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Diário da FLIP – segundo dia: Leia e escute mulheres!
Gabriela Farrabrás
São Paulo | @gabriela_eagle

Não é preciso dar voz as mulheres, voz nós sempre tivemos; é preciso que parem para nos ouvir.

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Sei do meu atraso e sei que talvez esse texto nem tenha mais porque existir, ainda assim sinto a eminente vontade de concluir essa série e dividir o que foi essa flip pra mim. Encerrar essa série para poder iniciar uma nova. E porque quero apresentar a vocês as mulheres que conheci no segundo dia da festa.

A Casa da Porta Amarela

Saindo da programação oficial, seguindo o que foi o segundo dia de Flip, e indo para o que foi um dos meus lugares favoritos na programação paralela, a casa da porta amarela com a sua feira de independentes, suas rodas de conversa e saraus.

Fomos a casa da porta amarela para ver Jarrid Arraes falar. A autora do livro “Heroinas negras brasileiras em 15 cordéis”, que tem rodado o brasil com sua obra publicada de maneira independente, falou sobre a experiência de se publicar independentemente, a importância de sua obra em redescobrir mulheres negras que foram apagadas pela história racista e machista. Enfim, leiam o livro de Jarrid e a conheçam!

Após a roda de conversa com Jarrid conheci apressadamente Estela Rosa, uma das organizadoras, junto de Taís Bravo e Natassha R. Silva, do projeto Mulheres que Escrevem. Uma iniciativa que busca aproximar mulheres que se dedicam a escrever para uma troca de experiências:
“A Mulheres que Escrevem nasceu como uma newsletter em setembro de 2015. A ideia veio através de conversas entre duas amigas, Taís Bravo e Natasha R. Silva, ao perceberem que muitas de suas angústias e inseguranças, relacionadas à escrita, não eram um problema individual, mas uma consequência de discursos e estruturas sociais construídas ao longo de séculos de opressão.

Assim, surgiu o desejo de trazer outras mulheres que se dedicam ao ofício da escrita para essa conversa. Aos poucos, conseguimos construir um espaço de segurança e mobilização para descobrir e debater novas possibilidades de produção cultural e literária, focadas na escrita de mulheres.”

Ainda na Casa da Porta Amarela mais tarde rolou o Slam das Minas, uma edição especial reunindo as minas de SP e do RJ. O Slam das Minas é um slam – competição de poesia falada – onde apenas minas competem e que existem em diversas cidades brasileiras e cresce cada vez mais. Foi lindo como sempre é, e ainda mais especial por ter juntado tantas minas vindas de São Paulo, do Rio, e também da cidade de Paraty.
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Em nome da mãe

Voltando para a programação oficial, fomos para a praça da matriz ver a mesa Em nome da Mãe aberta por Joselia Aguiar, que reiterou que por dois anos diferentes a Flip teve mesas chamadas Em nome do Pai e num terceiro uma mesa chamada Em nome do filho, e agora pela primeira vez uma intitulada Em nome da mãe; deixando mais uma vez claro o espaço que essa edição abriu para a produção feminina.

Em nome da mãe era talvez umas das mesas mais esperadas por conta dos nomes que traria. A brasileira Noemi Jaffe nascida em São Paulo tem uma vasta obra sendo uma grande escritora contemporânea. Entre suas obras tem destaque seu livro de 2012, “O que os cegos estão sonhando?”, escrito a partir do diário de sua mãe, Lili Jaffe, levada aos dezenove anos como prisioneira dos nazistas em Auschwitz, onde ficou por quase um ano até ser resgatada pela Cruz Vermelha e ter sido levada à Suécia.

A outra escritora era a Scholastique Mukasonga, ruandesa, nascida em 1956, é uma das grandes escritoras africanas da literatura atual. Um dos destaques de sua obra é o livro “A mulher dos pés nus” em que fala de sua mãe, morta por ser tutsi no Genocídio de Ruanda, massacre que dizimou um número estimado em meio milhão de ruandeses, e do qual a escritora escapou.

A mediação da mesa ficou a cargo de Anabela Mota Ribeiro. Uma mesa em que se marcava que é impossível virara a cara a guerra; trazendo a guerra, e a memória afetiva de mãe, o que herdamos delas.

Scholastique se referiu a sua mãe no titulo de sua obra como A mulher de pés descalços. Os pés nús de sua mãe desbravavam tudo todos os dias, e eram muitos perigos que habitavam esse cotidiano. A escritora prosseguia dizendo que sua mãe fez de tudo para que os pés dessa fossem capazes de ver; e foram seus pés que a fizeram sair de Ruanda e cumprir a difícil tarefa de ser uma sobrevivente.

Noemi contou sobre o titulo de seu livro, “O que os cegos estão sonhando?”, um pergunta feita por sua mãe quando ela ainda escrevia a obra. Mas a escritora traz que ele quer dizer muito sobre o que sua obra narra, pois dentro do campo de concentração as pessoas não podiam sonhae e as que estavam fora não conseguiam enxergar o que eram os campos; e nós continuamos cegos frente aos genocídios que continuam acontecendo, ainda há cegos impossibilitados de sonhar.

Os tutsis eram chamados de baratas; uma animalização para que não houvesse sentimento algum ao matar o próximo. Para o sobrevivente a tarefa é testemunhar para os mortos e para os vivos e, principalmente, para as crianças para que o presente não seja o que aconteceu. As falas de Scholastique emocionavam o tempo todo, a escritora falava de como, por vezes, estamos de olhos abertos e não vemos – retomando o porquê do título da obra de Noemi. Scholastique salvava sua memória escrevendo em seu caderno azul. “Eu tinha uma missão, o motivo pelo qual fui salva, resgatada, sobrevivente. Meus pais recusaram que o meu povo fosse esquecido. Acordei as palavras para salvar as memórias, eu tinha medo que minhas memórias fossem esquecidas. Eu não podia deixar que minha mãe morresse como uma barata”.

Noemi descreve uma culpa inexplicável por não ter sofrido o que sua mãe sofreu. Os que viveram a tragédia tem que esquecer, e ela, como escritora, tem que lembrar. “A minha mãe viveu a tragédia, eu vivo o drama”. A palavra literária é uma palavra que dança, a palavra ainda consegue unir.

Para Scholastique escrever é uma maneira de exigir direitos humanos. “Eu gostaria que os direitos humanos não fosse apenas palavras. Eu tenho esperança do primeiro direito; que o homem possa viver, senão não escreveria meu livro. Eu me tornei escritora por um dever de memória e por que houve o genocídio em Ruanda. No genocídio não há restos, não há corpos. Eu escrevi para tirar os mortos da vala comum, construí sepulturas de papel. Minha mãe pedia a mim e as minhas irmãs ‘quando eu morrer cubram o meu corpo, ninguém deve ver o corpo morto de uma mãe’. Eu não pude cobrir o copo de minha mãe, só tive as palavras para isso”.

Se Scholastique tem a tarefa de ser sobrevivente, a tarefa de Noemi é ser filha de sobrevivente. Scholastique coloca que seu livro é um livro inevitável para ela. Em seu romance ela chama sua mãe pelo nome, Stefania, para tirá-la do esquecimento porque ela foi morta como barata.

 
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