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MÚSICA
Somos “um só”? Sobre o retorno dos Tribalistas e sua mensagem de “tolerância”
Fernando Pardal

Os Tribalistas, grupo musical composto por Marisa Monte, Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes, lançou nessa quinta-feira, 10, as quatro primeiras músicas de seu novo álbum, o segundo da carreira do grupo e o primeiro desde 2002. Depois de tanto tempo, eles vêm dizer a todos: “somos um só”: capitalistas, comunistas, anarquistas, democratas, o patrão e a justiça. Será que somos ou devemos querer ser?

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A música “Somos Um Só”, que faz parte das quatro músicas divulgadas ontem pelo grupo, começa com os seguintes versos: “somos comunistas e capitalistas, somos anarquistas, somos os patrões, somos a justiça”. E a música segue nesse tom. Pois é: em meio a uma crise mundial do capitalismo que está às portas de completar dez anos, que colocou na ordem do dia depois de décadas o questionamento desse sistema de miséria, o que os Tribalistas têm a nos dizer é que, “Todos juntos somos um só”. Os que nos exploram e os explorados; os que nos matam e os assassinados; os 1% da população mundial que detém toda sua riqueza, e os miseráveis que são todo dia roubados por eles.

Em sua transmissão ao vivo, eles iniciaram pela música “Diáspora”, que é inspirada nos refugiados. Vejam bem: eles “homenageiam” refugiados sírios que têm suas vidas destruídas por uma guerra sanguinária e uma política de terror do ditador Al-Assad e dos países imperialistas. E depois dizem que “somos um só”. Quem é um só? Os governos europeus que fecham suas portas aos sírios e os deixam morrer e os sírios a quem tudo foi tirado? Ou seriam os imigrantes africanos que tiveram seu continente espoliado por séculos de saque imperialista e que hoje são obrigados a sobreviver miseravelmente nos países que jogaram eles e seus antepassados na miséria? Será que somos “intolerantes”, nós, comunistas, por alimentar um ódio inconciliável desses governos capitalistas?

A mensagem que os Tribalistas querem transmitir, de “paz”, de “união”, seria reacionária a qualquer momento dado em uma sociedade capitalista dividida em classes como a que vivemos. Mas, chegando em meio a um momento em que as contradições se encontram totalmente acirradas pelos ataques brutais que os “donos do mundo” fazem para que os que já nada possuem paguem pela sua crise, as canções dos Tribalistas são de uma hipocrisia insuportável.

Ao apresentar “Somos um só” Arnaldo Antunes fala que é uma canção sobre “convivência com as diferenças”, num momento em que “está tudo muito dividido, muito polarizado politicamente (...) e a gente na verdade gosta de poder juntar as coisas e poder conviver com os paradoxos e com a beleza da diversidade”. Dizem que querem poder “ser uma coisa, mas também ser outra” sem precisar “necessariamente ser de um clube, de um time, de um partido”. Para esses consagrados músicos, que ao lançarem seu álbum contam com um imenso operativo de marketing envolvendo Spotify; divulgações em todos os grandes veículos de mídia; e muito, muito dinheiro envolvido na propaganda de seu trabalho, o mundo deve parecer um lugar bastante propício à “paz” e à “compreensão”.

Talvez eles devessem pensar se os milhões que vêm tendo cada mínimo direito arrancado, e que têm cada vez mais dificuldade pra pagar as contas do mês, porque está tudo tão “dividido”. Será que os Tribalistas são “um só” com Temer e Trump? Que estamos “muito polarizados” quando queremos parar o país para exigir nosso direito à vida minimamente digna? Será que eles acham que ter o couro arrancado num trabalho e ver os poucos direitos que tem ser arrancado é como “fazer parte de um clube” e que, como eles, nós “somos o patrão?”. Que “ser o patrão” ou o peão é como escolher uma camisa, e que deveríamos superar as diferenças para “sermos um só” com nossos exploradores? Que somos “todos eles da ralé, da realeza”?

Será que os Tribalistas iriam às favelas onde Maria Eduarda e outras crianças são assassinadas dentro das escolas e suas casas para dizer a essas pessoas que sejam “um só” com os policiais que mataram seus filhos? Com o exército que está ocupando os morros e impondo o terror todos os dias? Para as empregadas domésticas que vivem em barracos serem “um só” com seus patrões que vivem em ricas mansões? Talvez aos “grandes artistas” como eles seja permitido um “diálogo amigável” com quem quer que seja, mas à verdadeira “ralé” muito pouco é permitido em relação à “realeza”; muito menos ser “um só” com ela. Só é permitida a resignação ou a revolta para lutar pela expropriação dos expropriadores.

Nós não somos “um só” com os que fazem de tudo para que toda a miséria seja nossa, e todas riquezas deles. E ao ouvir tamanha imbecilidade saindo das bocas de Arnaldo Antunes e Marisa Monte, não posso deixar de me perguntar para onde foram os que cantavam que “aqui nessa casa ninguém que a sua boa educação. (...) Aqui nessa tribo ninguém que a sua catequização/ Falamos a sua língua, mas não entendemos seu sermão (...) Volte para o seu lar”. Ou os que denunciavam um mundo que fazia do homem um primata em meio a um capitalismo selvagem? Ou que denunciava que apesar de se dizer da polícia que ela existe para ajudar e proteger, o que ela faz é te parar e te prender? A resposta Arnaldo Antunes já deu: eles querem “ser uma coisa, mas também ser outra”. E agora, decidiram ser os lamentáveis pacifistas do “deixa disso” quando a luta é nossa única opção de sobrevivência.

Talvez a fama excessiva, a fortuna e, enfim, a distância que tudo isso causa em relação ao “mundo real” de quem não é um só com quem vive do trabalho alheio, tenha levado os Tribalistas a chegar a um nível tão absurdo de pregar essa “paz” em meio a um mundo onde a guerra nos é imposta não porque queremos, mas porque a vida é feita de luta cotidiana pela sobrevivência. Um mundo onde ninguém pode ser livre para cantar e ser divulgado para milhões pelo Spotify. Onde sequer temos tempo para cantar, compor, sonhar, enquanto alguns poucos podem tudo às nossas custas.

Mais de dois milhões assistiram a transmissão ao vivo em que os Tribalistas dizem para sermos “um só” com os capitalistas, a polícia e a justiça, ou seja, com todos os que a cada dia exercem seus poderes para obrigar a que a humanidade continue sem poder ser “uma só”. Muito menos pessoas lerão esse texto, que é um desabafo de verdadeiro ódio contra essa mensagem hipócrita. Não à toa, ouviremos repetidas vezes, até o limite do insuportável, essas novas músicas do trio ressoando em cada rádio, em cada aplicativo, em cada ouvido nos cantos mais distantes do país. Uma mensagem de “tolerância”. A essa mensagem, nós respondemos aos Tribalistas: falamos a sua língua, mas não entendemos seu sermão. Voltem para o seu lar.

Se queremos efetivamente ser “uma só” humanidade, temos que saber que a única forma para que isso seja possível é acabar com a monstruosa divisão de classes sociais, abolir todas as formas de opressão e não “conviver tolerantemente” com elas. E mudanças assim não se obtém com músicas que preguem a “tolerância à diversidade” dos que montam em nossas costas. Conquista-se com a luta para por fim, com os meios que sejam necessários, à exploração e à miséria. Essa é nossa mensagem à “diversidade” cínica pregada pelos Tribalistas.

 
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