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I Encontro de Estudantes Africanos da USP
Fala de Marcello Pablito no I Encontro de Estudantes Africanos da USP
Marcello Pablito
Trabalhador da USP e membro da Secretaria de Negras, Negros e Combate ao Racismo do Sintusp.

Vejam a intervenção de Marcello Pablito, diretor do Sintusp e da Secretaria de Negras e Negros e de combate ao Racismo.

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Boa tarde a todas e todos, me chamo Marcello Pablito, trabalho na USP e como integrante da Secretaria de Negras, Negros e combate ao racismo, do Sindicato de Trabalhadores da USP e do Movimento Revolucionário de Trabalhadores gostaria de saudar a todos os presentes, sobretudo aos nossos irmãos africanos com quem temos uma trajetória e uma história em comum que é motivo de muito orgulho para todos nós brasileiros, sobretudo para nós negros.

Gostaria de começar manifestando meu mais profundo repúdio a todas as barreiras imigratórias levadas a cabo pelos governos europeus que são os responsáveis pela morte de milhares de nossos irmãos negros na travessia do Mediterrâneo fugindo da dome e das guerras. Repudio também o discurso xenófobo e racista da burguesia branca norte-americana que se expressam nas declarações de Donald Trump nos Estados Unidos. Repudio os assassinatos da policia brasileira que assassina os negros em nosso país, completando nesta semana o assassinato de 19 pessoas pela policia na chacina de Osasco.

Gostaria também de dizer que como trabalhador, negro e militante socialista nos envergonha a forma com que o governo brasileiro persegue nossos irmãos que vem da África, Haiti para o Brasil e que nós trabalhadores negros do Brasil estamos ao lado de vocês e vamos exigir do nosso governo direitos iguais para todos os imigrantes e a retirada imediata das tropas brasileiras do Haiti, o país onde os negros realizaram a primeira revolução negra da história da humanidade.

Para iniciar gostaria de trazer algumas reflexões sobre a atual situação em que muitos países africanos se encontram e que permearam as falas anteriores desse encontro. O continente africano foi o berço da humanidade, onde hoje se comprova que existem os ancestrais mais antigos do homem, reconhecido desde a Antiguidade como terreno de civilizações riquissimas como o Egito, o Império Zulu, o Império de Axum, do Benin, Nok e tantos outros com diversos tipos de riquezas naturais e com um patrimônio cultural e humano riquíssimo como pudemos conhecer ao longo do dia de hoje. Diante de tudo isso se poderia perguntar como um continente inteiro tão rico pode viver hoje em uma situação tão terrível?

É comum ver os países do continente africano aparecerem na imprensa como sinônimo de miséria, subnutrição e conflitos civis. Hoje a África é o continente mais pobre do mundo, sendo que dos trinta países mais pobres (com as maiores taxas de subnutrição, analfabetismo e pior taxa de expectativa de vida), pelo menos 21 são africanos. O incomum, no entanto, é encontrar uma explicação cientifica sobre como o segundo maior continente do mundo em termos populacionais (com mais de 1 bilhão de habitantes), chegou a essa situação.

A verdade é que essa realidade não pode ser explicada recorrendo a causas naturais, ou divinas, pois esse é o resultado de séculos de saque, dominação e opressão exercida, com diferenças entre cada país, mas sobre todo este continente. Daí foram arrancados a força mais de 7 milhões de homens e mulheres, naquela que foi ao mesmo tempo uma das maiores atrocidades vistas na história da humanidade e, pasmem um dos negócios capitalistas mais lucrativos: a escravização e o comércio de carne negra. A riqueza dos países que hoje fecham suas fronteiras aos imigrantes estão manchadas de sangue negro e africano, pois este continente foi afogado na mais profunda degradação social pelas mãos do próprio homem e tem a sua história marcada pela espoliação total de suas riquezas por países europeus e pelos EUA.

A colonização da África foi parte da expansão sem limites do capitalismo em sua fase imperialista, da qual a Conferência de Berlim (1884-1885) foi um marco em que 15 países europeus partilharam entre si todo o continente africano se justificava sob a ideologia racista de que caberia ao homem brando europeu e civilizado a tarefa de civilizar os povos atrasados através das suas missões colonizadoras.

A colonização e a exploração capitalista da África deixaram marcas profundas que se arrastam até hoje nos inúmeros conflitos locais entre etnias distintas reunidas em um mesmo território e a mais absoluta e desumana condição de vida a que se pode praticar.

A resistência do povo africano acabou com a colonização de séculos nesses países, conquistando a independência de muitos dos países em processos de luta heróicos que são praticamente desconhecidos mesmo em universidades como a Universidade de São Paulo. O motivo não é outro que não o racismo profundo desta instituição e daqueles que escrevem a história oficial, onde a heróica luta dos negros nunca existiu. Espero sinceramente que este encontro sirva como um primeiro passo a que superemos as fronteiras que criaram para nos dividir e que os próprios oprimidos possam escrever a sua própria história.

O Brasil é o maior país negro fora da África. Aqui mais de 53 % da população é negra e sofre na pele o racismo que se mostra todos os dias em todos os poros da sociedade. Na história do Brasil o mesmo racismo utilizado para justificar a escravização e dominação do continente africano se apresentou de diferentes formas como o “racismo cientifico” e em outros através de uma operação ideológica que tenta negar a existencia do racismo conhecida democracia racial. Esta ideologia tenta sustentar a ideia de que em determinado momento os negros estariam em iguais condições que os brancos (uma ideologia que não se sustenta à menor prova na realidade) e portanto, o racismo não existiria mais. Se a ilusão de que “somos todos iguais” e de que o regime politico democrático é o representante de todos pregada como pilares da democracia, é corroida a cada dia em um páis marcado profundamente pela desigualdade social, com mais de 14 milhoes de desempregados, o aumento do custo de vida, os baixos salarios e trabalho precários, a falta de trasnporte, saude, moradia e educação. Na opressão sofrida pelos negros talvez seja onde é mais evidente esse nivel de contradição, onde não há qualquer igualdade e muito menos democracia. Em todos os critérios que se queira adotar os negros são os que mais sofrem com cada uma destas. Aqui os negros são o alvo prioritário das chacinas policiais (de cada 10 mortes pela policia 9 são negros). Os negros recebem em média 40% a menos do que os trabalhadores brancos, as mulheres negras compõem a pior média salarial do país e todos os negros aprendem desde pequenos a andar com a cabeça baixa.

Se na África os negros se levantam contra a dominação colonial como fizeram os estudantes na África do Sul arrancando com sua luta a estátua do colonialista inglês Cecil Rodhes, e os mineiros de Marikana se levantaram aqui no Brasil, que tem vivido tempos difíceis com um golpe institucional e a retirada dos nossos direitos com a reforma trabalhista os negros sempre estiveram a frente desses processos e foi com orgulho que vimos milhares de jovens negros se levantando contra as suas correntes e fazendo vibrar nas ruas do Rio de Janeiro as palavras de ordem “Não tem arrego” marcando a entrada de guerreiros negros nos caminhos da burguesia com a greve dos garis em 2014.

Com o questionamento das instituições que vem ocorrendo desde 2013 se abre um espaço privilegiado para a denuncia do racismo. Esse questionamento abre espaços por baixo e corrói a democracia racial como uma das engrenagens de dominação burguesa no Brasil. A principal expressão desse processo vem ocorrendo por um fortalecimento da identidade negra que, se não se assenta a projeção de casos que poderiam ser “apenas mais um” e tenham uma repercussão muito maior como o desaparecimento de Amarildo, as bárbaras mortes de Claudia Ferreira, Luana Barbosa, Maria Eduarda e o encarceramento de Rafael Braga.

O fortalecimento dessa identidade negra não impede que esse processo seja canalizado pela burguesia através da “comercialização da identidade negra” o aumento de propaganda como a venda de produtos para beleza, e transformando assim o corpo e a pele negra em mais uma mercadoria. Esta operação é extremamente perversa pois “assimilando” A identidade negra “por cima” através de seu reconhecimento na esfera do consumo e do “empoderamento”, a burguesia aprofunda “por baixo” o processo de superexploração, opressão e embrutecimento (econômico e social) dos negros que são indiscutivelmente os maiores índices de precarização do trabalho, desemprego, média salarial, analfabetismo, assassinatos policiais e encarceramento.

Justamente por isso a melhor homenagem às heróicas lutas negras de ontem deve e necessita ser uma luta das mais profundas lutas contra o racismo e toda a exploração nos dias de hoje. Lutemos juntos africanos e brasileiros, negros e brancos, trabalhadores e estudantes contra a opressão racista e a exploração capitalista! Viva a luta do povo negro! Viva as revoluções africanas e a revolução haitiana! Basta de exploração estrangeira no continente africano! Viva a resistência dos Panteras Negras! Liberdade para Rafael Braga! Abaixo o racismo e o capitalismo! Imigrantes africanos sejam bem vindos pois são todos nossos irmãos! Se avançamos nesse sentido não temos nada a perder a não ser os nossos grilhões, temos a ganhar a possibilidade de uma vida plena e livre de toda opressão!!

Saudações negras e revolucionárias!!

 
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