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SANTIAGO MALDONADO
Santiago Maldonado: brusco giro no discurso oficial e a crise política aberta
Fernando Rosso
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O governo colocou repentinamente a questão no centro de sua agenda, diante do fracasso das manobras de distração. Uma crise que hoje tem resultados imprevisíveis.

A operação político-midiática de encobrimento com sobre-informação tóxica em torno do desaparecimento forçado de Santiago Maldonado se desmoronou nas últimas 72 horas. Os acontecimentos se precipitaram vertiginosamente para agigantar uma crise inocultável.

O informe de DNA sobre as manchas de sangue na roupa do famoso “baderneiro” de uma estância de Benetton que tinha esfaqueado “alguém” em um suposto ataque de uma noite muito escura deu negativo. A versão que já caía pelo seu próprio peso se derrubou em termos legais. A declaração foi descoberta na frente do juiz das testemunhas da comunidade mapuche que viram Santiago Maldonado naquele fatídico 1º de agosto em Pu Lof, na Resistência de Cushamen, selando o fim das grosseiras manobras oficiais.

A provocação montada ao finalizar a multitudinária mobilização de sexta-feira, 1, na capital argentina de Buenos Aires, perdeu os efeitos buscados (distrair sobre a questão de fundo) e foi a mais ressonante de uma perversa série de operações que também não deu resultados. Inclusive, começou a entrar em pauta a manobra policial levada adiante na Praça de Maio pelas denúncias de detenções arbitrárias e sobre a presença de provocadores a céu aberto.

A defesa cerrada da Polícia Federal que levou adiante Patricia Bullrich durante o primeiro mês, mudou para “abrir todas as hipóteses” e não descartar que exista responsabilidade dos efetivos que participaram da operação.

Além disso, saiu à luz o motor do persistente assédio repressivo contra as comunidades mapuches que lutam por terra na Patagônia: a defesa dos interesses dos poderosos proprietários, como Benetton ou Joe Lewis. Há denúncias que asseguram que a Polícia Militar atua na equipe com “guardas brancos” que respondem aos proprietários de terras e até possuem uma base logística e operativa em uma estância do magnata italiano (Leleque). Volta a se confirmar a incômoda imagem que tanto incomoda os publicitários de Cambiemos e o estigma que não podem tirar de cima: são o governo dos ricos.

Quando foram questionados esses interesses, a “direita moderna” que vinha falar do futuro, terminou desenterrando os epítetos das tradicionais direitas mais antigas do passado: “anarquistas”, “subversivos”, “extremistas”. E em sua exaltada fúria, deliraram com denúncias de supostas conexões curdas, iranianas e até um financiamento do piratismo inglês.

Mas nem a fumaça das mil e uma versões sobre o “paradeiro” de Santiago Maldonado, nem as montagens repressivas para o amedrontamento daqueles que reclamam pela sua aparição, conseguiram seu objetivo diante de um fato que toca o ponto sensível da sociedade argentina: a defesa das liberdades democráticas e o questionamento permanente às forças de segurança, desde o fim da ditadura.

A Polícia na mira

Como estava claro desde o momento do desaparecimento de Santiago, a Polícia Militar ficou como a principal suspeita no momento em que se levantou o segredo de sumário que pesava sobre a causa.

O brusco giro dos acontecimentos foi descoberto, também, pelas novas medidas do Governo: afastou a inefável Patricia Bullrich do centro da cena e Claudio Ayruj, secretário de Direitos Humanos – sob as ordens do ministro Germán Garavano – foi colocado a frente das gestões e viajou à região de Esquel para “se colocar à disposição da Justiça”. A viagem “urgente” se realizou um mês e seis dias depois do desaparecimento. O presidente Maurício Macri vinha guardando um vergonhoso silêncio e teve que falar, ainda que tenha dito pouco. O radical Ernesto Sanz, um dos armadores da coalisão política Cambiemos, saiu desmascarando o Governo, ainda que com moderadas críticas que reduzem tudo a uma “questão de comunicação”. E até o fiscal Federico Delgado solicitou que se investigue o eventual encobrimento do Governo. A defesa fechada da Polícia Militar que levou adiante Patricia Bullrich durante o primeiro mês, mudou para “abrir todas as hipóteses” e não descartar que haja a possibilidade dos efetivos que participaram da operação.

O método de invenção da “pós-verdade” que caracteriza os estrategistas de Cambiemos, que disseca em seu laboratório os temas que preocupam na conversação pública, essa vez cumpriu o papel de deixá-los em evidência. A virada que o governo deu é a melhor demonstração de que o desaparecimento forçado de Santiago Maldonado é parte de uma estendida preocupação popular. O jornal argentino Clarín, base fundamental das operações mais extravagantes, traduziu a conjuntura a números. Nas pesquisas que dirigem na Casa Rosada, 60% da população pode descrever com maior ou menor precisão que há um jovem desaparecido já faz mais de um mês e a metade responsabiliza o Governo (Clarín, 06/09).

O triunfalismo comemorado pelo oficialismo [Macri] logo após as eleições primárias se obscurece diante de uma questão delicada que afeta o núcleo duro do Estado.

Até ontem, os analistas se empenhavam em assegurar que o dramático acontecimento não afetava a base social de Cambiemos, nem política, nem eleitoralmente. Hoje ninguém pode assegurar esse prognóstico e tudo depende de como evoluam os acontecimentos em um território muito frágil.

O triunfo que realizou o oficialismo logo após as primárias, se opaca diante de uma questão delicada que afeta o núcleo duro do Estado: as forças de segurança que vinham sendo “alentadas” com um discurso de ordem e demonização do protesto social ficam novamente na mira.

A crise aberta também modifica os que apressaram a vislumbrar uma “nova hegemonia” de Cambiemos. Nesse terreno, como em outros, o oficialismo está sofrendo um rotundo revés em sua batalha ideológica e cultural que tem como último fim a restauração do poder repressivo do Estado e a impunidade.

A ex-presidente, Cristina Fernández, e seu movimento político tomaram a causa de Santiago Maldonado como um dos eixos centrais de seu novo discurso até as eleições no mês de outubro. Seu lamentável tendão de Aquiles é a responsabilidade política na procura falha de Jorge Julio López e a péssima atuação nas primeiras e decisivas semanas (quando Aníbal Fernández especulava que “podia estar na casa dia tia”). No dia 18 de setembro, quando vai se cumprir 11 anos do desaparecimento da testemunha chave contra o genocida Miguel Etchecolatz, a mobilização colocará sob pressão muitos dos que hoje exigem com veemência por Santiago e guardaram um silêncio ensurdecedor em torno às responsabilidades políticas no desaparecimento de López. Além disso, as organizações de massa que dirige ou influencia o kirchnerismo (sobretudo os sindicatos) estão fazendo tudo o que está ao seu alcance para fortalecer a campanha e o movimento pela aparição com vida e o castigo aos responsáveis.

A crise e a fratura aberta pelo atroz acontecimento de um novo desaparecimento forçado deixa claro uma série de responsabilidades e obrigações a quem levam essa luta adiante. Um combate de caráter mais estratégico contra o poder repressivo do Estado para mostrar à maioria a verdadeira natureza da Polícia Militar. Uma força que todos os governos tentaram preservar como a mais “eficaz” e transparente frente à decomposição das polícias e o desprestígio histórico das Forças Armadas pelo seu papel no genocídio.

Além disso, também tem uma decisiva importância imediata: a limitação do poder repressivo do governo de Macri, quando se prepara para deixar para atrás o gradualismo e aprofundar o ajuste que exige o chamado “círculo vermelho” do universo patronal, se as condições políticas o permitem. O disciplinamento com repressão é uma condição necessária para o êxito desse rumo. Mostrar a verdadeira cara dos corpos que se postulam para essa tarefa é uma medida defensiva necessária e elementar.

A renúncia de Patricia Bullrich e, mais ainda, de Pablo Noceti (chefe de seu ministério, que esteve em Chubut no dia da repressão) é uma exigência mínima feita.

Entretanto o novo discurso oficial tem inscrita a possibilidade de salvar as responsabilidades políticas e intelectuais. A luta pela aparição com vida de Santiago Maldonado está intimamente ligada à exigência do castigo a todos os autores materiais e intelectuais de seu desaparecimento. É preciso rechaçar a eventual manobra de mudar algo para que no fundo nada mude. Por Santiago Maldonado e por todos os que lutam contra a repressão e a impunidade.

 
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