar-se às organizações sindicais, proibindo a existência de sindicatos nos serviços públicos e empresas estratégicas. Esse ideal se relacionava sem dúvida com o modelo neoliberal que estava sendo instalado, cuja concepção de liberdade era baseada em um indivíduo isolado e atomizado. Assim, se restringiu a negociação coletiva por ramo, se anulando na prática o direito a greve, ao possibilitar a contratação de substitutos. Também se alentava a negociação individual, permitindo que os trabalhadores pudessem compactuar com a empresa por sua conta, se propondo que os empresários pudessem declarar o fechamento, como medida de pressão contra as demandas laborais.

Em suma, esse novo plano laboral tinha como objetivo “eliminar o movimento sindical em sua condição de agente socio-político nacional; a limitá-lo a um papel negociador débil no terreno econômico-reivindicativo; a deixar livre o caminho às “Leis de Mercado” no plano das Relações Laborais”, o empregador tinha amplas liberdades para despedir, negociar os salários, horários e também as condições de trabalho.

A transição e a pós-ditadura

A Ditadura buscou desarticular e derrotar o movimento de trabalhadores, utilizando a repressão, a reconversão produtiva e a implementação de uma nova institucionalidade laboral para os seus propósitos. A classe trabalhadora e suas organizações se organizaram para enfrentar essas políticas, realizando importantes ações de resistência como paralisações legais e ilegais, manifestações e protestos, mas não conseguiram paralisá-las. O centro de sua ação se enfocava na luta contra os planos econômicos e contra a Ditadura, tendo como demanda a volta da democracia.

Apesar das importantes mobilizações, as numerosas e largas greves, o ciclo de lutas e a reativação terminaram com a imposição do Plano Laboral, que significou uma nova derrota para o movimento sindical, consolidando um modelo sindical e laboral neoliberal que posteriormente a Concertação de Partidos pela Democracia aprofundou.

A luta contra o Plano Laboral impulsionou uma certa convergência sindical, que se materializou na criação do Comando Nacional de Trabalhadores, convocando a primeira greve geral contra a Ditadura no ano de 1983, depois dos devastadores efeitos da crise econômica internacional e nacional. Entretanto, os protestos também foram derrotados pela política de acordos entre o regime militar e a oposição (que mais tarde se agruparia na Concertação de Partidos pela Democracia), marginando novamente os trabalhadores e suas demandas para organizar uma transição de pacto que não rompeu com a política laboral nem com o resto da herança de Pinochet.

Os governos conciliadores sustentaram o modelo econômico e social da Ditadura; a respeito do mundo do trabalho privilegiaram a continuidade sobre a ruptura, justificado pelo discurso da ameaça à democracia, pela estabilidade econômica e também porque as relações laborais que impulsionaram a Ditadura eram parte da coluna vertebral do modelo. As organizações sindicais predominantes, assimilaram também esse discurso, o que se materializou nas políticas de diálogos e acordo social que impulsionou a CUT durante os governos conciliadores.

Entretanto, hoje se reabre o debate estratégico sobre a reemergência da classe trabalhadora e suas organizações, como também a necessidade de lutar contra o Código Laboral que vem desde a Ditadura, uma das grandes demandas do movimento sindical e que a reforma laboral de Bachelet, atual presidente, praticamente não toca.

 
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