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HISTORIA
O II° Congresso do POSDR e a divisão entre bolcheviques e mencheviques
Christian Castillo
Dirigente do PTS, sociólogo e professor universitário
Emilio Albamonte
Dirigente do PTS, membro do Staff da revista Estratégia Internacional

No ano de 2006 o PTS fez Conferências sobre Lênin e a História do Partido Bolchevique. Aqui publicamos um extrato da conferência dedicada ao Congresso que começou no dia 30 de julho de 1903.

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Os iskristas haviam ficado responsáveis pela preparação do IIº Congresso do Partido Operário Socialdemocrata Russo (POSDR) (1). O congresso aconteceu entre julho e agosto de 1903; começou em Bruxelas e logo se transferiu para Londres por questões de segurança. Logo após os importantes acontecimentos de Rostov, onde milhares de trabalhadores se enfrentaram por vários dias com a política e após a disso do comitê iskrista de Kiev pelas forças repressivas do czarismo, os iskristas junto a outras tendências formaram um Comitê de Organização, que foi como um primeiro Comitê Central, encarregado de preparar o Congresso. Os delegados foram eleitos pelos distintos comitês do POSDR existentes na Rússia e no estrangeiro. Os iskristas eram 32, 6 eram do Bund (2), 3 da Rabocheie Dielo (A causa operária) (3); 3 de Yuzhny Racobhii (O operário do sul) (4).

Plekhanov e Lênin apresentaram um projeto de programa que surgiu após fortes discussões entre ambos e que obteve mais tarde o apoio de toda a redação da Iskra.

Nas primeiras sessões do Congresso nada fazia por esperar a clivagem posterior. Os iskristas votaram juntos e enfrentaram conjuntamente os dois primeiros debates relevantes: a questão do Bund e o programa agrário. A primeira discussão dizia respeito o caráter centralizado ou federalista do partido. Martov, por exemplo, respondeu um dos delegados do Bund dizendo: “Vale relembrar ao companheiro Lieber que nosso princípio organizativo não é a ampla autonomia mas sim a centralização estrita”. Os bundistas, mais tarde, se retirariam do Congresso.

A primeira discussão entre os próprios iskristas surgiu no ponto 1 do estatuto, onde se enfrentaram Lênin e Martov. O artigo defendido por Lênin dizia: “Será considerado membro do Partido todo aquele que aceite seu programa e apoie o Partido tanto com recursos materiais, como com sua participação pessoal em uma das organizações do mesmo”. Em contrapartida, o texto apresentado por Martov, que foi aprovado pela maioria, colocava: “Será considerado membro do Partido Operário Socialdemocrata da Rússia todo aquele que aceite seu programa, apoie o Partido com recursos materiais e lhe ofereça sua colaboração pessoal em forma regular sob a direção de uma de suas organizações.” Levando em consideração que Plejanov votou na proposta de Lênin, o de Martov foi aprovado por uma pequena maioria (28 a 23), votando com ele os delegados de Rabocheie Dielo, do Bund e do Yuzhny Rabochii.

Ainda que a diferença parecesse menor, a chave da discussão era em si se poderia considerar membro do Partido, nesta situação, qualquer pessoa que simpatizasse com a socialdemocracia. Axelrod deixou evidente na discussão quem queria contemplar com a fórmula de Martov: “Então usemos como exemplo um professor que se considera a si mesmo um socialdemocrata e assim se declara. Se adotarmos a fórmula de Lênin, estaremos deixando à margem um setor daqueles que, inclusive se não podem ser admitidos diretamente à organização são, portanto, membros. (...) Temos que ter cuidado para não deixar fora das fileiras do partido pessoas que conscientemente, talvez não ativamente, se associam com o partido”.

Ao que Lênin respondeu “Aqui disseram que alguns professores que simpatizam com as nossas posições poderiam achar humilhante entrar em uma organização local. Nisso, lembro-me de Engels dizendo que onde o destino de alguém seja tratar com professores, é preciso se preparar para o pior. O exemplo é, de fato, demasiado infeliz. Se algum professor de Egiptologia, pelo fato de saber de cabeça os nomes de todos os faraós e todas as orações que os egípcios rezavam ao touro Apis, considera que entrar em nossa organização está abaixo da sua dignidade, não temos necessidade deste professor. Falar de controle do partido sobre pessoas que estão fora da organização é simplesmente brincar com palavras. Na prática tal controle é impossível”. É uma definição útil não apenas para pensar a relação que partido deve estabelecer com intelectuais diletantes mas também com sindicalistas que, em determinados momentos, se sentem incomodados pelo “controle” partidário.

Em Um passo à frente, dois passos para trás, Lênin sinaliza como uma leitura profunda dos argumentos em debate, podem-se retirar duas concepções distintas e como ele colocou, a de Martov se aproximava dos economistas. Vejamos a correta distinção que Lenin faz entre partido e classe: “Nós somos o Partido da classe, e por isso, quase toda a classe (e em tempo de guerra, em época de guerra civil, toda a classe) deve atuar sob a direção do nosso Partido, deve ter com nosso Partido a ligação mais estreita possível mas seria manilovismo (4) e ‘seguidismo’ acreditar que quase toda a classe ou toda a classe possa algum dia, sob o capitalismo, elevar-se até o ponto de alcançar o grau de consciência e atividade de seu destacamento de vanguarda, do seu Partido socialdemocrata. Nenhum socialdemocrata sábio jamais duvidou que, sob o capitalismo, nem mesmo a organização sindical mais rudimentar, mais acessível ao grau de consciência das camadas menos desenvolvidas, esteja em condições de englobar toda ou quase toda a classe operária. Esquecer a diferença que existe entre o destacamento de vanguarda e toda a massa que gravita em sua direção, esquecer o dever constante que tem o destacamento de vanguarda de elevar camadas cada vez mais ampas a seu nível avançado, seria apenas enganar-se a si mesmo, fechar os olhos frente à imensidão das nossas tarefas, restringir as nossas tarefas. E precisamente assim se fecham os olhos e este é o esquecimento que se comete quando se apaga a diferença entre os que estão em contato e aqueles que entram, entre os conscientes e os ativos, por uma parte e os que ajudam, por outra”.

Esta divergência porém, não anunciava ainda a ruptura, já que Lênin se manifestou disposto a aceitar a resolução, ainda que lhe parecia equivocada. Há que se dizer também que Lênin nunca teve uma fórmula organizativa única. Longe disto, este mesmo Lênin foi quem sustentou em outras circunstâncias, como a revolução russa de 1904 ou o ascenso operário de 2912, que todo aquele operário que distribuísse o jornal e inclusive se manifestasse partidário do mesmo, deveria ser considerado membro do partido. As formas de organização nunca foram para Lênin uma questão supra-histórica, mas sim algo que se modificava em relação às mudanças da situação política e sua relação com as possibilidades de desenvolvimento do partido revolucionário.

Mas voltando ao Congresso do POSDR, podemos sinalizar que a segunda discussão de maior importância foi a atitude com os liberais. O Congresso votou uma formulação intermediária, entre a defesa intransigente de Lenin e Plejanov e a proposta conciliadora de Martov e Potresov.

Finalmente, a ruptura se deu logo com a discussão da composição do Comitê de Redação da Iskra. O acordo entre os iskristas, anterior ao Congresso, estabelecia a votação de um Comitê Central de três membros (que estaria no interior da Rússia), um Comitê de Redação da Iskra de três membros e um Conselho de Partido composto pelos dois organismos, além de Plekhanov.

Já no congresso havia uma primeira discussão sobre se haveriam que votar um Comitê Central puramente iskrista (posição de Lênin) ou um que incluísse também uma representação dos centristas de Yuzhny Rabochii (o que queria Martov). Mas o Congresso do POSDR implicava justamente na dissolução dos grupos locais em um partido centralizado comum e este grupo de Yuzhny Rabochii havia defendido a posição de não se dissolver, alegando a necessidade de produzir um jornal “popular”.

A proposta do Comitê de Redação da Iskra feita por Lênin era que estivessem junto com ele Martov e Plekhanov, que eram os que realmente tinham dirigido a Iskra até aquele momento.

Mas Martov (que se via em minoria frente à Lênin e Plekhanov) e os velhos membros da redação que ficariam de fora (Axelrod, Vera Zasúlich, Potresov) se opuseram a isto, ganhando o apoio de Trotsky, que defendeu a continuidade da antiga equipe de redação.

Contudo, a posição de Lênin ganhou por dois votos, já que a esta altura do Congresso já se haviam retirado os bundistas e os delegados de Rabocheie Dielo. A partir desta votação, os que apoiaram Lênin foram chamandos de “bolcheviques” (que em russo significa majoritários) e seus oponentes, de “mencheviques” (que em russo significa minoritários).

O Congresso terminou com uma ruptura dos antigos iskristas, já que Martov não aceitou ser eleito na redação da Iskra e organizou um “Organismo da Minoria”, que contava com uma boa fonte de financeira e com os contatos internacionais da socialdemocracia europeia. Desta posição lançou um forte ataque contra Lênin que era apoiado inicialmente por Plekhanov. Sob a direção destes últimos, Iskra produziu seis edições, até que Plekhanov começou a titubear para aderir finalmente aos mencheviques, que se apossaram da Iskra. Ainda que Lênin tenha buscado acordo fazendo concessões, a minoria defendeu como condição a anulação de todas as resoluções do Congresso e provocou a ruptura, que se consolidou até o fim de 1903.

Com a rutura de Plekhanov, Lênin ficava em uma situação difícil, já que os mencheviques controlavam a Iskra, a liga no estrangeiro e o Conselho do Partido. Mas em pouco tempo, inclusive este será ganho pelos mencheviques, quando entre os partidários de Lênin surge uma ala conservadora que se opõe à proposta de Lênin de realizar um novo Congresso.

Notas:

1. Este Congresso é analisado minuciosamente por Lênin, baseando-se na leitura das suas atas, no seu conhecido trabalho “Um passo adiante, dois passos para trás”.

2. Uma das principais organizações socialdemocradas, baseada em operários judios mais artesãos que industriais. Sua característica positiva era seu alto nível organizativo, a dedicação e a abnegação dos seus operários. Mas tinha uma característica negativa que era seu caráter corporativo, nacionalista, pouco aberto às trocas com as outras tendências do movimento operário russo e internacional.

3. Órgão da União dos Socialdemocratas no Estrangeiro editado entre 1899 e 1902. Entre suas principais referências estão B. N. Krichevsky e A. S. Martinov. Sustentavam as posições economistas contra as quais Lênin polemiza no Que fazer.

4. Jornal editado pelo comitê socialdemocrata de Yakaterinoslav e Borba, editado no estrangeiros, que contava entre seus membros com David Riazanov. Publicou treze edições entre 1900 e abril de 1903.

5. Alusão à Manilov, um dos personagens da obra Almas Mortas, de Gogol, um cidadão de temperamento plácido, inativo e com imaginação ociosa e despreocupado com as suas questões.

 
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