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DEBATES NA ESQUERDA
Argentina: a FIT é a esquerda que cresce, exceto no mundo oportunista do MAIS
André Barbieri
São Paulo | @AcierAndy

Depois de um silêncio ensurdecedor acerca do resultado da esquerda nas eleições argentinas, o MAIS nos concedeu sua “primeira análise”. Para aqueles que tivemos a sorte de poder ler a nota, podemos concluir que o grande desempenho da Frente de Esquerda e dos Trabalhadores passou convenientemente despercebido por trás da crítica de “ausência de unidade”. Uma unidade que virou mantra dessa corrente, passando por cima das diferenças gritantes.

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Em meio à forte polarização entre o Cambiemos de Mauricio Macri e o Unidad Ciudadana de Cristina Kirchner na Província de Buenos Aires, que foi a expressão mais aguda de uma polarização nacional, a Frente de Esquerda e dos Trabalhadores (FIT) apresentou resultados expressivos, no quadro de uma situação adversa em que a chapa oficialista de Macri obteve um triunfo nacional.

A atuação decidida do PTS (que conforma a FIT junto com o Partido Obrero e a Izquierda Socialista) na luta de classes, como a enorme batalha de alcance nacional dos trabalhadores da multinacional Pepsico contra as demissões, fez com que os votos da Frente de Esquerda tivessem um caráter marcadamente operário e popular, que anteriormente eram hegemonizados pelo kirchnerismo (que mostrou o fracasso de sua estratégia de “nada fazer” frente ao ajuste de Macri).

Em função disso, os resultados são inapeláveis: Alejandro Vilca, gari da zona de Alto Comedero na província de Jujuy e dirigente do PTS, obteve uma votação histórica, de 12,7% (mais de 40 mil votos, que o posicionaram como segundo mais votado na lista de deputados provinciais, derrotando inclusive o peronismo de Sergio Massa). Um resultado que mostrou enorme simpatia de um grande setor de trabalhadores da região. Em Mendoza, Noelia Barbeito, dirigente do PTS, obteve 8,8%, solidificando a FIT como terceira força política na província e com possibilidade de disputar o Congresso Nacional em outubro.

Em Nequén, o dirigente histórico da fábrica Zanon Raúl Godoy (apelidado de “deputado dos trabalhadores” pela população da província) obteve 6,7% dos votos numa eleição polarizada. Principalmente na Província de Buenos Aires (onde Nicolás del Caño recebeu 3,62% e Néstor Pitrola 3,38% dos votos) e na Capital Federal (Myrian Bregman 4,38% e Marcelo Ramal 3,79%), a FIT tem importantes chances de conquistar novos legisladores: com este resultado, Myriam Bregman, referente do PTS, conseguiria eleger-se em Buenos Aires.

Assim, a Frente de Esquerda consolidou-se nos principais distritos do país como a única variante de oposição que enfrenta os planos de ajuste e é independente dos distintos bandos patronais.

Sendo identificada como “a esquerda que está sempre junto na luta dos trabalhadores” e com um programa de independência de classe (veja aqui o enorme apoio popular a Del Caño nas ruas), a Frente de Esquerda conquistou quase 1 milhão de votos (931 mil votos em todo o país), obtendo um crescimento de quase 30% em relação tanto às eleições primárias de 2015 e 2013.

Que tipo de esquerda avança na Argentina?

O artigo do MAIS trata de contrabandear uma noção curiosa para os brasileiros que não seguem tanto o país vizinho: faz parecer que há “duas frentes de esquerda” igualmente importantes, a FIT e a Izquierda Al Frente (IAF). Como se não fosse patético o suficiente, se desmentem no mesmo artigo, reconhecendo a hegemonia da FIT na esquerda argentina.

Para o MAIS, entretanto, apesar de reconhecerem o inegável aumento na influência da FIT, “as perspectivas não são boas”. “A projeção atual é que a FIT consiga apenas um deputado”. O avanço da esquerda argentina, que superou a antidemocrática cláusula de barreira em todas as 22 províncias rumo a outubro, é reduzido a uma projeção eleitoral cuja origem somente a fantasia do MAIS pode encontrar.

A FIT tem como deputada federal até 2019 a dirigente docente de La Matanza (maior regional do sindicato de professores), Natália Gonzales Seligra (PTS). Del Caño, que obteve essa votação com apenas 74% dos votantes registrados (nas eleições gerais, essa porcentagem fica acima de 80%) estaria praticamente eleito. Em Mendoza, os votos de duas pequenas formações de esquerda (PCR e MAR) que não ultrapassaram o piso de 1,5%, vão para Noelia Barbeito em outubro, que já registrou quase 9% (o que se agrega aos já três deputados provinciais, 2 senadores provinciais e cinco vereadores da FIT em Mendoza). A histórica votação de Vilca já praticamente garante dois deputados provinciais a mais para a FIT em Jujuy. Na Capital, com os mais de 80 mil votos de Myriam Bregman, excede em 20 mil o necessário para ser eleita, bancada que se somaria a de Patricio Del Corro na cidade, até 2018. Em Córdoba há três deputados estaduais da FIT, além dos mais de 70 mil votos de Liliana Olivero.

O crescimento de 30% significou a obtenção de mais de 3% dos votos válidos a nível nacional. Para se fazer uma comparação com o Brasil, em 2014 o PSOL recebeu 1,79% dos votos válidos a deputado federal em todo o país; o PSTU, 0,19%. Estas seriam as “más perspectivas” da FIT.

Outra é a visão sobre a Izquierda Al Frente, composta pelo MST (organização ligada ao MES na Argentina) e o Nuevo MAS. Os principais candidatos da IAF (apoiados pelo MAIS), como Manuela Castañeira e Alejandro Bodart, não ultrapassaram o piso de 1,5% dos votos. Esse fracasso é amenizado pelo MAIS: pouco depois de relativizar os quase 1 milhão de votos da FIT, não dispensou comentar o “considerável crescimento” da IAF que “subiu a votação de quase 200 mil para quase 300 mil votos nacionais”.

Mas não se trata apenas de números. Qualquer pessoa familiarizada com a esquerda argentina responderá por que a Izquierda Al Frente fracassou nas eleições: trata-se de uma frente centrista que brilha pela ausência na luta de classes, composta por organizações cuja estratégia passa longe da inserção militante no movimento dos trabalhadores. No caso do MST, uma organização que apoiou a burguesia agrária e a patronal sojeira na crise de 2008, alianças oportunistas não faltam no currículo (fazendo jus ao direitismo ao MES no Brasil). Ambas correntes não pisaram no terreno da luta dos trabalhadores da Pepsico; ao contrário, buscaram criar a tese de que os deputados da esquerda não precisam se meter em todas as lutas (referindo-se a Nicolás Del Caño e Myriam Bregman do PTS). Para resolver o problema, a IAF buscou copiar o nome, a cor e até a cédula eleitoral da FIT. Que maneira peculiar de se apropriar de parte do prestígio da FIT!

Mas, se depender do MAIS, a "esquerda sojeira" sai ilesa de seus pecadilhos oportunistas.

Unidade a qualquer preço: o grande ensinamento do MAIS à esquerda argentina

Mas a primeira análise do MAIS sobre o resultado das eleições argentinas tem um objetivo pedagógico sutil: repreender a divisão da esquerda.

É nesse sentido que, com mais força que antes, as eleições primárias demonstraram a necessidade de maior unidade entre essa esquerda socialista e radical. A unidade de forças entre FIT e IAF poderia significar muito mais do que os quase 1,3 milhões de votos que conseguiram separadas”.

É uma acusação copiada do MST argentino, feita aqui nas entrelinhas: a responsabilidade pela “desunião da esquerda” é da FIT. É má política informar-se por gente magoada como o MES argentino, que não consegue eleger nem sequer um vereador em lugar algum.

Ocorre que a aritmética eleitoral do MAIS ignora a dimensão do programa político, como demonstramos. Em seu sectarismo com a FIT, não admira que na Argentina apoiem os pequenos oportunistas irremediáveis da IAF. No Brasil, a fim de “sair da marginalidade”, passaram da defesa da consigna que motoriza a campanha eleitoral petista, “Diretas Já!”, para debater “sem medo” um projeto de país com a alta cúpula do PT, com Vagner Freitas e Gleisi Hoffmann a mando de Lula.

Lições de unidade como esta são perfeitamente dispensáveis: servem para arrastar-se a reboque de direções burguesas, não para construir alternativas políticas dos trabalhadores. Como diz Trotsky, "a unidade é magnífica, mas não sobre uma base podre". A unidade precisa estar ligada ao conteúdo político independente de classes.

A Frente de Esquerda é a esquerda que cresce por estar solidamente fundada na luta de classes através da intervenção do PTS. A esquerda brasileira pode aprender muitas lições com a experiência da FIT.

 
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