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JOHNNY HOOKER REBATE NEY MATOGROSSO
“Vai ter gay pra caralho” dispara Johnny Hooker após entrevista de Ney Matogrosso
Adriano Favarin
Membro do Conselho Diretor de Base do Sintusp
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Em meio à homenagem do 28º Prêmio da Música Brasileira e da sua turnê mais bem-sucedida na carreira (“Atento aos Sinais”, iniciada em 2013), a Folha Ilustrada entrevistou há uma semana um dos ícones da MPB, Ney Matogrosso. Nessa entrevista Ney fala do reconhecimento do público e dos preconceitos das críticas, discorre também sobre momentos de sua carreira como parte dos “Secos e Molhados”, dos desafios da carreira solo e das expectativas dos próximos projetos.

Além disso, Ney desenvolveu na entrevista suas posições acerca da situação política do país e falou sobre a sua sexualidade, a relação desta com a arte e como enxerga a luta pela causa LGBT. Nesse ponto afirmou não se considerar representante de nenhuma minoria em particular, disse não se interessar por essa bandeira, “o que eu faço com a minha sexualidade não é a coisa mais importante da minha vida. Isso é um aspecto, de terceiro lugar”. E arrebatou dizendo que seria muito confortável para o sistema enquadrá-lo apenas como gay, sendo que ele não defende apenas gays, mas também índios e negros. “Que gay o caralho. Eu sou um ser humano, uma pessoa”.

De maneira sensacionalista e descontextualizada, foi com essa afirmação que o autor da entrevista resolveu dar o título pra matéria. A partir dessa matéria (mas especialmente desse título), muitas críticas jorraram pelas redes sociais, uma das mais preponderantes veio de uma das novas vozes da cena da Música Popular Brasileira (MPB). Gay assumido, pernambucano, que recém lançou seu segundo álbum, Johnny Hooker afirmou em sua rede social que Ney teria dado “uma série de declarações desastrosas” no “país que mais mata LGBTs do MUNDO (!!)”

Como é típico da nossa época, as redes sociais iniciaram uma polarização totalmente sectária e deseducativa entre #teamNey e #teamJohnny... Na realidade, porém, tanto as posições políticas de Ney quanto as de Johnny expressam uma diferença geracional no modo de enxergar o mundo, resistir às opressões e lutar por uma nova sociedade.

Nascido em 1941, em Bela Vista, Mato Grosso do Sul (na época, interior do Mato Grosso) e filho de militar, Ney Matogrosso foi ao Rio de Janeiro em 1966 decidido a ser ator. Enfrentou os preconceitos de uma época em que desafiar os padrões masculinos e se assumir gay era uma novidade de resistência, ainda mais em um país como o Brasil que estava sob as botas de uma ditadura militar. Nesse contexto, Ney Matogrosso não se submeteu, enfrentava a ditadura e os padrões heteronormativos com uma arte irreverente e afrontosa, como ele mesmo diz “isso foi pensado, queria ser um desaforo contra a ditadura, já que não pegava em armas. Eu me requebrava porque achava que podia (...) Nunca respeitei essa questão de masculino e feminino porque queria transitar com liberdade”.

De fato, Ney Matogrosso foi um ícone na resistência artística contra a ditadura militar e contra a repressão e normatividade sexual. Foi de uma geração em que o conceito de identidade sexual ainda não existia, em que lutar pela liberdade sexual era parte da luta contra o sistema capitalista. Essa geração, porém, foi derrotada. A luta pela libertação sexual foi institucionalizada. Os sonhos e esperanças dessa geração foram traídos pelo stalinismo, pela social-democracia e pelo trabalhismo (a “esquerda” hegemônica na época). Como diz Ney: “quando achei que a esquerda iria me compreender, porque eu estava tentando caricaturar a ditadura, a esquerda me descia o cacete (...) por preconceito”.

Parte do ceticismo com as lutas e com “a esquerda em geral” presente na entrevista do Ney e do giro de suas posições políticas para espectros mais conservadores são frutos dessa derrota e do papel traidor que aquela “esquerda” (stalinista) cumpriu na década de 70 e 80. Por tudo isso, Ney Matogrosso é hoje “um artista genial que perdeu o andar que o mundo tomou, ficou cristalizado, um cânone”. Com essas poucas palavras, Johnny Hooker expressou em síntese o trágico fim dos mais brilhantes artistas desse período. Caetano Veloso, Gilberto Gil e outros podem se somar nessa categoria.

Johnny Hooker representa uma nova geração de artistas que estão arrebentando os armários que o refluxo do movimento dos anos 70 nos colocou. Liniker, Rico Dalasam, Linn da Quebrada, MC Xuxu, As Bahias e a Cozinha Mineira, os Não Recomendados, e muitos outros, como o próprio Ney Matogrosso reconhece em sua entrevista “acho interessante que as pessoas estejam assim [levando a sua sexualidade ao palco], porque é uma hora muito estranha, em que há uma direita careta no poder, e essas pessoas pipocando no Brasil (...) travestis, transexuais, todos, não importa (...) vocês tem o direito de ser quem são. Sempre falei isso e demorou muito pra eu ver isso, eu surgi em 1973 e agora é que a gente vê esse tipo de coisa acontecendo. E, de uma outra maneira, não é a minha, porque eu gosto de ser do sexo masculino”.

A crítica de Johnny Hooker é correta, “não dá pra desdenhar da importância da definição em tempos obscuros como esses”. Embora Ney tenha buscado se desvencilhar da bandeira LGBT em sua entrevista apontando um viés “humanista”, em defesa de “todas” as minorias, colocando em terceiro plano sua sexualidade e afirmando não ser mais necessário desafiar e desaforar como antigamente, nossa geração sabe muito bem o preço que ainda se paga por ser LGBT quando não se mora na cobertura do Leblon, e que ainda é urgente levantar bem alto e com orgulho a bandeira da liberdade sexual e não permitir que nossa luta seja novamente domesticada e canalizada para os interesses do capital.

Ney Matogrosso jamais deixará de ser reconhecido pelo papel pioneiro e protagonista que cumpriu nos anos 70, tanto na arte quanto no engajamento desta na resistência a ditadura e pela liberdade sexual. Mas agora, abramos passagem para a nova geração de bichas pintosas, bichérrimas orgulhosas e manas afrontosas lacrarem nos palcos da MPB, do rap, do funk e das lutas sociais! Com vocês Johnny, Liniker, As Bahias, Linn, Rico, Vittar, Xuxu, Lia, Glória, Mahmundi, D’Origem e um longo etecétera.

 
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