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CRISE NAS UNIVERSIDADES
Sistema universitário em colapso, a PEC 55 em funcionamento
Iaci Maria
Yuri Capadócia

O sistema universitário brasileiro tal como é hoje parte de um modelo de produção de conhecimento que está entrando em colapso. Um modelo que entrou em crise e agora está emergindo um novo – mais adequado ao projeto de país privatizado e com mão de obra barata e sem direitos. A crise é financeira, mas é também parte fundamental da implantação deste projeto que privilegia os magnatas do ensino ao mesmo tempo que concentra esparsos recursos públicos em poucos “nichos de excelência”. Trazemos aqui um levantamento de como esse projeto em andamento está levando várias universidades federais a uma situação calamitosa.

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Foto: Carlos Eduardo Cardoso/Agência O Dia/Estadão Conteúdo

Os cortes na educação já somam R$ 13,4 bilhões. Este é o absurdo dado registrado pela campanha Conhecimento sem Cortes, promovida por professores universitários, cientistas, estudantes, pesquisadores e técnicos, no período de 01/01/2015 a 31/12/2017. Isso significa um verdadeiro colapso do sistema universitário, que começou com o governo Dilma e está culminando com Temer. Para se ter uma ideia da velocidade com que age a tesoura do governo, segundo os dados isso corresponde a um valor de R$11,5 mil diários tomados da educação, R$ 481 mil por hora, e R$ 8 mil por minuto. Esse valor corresponde à somatória dos cortes no orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), das Universidades Federais (inclusive Institutos Federais) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Como a estatística aponta, a situação do ensino superior já era grave desde o final do governo Dilma, quando se iniciam os cortes no setor. Entretanto, o cenário catastrófico atual explodiu a partir de março desse ano, quando o presidente golpista Michel Temer autorizou um congelamento de gastos no setor de 4,3 bilhões, atingindo o congelamento que já tinha sido feito. Com isso o orçamento do Ministério da Educação para 2017, que era de R$ 35,7 bilhões, sofreu uma nova redução de 12% do total.

O início do colapso universitário antes do golpe de 2016

É importante resgatar que o declínio das instituições superiores começou ainda nos governos petistas. Ironicamente, no ano em que Dilma e o PT anunciaram seu slogan de governo como “Pátria Educadora”, o orçamento do Ministério da Educação (MEC) perdeu R$ 10,5 bilhões, ou 10% do montante, em 2015.

Os anos petistas concentraram suas políticas para a educação pública superior em 3 propostas: o REUNI, o PROUNI e o FIES. O que se nota é uma proposta diretamente ligada às universidades federais, e duas para as instituições de ensino superior privadas, mostrando quais as prioridades educacionais desde o governo PT. O que veremos aqui é que as prioridades não são definidas ao acaso, e sim com interesses políticos sobre para onde guiar o ensino superior. As 3 políticas já anunciavam o avançar não apenas de propostas para as universidades, mas de todo um projeto de educação superior que fosse condizente com todo o projeto de país lulista, um modelo educacional que tal como em alguns setores da economia, criasse “campões nacionais, expandisse o acesso, aumentasse os lucros patronais e concentrasse o conhecimento em áreas ligadas aos pólos mais dinâmicos - e semi-coloniais da economia, como o agronegócio.

O REUNI foi um projeto de expansão das universidades federais, de onde nasceram diversas UF espalhadas pelo país. Porém, foi uma expansão que poderia ser dita como, no mínimo, precária, pois ampliou vagas sem dar estrutura física, sem ampla contratação de professores e funcionários, sem criar condições de permanência estudantil. Já o PROUNI foi diretamente uma proposta de investimentos públicos em universidades privadas, ou seja, ao invés de investir em ampliação com qualidade nas universidades públicas, o governo PT escolheu garantir os lucros dos empresários que vendem educação. Algumas pesquisas inclusive apontam que a verba investida em cada vaga do PROUNI seria suficiente para garantir 3 vagas em universidades públicas. Aqui já vemos como a prioridade não é acaso, e sim uma escolha política de engordar os bolsos dos tubarões do ensino privado. E por fim o FIES, carro-chefe das políticas de acesso ao ensino superior, que garante o acesso à educação privada com o financiamento estudantil. Novamente, ao invés de priorizar uma política de expansão da educação superior pública e gratuita, a estratégia do governo petista foi optar pelo financiamento dos estudantes, o que acabou resultando no surgimento de grandes conglomerados de ensino privado, como a Kroton que denomina 35% do mercado no país. Uma aposta que dependia do emprego e capacidade de endividamento dos jovens. A recessão e o desemprego atingiram em cheio a capacidade dos jovens contraírem essa dívida.

Mesmo assim, depois de uma expansão de financiamentos entre 2010 e 2014, o governo alterou as regras do FIES ainda nos últimos dias de 2014. Restringiu o acesso ao programa e chegou a adiar pagamentos a empresas educacionais. O ano fechou com 313 mil contratos, 57% menos do que o registrado em 2014. Dados atualizados mostram que a União gastou R$ 12 bilhões com o FIES em 2015, 16% menos do que os R$ 13,7 bilhões de 2014 – apesar de já haver mais contratos acumulados.

Uma das principais promessas do governo petista como resposta às manifestações de junho de 2013 foi o destino de 10% do PIB para a educação, o que foi aprovado como uma das metas do Plano Nacional de Educação (PNE), porém com os subsequentes cortes o porcentual nunca saiu do patamar de 6%.

Após o golpe, o avanço de um novo projeto de educação superior

Como apontado no início deste artigo, o corte de verbas que afeta diretamente as universidades federais representa uma perda de R$8 mil por minuto. A devastação provocada pelo impacto desse corte é tamanho que diversos reitores de universidades federais admitiram que sem a liberação dos recursos as instituições não conseguirão seguir funcionando nem mesmo até setembro.

O Sistema Integrado de Monitoramento, Execução e Controle, portal do Ministério da Educação que trata do orçamento, prevê que até o final de 2017 terá tido um corte de 45% nas verbas de investimento (cerca de R$ 350 milhões) de todas universidades, além de redução também de 18% no recursos destinados ao custeio. Os investimentos dizem respeito às despesas com obras, compras de materiais, e o custeio são as despesas correntes, como o pagamento das contas de água, luz, bolsas de assistência e salários dos trabalhadores terceirizados. Além do corte, o ministro da Educação Mendonça Filho já declarou que realmente há um contingenciamento, e portanto apenas 70% das verbas de custeio e 40% das verbas de investimento para 2017 foram repassados às federais.

A tabela a seguir reúne dados divulgados por diversas faculdades e comprova a extensão dos cortes no orçamento das universidades federais.

Ainda que sobrevivam até o final do mês, o impacto desses cortes se faz presente no cotidiano dos estudantes. As universidades federais têm sofrido para pagar despesas como água, luz, segurança, limpeza e funcionários terceirizados, além de atrasarem bolsas e diretamente reduzirem a assistência estudantil, o que significa para muitos estudantes a necessidade de abandonar os estudos, principalmente após a implementação integral da lei das cotas, que garante 50% das vagas nas universidades federais para alunos oriundos da rede estadual.

Na UnB, por exemplo, todo o cardápio do restaurante universitário teve de ser alterado para se adequar ao orçamento. Na UFRJ, o valor da dívida com a companhia de luz, a Light, chega a R$ 11,5 milhões, fazendo com que a universidade sofra com cortes de energia e apagões. Além disso, os cortes também reduziram o orçamento de capital (despesas como obras de expansão e reestruturação dos prédios) em 40%. Como resultado, a universidade está com 8 de suas 10 obras paralisadas.

Em Minas Gerais, estado que possui a maior concentração de universidades e institutos federais – muitos oriundos do REUNI – a situação é também de calamidade. O jornal O Estado de Minas realizou um levantamento com 7 das 11 universidades no estado, e 23,7% do orçamento previsto – já com os cortes – ainda não foi repassado. Na UFMG, a maior universidade federal do estado e uma das principais universidades do país, falta o repasse de 15% e há diversas obras paradas, cortes de bolsas, além de desde 2015 vir passando por uma crise parar pagar as contas de água e luz.

Este sucateamento das universidades federais, não é mero acaso, é resultado direto da aplicação do projeto político e de austeridade do governo. Para a aprovação da terrível PEC 55, ou “PEC do fim do mundo”, como ficou conhecida, uma das promessas de Temer e seus aliados era que no ano de 2017 as áreas da educação e saúde seriam poupadas do congelamento de gastos. O corte na carne nos setores só começaria a partir de 2018. Porém, como vimos pelo corte do orçamento no começo do ano, o presidente golpista mentiu, como era de se esperar. Se a situação das universidades já se encontra neste nível de deterioração, é de se imaginar como estará a partir do ano que vem, quando passará a valer o congelamento de verbas para a área. E o que está acontecendo esse ano com as universidades é uma imagem do “futuro” dos hospitais e cada serviço público a partir do ano que vem se esses cortes e a PEC seguirem em vigência.

O plano então é em 2017 reduzir as verbas ao máximo possível – que no caso, vem dando mostras de que o “possível” do governo é impossível para a manutenção do ensino, pesquisa e extensão nos institutos de ensino superior federais – para depois congelar nesse ínfimo valor orçamentário. Com a PEC 55, mesmo que a tão prometida recuperação da economia finalmente venha de fato, o orçamento da pasta não irá crescer, somente será reajustado segundo a inflação. Dessa forma, de antemão, a tendência é que a catástrofe deste ano se repita e aprofunde ano após ano.

Como o exemplo da UERJ, também sob a tutela da mesma plataforma política do PMDB, ajuda a concluir que o problema do ensino superior gratuito é a aplicação de uma agenda política que intencionalmente quer atacar a educação pública. Enquanto Temer e Pezão roubam milhões e gastam outros milhões na compra de deputados, em jantares para comprar deputados, isenções fiscais e perdão da dívida de empresários que os apoiem, eles descaradamente repetem que não há dinheiro para sustentar a educação, além de outros serviços, fazendo crer que o problema está no seu caráter público.

Assim, oportunamente, grupos como o MBL e editoriais de grandes jornais, como O Globo, surgem com a fórmula mágica para resolver o problema: a cobrança de mensalidade nas universidades, apenas um disfarce para a entrega gradual das universidades a iniciativa privada. Segundo os cálculos do prof. Carlos Frederico Rocha, do Instituto de Economia da UFRJ, o custo médio por mês de cada estudante é de R$2 mil, que seria o valor mínimo da mensalidade. Esse valor excluiria nada menos do que 90% do corpo discente das universidades federais, que não teriam como arcar com essa despesa mensal, segundo dados da IV Pesquisa do perfil socioeconômico e cultural dos estudantes de graduação das Instituições Federais de Ensino Superior Brasileiras, realizada pela ANDIFES.

Um projeto específico de universidade para um projeto específico de país

Se o projeto de universidade do governo PT pôde funcionar no início, com o PROUNI e principalmente o FIES sendo vendidos como programas populares que garantem vagas para a juventude pobre na universidade particular, isso se deu devido a onda de crescimento econômico que o país surfou na década passada graças a valorização das commodities, tendência que não aparenta retornar nos próximos anos. Com o avançar da crise econômica, o projeto começa a mostrar suas ruínas, pois se antes era necessário que houvesse emprego para que todos pudessem se formar, trabalhar e pagar suas dívidas com a faculdade e o governo, hoje o desemprego é cada vez mais gritante e afeta em especial a juventude. Logo, os projetos tornaram-se verdadeiras armas de enriquecimento dos grandes empresários do ensino privado por um lado, e um enorme processo de endividamento da juventude por outro.

A partir de 2015, começa a se sentir a crise bater com força nas universidades federais e, junto com o projeto de governo do PT de pequenas concessões à juventude e aos trabalhadores de um lado e lucros exorbitantes para os banqueiros e empresários de outro, cai também com o golpe o projeto de expansão e manutenção mesmo que precarizada das universidades públicas. O governo golpista tem seus aliados e escolhe seu lado: corta todas as concessões para manter apenas os lucros dos empresários e para não dizer que vai acabar plenamente com as universidades federais exercerá pressão, como já faz o PMDB carioca para salvar somente “nichos de excelência” nas universidades, como o Direito na UERJ, como seriam as engenharias, medicinas e um punhado de cursos de humanas nas outras universidades do país.

Para isso, entre tantos outros ataques, como as reformas que destroem direitos trabalhistas, Temer também sucateia cada vez mais a universidade pública e retira verbas da educação e pesquisa científica. E essa receita é já conhecida, é o sucateamento para posterior privatização e tornar a educação no Brasil ainda mais elitista. É o que deseja o MBL, os golpistas, os grandes jornais burgueses.

Esse é o novo projeto de universidade que vem se desenhando para uma semi-colônia como o Brasil: a educação, o ensino, a pesquisa e a extensão sendo vistas cada vez mais como mercadorias caras que quiser deve pagar, e só nichos interessantes ao mercado que sobrevivam, que o restante não pode ficar nas mãos do estado pois geram prejuízo e, portanto, trilha-se o caminho para que sejam passadas à inciativa privada, para assim gerar lucros privados. Além dos lucros, esse projeto – junto à reforma do Ensino Médio, que avança numa educação tecnicista para formar mão de obra barata e qualificada – vem também para elitizar ainda mais o ensino superior público.

Na defesa de uma educação pública, gratuita, de qualidade e para todos, por um verdadeiro tripé público de ensino, pesquisa e extensão, lutar apenas contra os cortes de verba do governo golpista parece muito pouco. Há ainda que superar o modelo anterior que expandiu o acesso de forma precarizada e só uma parcela da população pois o vestibular e o ENEM, mesmo com as cotas seguem atuando como filtro social deixando a maior dos jovens, sobretudo negros fora do sistema universitário. Nos momentos de crise o sistema “lulista” explodiu, mostrando toda sua fragilidade e seus interesses de fortalecer o nicho mercadológico da educação privada. Temer aproveita essa crise para impor um modelo que faz terra arrasada.

As universidades federais gritam por socorro, preveem a calamidade financeira se instalar e paralisar tudo até o final do ano. A solução, longe de ser privatizar o ensino público, é o seu oposto: é necessário estatizar as universidades privadas, para garantir vagas públicas e gratuitas a cada jovem que desejar cursar o ensino superior. Garantir que todos possam estudar e não somente aqueles que possam arcar com as dívidas.

É preciso, para isso, se enfrentar com toda essa lógica da sociedade dividida em classes, onde alguns poucos empresários e capitalistas garantem suas riquezas e lucros exorbitantes em cima da exploração e miséria da maioria da população, onde quase 50% do orçamento nacional é gasto com a dívida pública que é entregue a banqueiros e outros milionários. Assim relegam à juventude apenas dívidas e desemprego. É preciso não apenas arrancar dos governos todo o investimento necessário para as universidades públicas, como acabar com o investimento público que enriquece empresários do ensino privado para assim garantir uma universidade realmente pública, gratuita, de qualidade, para todos, com garantia de permanência estudantil a cada estudante que necessitar.

Derrotemos os cortes de Temer e unamos essa luta a necessidade de superar esse modelo de educação que se fortalece para gerar lucros aos capitalistas, porque nossa educação e nossas vidas valem muito mais do que os lucros deles.

Pode te interessar: Propostas para que a greve da UERJ se transforme numa grande luta estadual e nacional

 
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