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Declaração da FT-QI
O Brasil como elo débil da crise internacional
Declaração da Fração Trotskista - Quarta Internacional (FT-QI)

Declaração da Fração Trotskista pela Quarta Internacional, organização internacional da qual o MRT faz parte, sobre a crise aberta no Brasil.

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Dilma e o PT foram destituídos por uma ampla frente única que incluiu o poder judiciário, os partidos de oposição, setores da própria base de apoio do governo petista que passaram para o bando golpista e os grandes meios de comunicação do país.

Um golpe institucional que utilizou os esquemas de corrupção do PT com a Petrobras preservando os demais partidos que sempre participaram da mesma “festa”. Passado um ano de governo Temer, uma fração do bloco golpista encabeçada pelo poder judiciário utiliza a delação premiada no esquema de corrupção da JBS-Friboi para tentar um golpe dentro do golpe contra seus anteriores aliados.

A nova manobra de uma ala dos golpistas abre uma crise de difícil solução. Ao inviabilizar a continuidade do governo Temer sem que tenha surgido uma alternativa, se estabelece num momento de praticamente vazio de governo. A combinação entre a ação aventureira da Lava Jato, a negativa de Temer a renunciar, o fortalecimento de setores de extrema direita, a ofensiva de ajustes e reformas reacionárias, a persistência de um movimento de massas que resiste a esses ataques e a incipiente politização das Forças Armadas configuram uma conjuntura pré-revolucionária em que os meses se contam em dias e os dias se contam em horas.

Uma conjuntura que pode dar lugar a um novo governo eleito por via “indireta” pelo Congresso que consiga avançar com as reformas e frear a polarização política e social em curso, fazendo retroceder os elementos pré-revolucionários que hoje se mostram mais dinâmicos; ou, em sentido oposto, que pode terminar no aprofundamento das tendências à revolução e contrarrevolução, abrindo uma nova situação na luta de classes no país.

A seguir, buscamos desenvolver uma análise estrutural da situação e qual a política dos revolucionários para encará-la.

1) O ‘golpe dentro do golpe’ tenta evitar a polarização social, ao mesmo tempo em que estrategicamente busca impor um novo regime de domínio mais abertamente pró-imperialista

No auge do crescimento econômico do governo Lula, quando a revista The Economist colocou como capa o Cristo Redentor do Rio de Janeiro como um foguete rumo ao céu, ganhava projeção internacional a longa lista de “translatinas” ou “global players” brasileiros. Grandes multinacionais cujo controle majoritário se manteve nas mãos do capital nativo apesar da associação com o capital estrangeiro e que passaram a competir em condições de igualdade com as empresas imperialistas no mercado mundial. O pivô do atual escândalo envolvendo o presidente, a JBS-Friboi, depois de ter comprado a Swift Foods Company norte-americana, se transformou no maior frigorífico do mundo. A Vale do Rio Doce, depois de adquirir a canadense INCO e a australiana AMCI Holdings, se transformou na segunda maior mina. A Embraer, quarta fabricante de aviões. A Petrobras, que depois da descoberta dos enormes poços de petróleo debaixo do chamado Pré-Sal, se tornou a sexta maior empresa petroleira. E uma longa lista, entre as quais podemos destacar como parte das vinte maiores multinacionais brasileiras: Odebrecht, Camargo Corrêa, Gerdau, Votorantim, Aracruz, Weg, Marcopolo, Andrade Gutierrez, Tigre, Usiminas, Natura, Itautec, ALL, Ultrapar, Sabó e Lupatech. Em 2007, este “seleto” grupo faturou 30 bilhões de dólares no exterior, tinha 56 bilhões de dólares em ativos espalhados por todo o mundo, além de empregar 77 mil trabalhadores fora do país.

Algumas dessas empresas hoje têm seus donos ou executivos presos pela operação “anticorrupção” denominada “Lava Jato”. A ascensão dessa operação nos últimos anos veio acompanhada de uma escalada de protestos por parte de frações do capital imperialista em relação aos privilégios dados ao capital de origem brasileira na exploração da Petrobras. Curiosamente, as operações da Lava Jato nunca desenvolveram a investigação dos indícios de envolvimento de empresas imperialistas nos escândalos de corrupção. Entre quatro departamentos em que se divide a gigante estatal, o que conta com maior faturamento, que também é o de maior presença de capital estrangeiro, nunca foi investigado.

A função estratégica da Lava Jato é abrir o caminho para que monopólios imperialistas possam avançar sobre suas competidoras translatinas, reconfigurando a relação entre o Estado brasileiro e as empresas privadas; e por sua vez criar um novo regime político com legitimidade suficiente para aplicar reformas estruturais que transfiram uma maior quantidade de renda da população trabalhadora ao capital.

As manifestações de junho de 2013 demonstraram à burguesia que o PT já não mantinha todo seu histórico poder de contenção. Dilma foi removida do poder porque dependia do financiamento ilegal dos “global players” brasileiros para manter sua estrutura eleitoral e gerar governabilidade, ao mesmo tempo em que a pressão de suas bases ligadas aos sindicatos e movimento sociais era uma contradição para avançar, ao nível e ritmo exigidos pela crise, com os ajustes e as reformas que ela começou a implementar em 2015.

O governo de Temer com o PMDB (um dos três maiores partidos, constituído de oligarcas e caudilhos regionais em base ao clientelismo estatal), o PSDB (de Fernando Henrique Cardoso) e o DEM (herdeiro da ditadura militar), apesar de se assentar sobre uma base social mais à direita e defender uma maior subordinação ao imperialismo, mantém essencialmente os mesmos laços de dependência que o PT tinha com os rios de dinheiros provenientes dos global players brasileiros, uma vez que não demonstrou musculatura para implementar as medidas mais antipopulares sem abrir maiores crises.

Para recompor os investimentos estrangeiros e encher os cofres públicos do butim a ser dividido entre os capitalistas, Temer tentou aplicar um ajuste fiscal draconiano que desfinancia as necessidades públicas mais essenciais, assim como reformas neoliberais mais reacionárias que as que haviam sido implementadas nos anos 1990. No marco de uma crise econômica que já acumula uma queda de 8% do PIB e um aumento rápido e massivo de desemprego com mais de 15 milhões de desempregados (15% da população economicamente ativa), a ação do governo golpista forçou uma crescente polarização política e social.

Por um lado, isso fortaleceu uma extrema direita representada por Bolsonaro, que conta com crescentes 16% de intenções de voto e múltiplos laços com a polícia e as Forças Armadas. Uma direita fascistizante que defende abertamente a ditadura millitar. Por outro lado, fortaleceu os sindicatos e os movimentos sociais que se opuseram ao golpe e agora se opõem às reformas neoliberais em curso, capitalizados politicamente por Lula com mais de 30% de intenções de voto, com tendência a crescer.

A manifestação em Brasília contra a aprovação da lei que impunha um teto de gastos orçamentários em novembro do ano passado, as paralisações nacionais de 15 de março e 28 de abril (a ação mais forte e importante até agora) e a marcha que transformou Brasília em um palco de guerra no último 24 de maio expressam a continuidade de um movimento de massas que resiste às reformas neoliberais que tentam aprovar no Congresso, alimentado pela crescente raiva popular gerada pelo desemprego e a queda do poder de compra dos salários. Particularmente em oposição à reforma da previdência, que no Brasil é considerada a “mãe de todas as reformas”, a classe trabalhadora e os sindicatos têm entrado na cena política com seus próprios métodos de luta como não se via desde os anos 1980. Uma reforma tão impopular que gera descontentamento inclusive das bases sociais do golpe, cercando as paralisações de grande simpatia popular.

O golpe dentro do golpe, do qual Rodrigo Janot (Procurador Geral da República) tem sido uma peça chave, tem como objetivo evitar o aumento da polarização política e social para continuar avançando em termos pacíficos na tentativa de impor uma relação de forças sociais mais à direita e moldar um novo padrão de acumulação capitalista mais subordinado ao imperialismo.

Assim se explica porque um governo não eleito e disposto a garantir os ataques mais duros, ao demonstrar-se débil para fazê-lo, é golpeado por uma conspiração do próprio “Partido Judiciário” que o colocou no poder e que seguiu atuando quase que como um pequeno “Estado” dentro do próprio Estado. Ainda que no imediato a conspiração não tenha obtido êxito, apesar de ter sim provocado um salto perigoso na crise dos de cima.

2) Mais uma tentativa falida de criar uma ‘burguesia nacional’ com maior autonomia

Depois do famoso “milagre” de crescimento brasileiro a taxas chinesas nos anos 1970, desde a chamada “década perdida” que combinou explosão da dívida pública e hiperinflação ao longo dos anos 1980, se estabelece uma debilidade de fundo da acumulação capitalista no país. Essa debilidade, refletida em uma relativa desindustrialização e a queda no nível de produtividade da economia, foi compensada momentaneamente pelos nichos de especialização produtiva ligados à combinação entre os global players incentivados pelo Estado e as vantagens naturais do país, com a inserção subordinada no mercado internacional como grande provedor de matérias primas e de bens de baixo conteúdo tecnológico incentivados pelo “boom” chinês. Essa especialização reprimarizadora, combinada às precárias condições de trabalho, por sua vez assentou as bases para que o último ciclo de crescimento permitisse a expansão do mercado de trabalho e uma relativa diminuição da pobreza extrema, e contraditoriamente foi o que debilitou a economia pra enfrentar cenários internacionais mais adversos como o atual.

Pela importância geográfica, populacional e econômica do Brasil, o neoliberalismo dos anos 1990 implementado pelas mãos de Fernando Henrique Cardoso, apesar de ter provocado uma relativa desindustrialização, promoveu por sua vez uma série de políticas estatais ativas que assentaram as bases ao desenvolvimento dos “campeões nacionais”. Com a ajuda dos bancos públicos, vantagens outorgadas no processo de privatização e a prestação de serviço às empresas que se mantiveram como estatais, o Estado permitiu que setores do capital nacional mantivessem o controle majoritário de grandes monopólios, ainda que associados ao capital estrangeiro; enquanto que outros setores tenham sido integralmente vendidos ao capital imperialista (como grande parte das telecomunicações).

O PT, que surgiu como expressão política do grande ascenso de greves contra a ditadura no final dos anos 1970 e ao longo dos anos 1980, ao contrário de lutar para derrubar a ditadura e resistir às reformas neoliberais com os métodos da luta de classes, se constituiu como “pilar esquerdo” do regime democrático burguês, usando seu peso na classe operária para emergir como negociador de um neoliberalismo com rosto mais social.

Apoiando-se no excepcional ciclo de crescimento econômico mundial associado à bolha imobiliária norte-americana e no boom das commodities ligado à expansão chinesa, o governo Lula (em associação com o PMDB), sobre as bases criadas pelo PSDB, fez decolar um projeto de país baseado nos emergentes “global players” brasileiros, na expansão do trabalho precário e do consumo baseado no crédito barato, e no clientelismo estatal turbinado com o Bolsa Família, estabelecendo uma sinergia entre o avanço exportador e a dinamização do mercado interno.

Sob o “boom” do crescimento econômico lulista, a hegemonia solitária do capital financeiro dos anos 1990 passa a ser compartilhada com ascendentes setores da indústria, dos serviços, do minério e do agronegócio, todos ajudados pelos bancos públicos e empresas estatais. Milhões que viviam o desemprego e a miséria absoluta passam a condições de pobreza com algum consumo. Neste marco, o Brasil chega a almejar certa margem de manobra como ator no cenário internacional junto aos BRICS, aproveitando um momento em que os Estados Unidos estavam concentrados em seus problemas no Oriente Médio. Essas aspirações viram seu ponto mais alto na tentativa de estabelecer um “eixo” com Turquia e Irã, lançar-se à candidatura ao conselho permanente da ONU e a fundar a UNASUL em contraposição à OEA, etc, colocando-se como um “estabilizador” necessário aos Estados Unidos para moderar os “populistas” mais “de esquerda” como Chávez, etc.

Sobre essas bases se dá o paradoxo no qual setores monopólicos da burguesia brasileira emergem com certo grau de relativa “autonomia” para regatear melhores condições de associação com o capital estrangeiro, ao mesmo tempo em que o Brasil vivenciou a maior penetração de capital imperialista de toda sua história. Por um lado, se promove sob Lula a lei que privilegia o capital nativo na exploração do “Pré-Sal” (uma das primeiras a ser revogada por Temer). Uma medida de “proteção nacional” que se dá ao mesmo tempo em que o volume acumulado do capital imperialista que entrou no país salta de 168 bilhões de dólares entre 1990 e 1999 para 242,5 bilhões entre 2000 e 2009; um total 45% maior. Esse paradoxo é o que explica por que, apesar do avanço na penetração do capital estrangeiro, a participação das empresas de controle estrangeiro entre as 500 maiores do país caiu de 44,7% em 1999 para 41,5% em 2009.

Todo esse castelo de cartas é o que começa a se desmontar à medida que se arrasta a maior crise econômica mundial desde o segundo pós-guerra.

As massivas manifestações de junho de 2013 expressaram o choque entre as crescentes aspirações geradas pelo ciclo de crescimento econômico dos anos precedentes e os limites de um país que, por sua dependência diante do capital financeiro internacional, não pode enfrentar nenhuma de suas contradições mais estruturais como as péssimas condições de saúde, transporte e educação; ao mesmo tempo em que depende da corrupção em larga escala para gerar governabilidade.

A abundância do crédito se transforma em abundância de dívida, as promessas de melhoria gradual e a longo prazo das condições de vida, dão lugar aos ajustes e reformas reacionárias. O saldo comercial deficitário estrutural, que foi encoberto na década passada pelo “boom” das matérias primas e exportações para a China, volta a se fazer sentir. O trabalho precário cede espaço ao desemprego, os representados não se identificam com os representantes. Caem por terra as aspirações de “potência regional” que o Brasil sustentou por um período. Os setores médios da sociedade expressam seu descontentamento de forma mais ou menos ativa, com o caldo de cultura para uma longa “crise orgânica” (tomando o conceito de Gramsci, também entendido como “crise de hegemonia”), no qual as classes dominantes fracassam na “grande empresa” que se haviam proposto (e que lhes havia permitido conquistar “consenso” social) depois da ditadura militar e a ofensiva neoliberal, sem que ainda tenha surgido um novo projeto de país para substituí-la.

Setores do capital imperialista e dos “global players” brasileiros já mais internacionalizados e menos dependentes do Estado se postulam para encabeçar um novo padrão de acumulação, ainda mais subordinado ao capital financeiro internacional, no marco de um novo esquema de repartição do butim estatal. Entretanto, a perspectiva de continuidade da crise econômica mundial e as incertezas da nova administração Trump são um grande obstáculo para que se possa vislumbrar um novo ciclo de crescimento, crédito e investimentos capazes de hegemonizar camadas da burguesia não-monopolista (que são os que empregam a maioria da população), das classes médias, e setores populares, elementos sem os quais dificilmente uma governabilidade estável possa ser alcançada.

Assim, diante da baixa produtividade da “indústria nacional” e a débil acumulação de capital interno, volta a cobrar seu preço a dependência estrutural da chamada “burguesia nacional” diante do capital imperialista.

3) Os métodos reacionários e o potencial desestabilizador das disputas entre o “partido judiciário” e os partidos do “velho regime”

A principal contradição do partido judiciário é que tem poder suficiente para destruir a “velha ordem”, mas ainda não para construir uma nova. Para isso, é necessária a subordinação dos políticos dos partidos existentes e a constituição de um novo sistema de partidos.

De um lado está a casta do judiciário que não foi eleita por ninguém, que recebe os salários mais altos e os maiores privilégios do serviço público, que se julga a si mesma, que tem o poder de vazar o que quiser pra debilitar a imagem de um político perante a opinião pública ou decretar prisão preventiva por tempo indeterminado, em detrimento dos direitos de defesa mais elementares, e que agora busca aprovar no Congresso maiores poderes a si mesma. Essas são as normas da “democracia” que mantém quatro de cada dez presos sem julgamento nas prisões, em sua enorme maioria negros. É o “estado de exceção”, usado cotidianamente para reprimir o povo pobre nas favelas e garantir a participação do Estado em enormes negócios do crime organizado, agora usado para destituir presidentes, o que fortalece ainda mais a aplicação desses métodos contra os trabalhadores.

Do outro lado está a casta dos políticos, que sempre utilizou o judiciário para garantir sua impunidade, e tenta agora limitar o poder da toga, instituindo a invalidação das delações vazadas para a imprensa, o controle do Congresso das delações (hoje atribuição restrita à Procuradoria) e a punição dos juízes que abusam do poder. O PT faz parte dessa tentativa, preocupado em salvar Lula e os seus pares da prisão, para permitir sua candidatura na próxima eleição.

Essa disputa entre os poderes cada vez mais autoritários (bonapartistas) do judiciário e o instinto de auto-preservação das forças do “antigo regime” vivencia uma nova escalada com a crise atual. Os traços aventureiros do “golpe dentro do golpe” residem não somente na seleção para a imprensa de uma informação que pode derrubar um presidente sem obedecer os ritos legais constitucionais e nem mesmo verificar a autenticidade da prova. Reside, sobretudo, na ausência de um acordo prévio da Lava Jato com ao menos uma parte das forças do “antigo regime” para forçar a renúncia de Temer. Esse caráter aventureiro abre uma crise aguda que não se sabe como vai se fechar. Entramos numa ingovernabilidade do atual mandato sem que haja uma alternativa de governo, recrudescendo os componentes pré-revolucionários da conjuntura.

A Constituição prevê que nos últimos dois anos de mandato, em caso de vacância do cargo de presidente e vice, o cargo seria ocupado por eleição indireta no Congresso, a partir de fórmulas apresentadas pelos partidos dentro de 30 dias (cujos candidatos não teriam necessariamente que ser deputados ou senadores). O PSDB e o DEM, em discussão com setores do PMDB e a anuência do próprio PT (apesar do discurso público em defesa das eleições diretas), tentam por todas as vias encontrar um nome que possa suceder Temer através das eleições indiretas no Congresso, obrigando a sua renúncia a partir do desembarque unificado da maioria da base aliada do governo, forçando isso com a ajuda do “partido judiciário”.

Ainda que dia 6 de junho o Tribunal Superior Eleitoral julga a acusação de financiamento ilegal da chapa Dilma-Temer que concorreu à eleições em 2014, podendo decretar o cancelamento do resultado das eleições e debilitar ainda mais o governo, Temer articular formas jurídicas para atrasar a resolução definitiva do julgamento. Apesar dos mais de 10 pedidos de impeachment parlamentar apresentados na mesa da câmara dos deputados, os aliados de Temer travam a sua tramitação. Ao mesmo tempo, existe um amplo senso comum de que os meses exigidos para concluir o processo de um impeachment é um prazo demasiado custoso para o nível de crise política e econômica que o país atravessa.

Para além do desejo de Temer de não ir preso, a inexistência de um nome alternativo que congregue um mínimo de consenso e tenha musculatura para se manter no cargo, se somam os interesses comuns de outras forças do “antigo regime”, de auto-preservação em relação à Lava Jato.

Sobretudo tendo uma agenda comum de reformas que se enfrentam com um crescente movimento de massas, por um lado, e o fortalecimento da extrema direita, por outro.

Diante da manifestação dos sindicatos e movimentos sociais em Brasília no dia 24 de maio, contra Temer e as reformas, e diante das articulações em busca do seu sucessor, Temer convocou as Forças Armadas para tentar mostrar força. No entanto, essa medida arriscada terminou tendo o efeito oposto, obrigando-o a retroceder no dia seguinte e alentando uma politização incipiente das Forças Armadas, com comandantes participando abertamente das articulações para dar uma saída para a crise.

Frente ao recrudescimento das disputas entre os distintos setores dominantes, o principal componente que impede o desenvolvimento das tendências revolucionárias em meio à crise é o controle que o PT ainda exerce sobre os sindicatos e movimentos sociais. Com isso, bloqueiam as tendências espontâneas do movimento de massas. Essa é a grande trava que os trabalhadores precisam superar para que se desenvolvam ações históricas independentes do movimento operário e dos explorados, o que configuraria uma situação pré-revolucionária ou revolucionária mais aberta.

Refletindo sobre essas mudanças psicológicas que se configurariam na abertura de uma situação revolucionária, Trotski elaborava, tratando da Inglaterra: “A) Que o proletariado deve perder sua confiança não só nos conservadores e nos liberais, mas também no Partido Trabalhista. Tem que concentrar sua vontade e sua coragem nos objetivos e métodos revolucionários. B) Que a classe média deve perder sua confiança na grande burguesia, e nos lordes, e virar seus olhos para o proletariado revolucionário. C) que as classes possuidoras, as camarilhas governantes, rechaçados pelas massas, perdem a confiança em si mesmas”. (“O que é uma situação revolucionária?”, 1931).

Lenin, por sua vez, ao mesmo tempo em que destaca a necessidade de um “agravamento, superior ao habitual, da miséria e das penalidades da miséria nas classes oprimidas” e de “uma ação histórica independente” das massas para o amadurecimento de uma situação revolucionária, dá uma grande importância para a “impossibilidade para as classes dominantes de manterem seu domínio de forma imutável; tal ou qual “crise nas alturas”, uma crise política na classe dominante, que abre uma brecha na qual podem irromper o descontentamento e a indignação das classes oprimidas. Para que estoure uma revolução, não basta que os de baixo não queiram viver como antes, é necessário também que os de cima não possam viver como antes.” (“A bancarrota da 2ª Internacional”)

Se por um lado a “crise nas alturas” é o fator mais desenvolvido da atual conjuntura e o controle que o PT ainda exerce no movimento operário é um fator determinante de contenção das tendências revolucionárias, outro fator a analisar é a relativa passividade das classes médias diante do recrudescimento da crise a partir dos escândalos mais recentes da JBS.

Ainda que se sinta uma piora das suas condições de vida, seu empobrecimento ainda não chega aos níveis agonizantes como viveu, por exemplo, a Argentina em 2001, alcançando níveis de desemprego de 20/25%. Naquela situação extrema, as classes médias saíram às ruas quebrando as portas dos bancos cobrando suas poupanças confiscadas. Um fator que se percebe é que as classes médias que derrubaram Dilma, apesar do seu descontentamento com Temer e em particular com os efeitos da reforma da previdência em suas próprias fileiras, não saíram às ruas até agora porque temem que o agravamento da instabilidade política possa piorar ainda mais suas condições econômicas e terminar com a volta de Lula, que não apoiam. Por sua vez, as bases sociais mais amplas do PT, ainda que queiram a cabeça do Temer, como mínimo percebem o cheiro a podre de uma mobilização que serve aos interesses da Globo e da Lava Jato. Essa relativa passividade das classes médias diante da crise é o que ainda dá margem de manobra para o regime buscar um governo minimamente estável – que possa retomar com alguma legitimidade a agenda de reformas e ajustes – e fazer retroceder a “escalada aos extremos” que prima na conjuntura imediata em que se agudizou a crise do governo Temer, fechando assim seu caráter pré-revolucionário.

No entanto, num país que viveu jornadas espontâneas como as de junho de 2013, inúmeras manifestações de direita e esquerda com centenas de milhares nas ruas nos últimos anos e duas paralisações nacionais em 2017, está colocada também a possiblidade de que as classes médias se dividam e se radicalizem, e que tanto o movimento operário como as bases fascistas de Bolsonaro façam pesar em maior medida sua perspectiva no cenário nacional.

4) Greve geral até derrubar Temer e impor uma Assembleia Constituinte que anule as reformas e faça os capitalistas pagarem pela crise

Apesar das paralisações nacionais do dia 15 de março e 28 de Abril terem levado a amplas massas o sentimento de que a força da mobilização independente pode frear os ataques, o PT e a CUT e as demais centrais sindicais passaram um mês se recusando a convocar uma nova paralisação nacional.

Restringiram-se a organizar a marcha a Brasília, conscientes de que ela, por maior que fosse, não teria a força necessária para derrubar Temer e o Congresso corrupto e ajustador. Agora, passados 10 dias da escalada da crise com a tentativa de golpe dentro golpe, as centrais convocaram uma nova paralisação nacional. Se depender das direções sindicais e do PT essa paralisação não será uma paralisação ativa, organizada a partir da base, mas controlada para que não entre em ação a espontaneidade e a combatividade operária. Irão se negar a preparar assembleias de base de uma greve geral com piquetes massivos nos serviços estratégicos e nas concentrações industriais mais importantes para superar o que foi o 28A. Irão se negar a preparar uma greve geral política que se mantenha com comitês de autodefesa até que caia Temer e um eventual governo golpista que venha a sucedê-lo, e que sejam anuladas definitivamente todas as reformas. Esse seria o único caminho capaz de conquistar as camadas mais baixas da classe média para uma saída independente da Lava Jato e de todos partidos do “velho regime”.

Frente à crise aberta com a tentativa de golpa dentro do golpe contra Temer, foi a vez de Lula, Dilma e os governadores do PT buscarem canais de diálogo com Fernando Henrique Cardoso e o PSDB para fechar algum pacto de eleição indireta, assim como Lula tinha dado corda para que a bancada do PT apoiasse o candidato do governo golpista para presidir a Câmara. Entram assim em reacionárias negociações de governabilidade, de costas para o povo, renegando até mesmo o direito democrático mais elementar do sufrágio universal (enquanto o PT segue falando de “diretas já”). A combinação entre essa atitude da cúpula do PT (coerente com anos de governos petistas), e a estratégia da CUT – convocando medidas burocraticamente controladas para negociar a “reforma possível” – explicita como as Diretas Já e a luta contra as reformas para os petistas não são um sério plano de luta, mas somente parte de sua campanha eleitoral para 2018, ou uma alternativa para pactuar com os velhos partidos do regime caso um novo governo formado por eleições indiretas também venha a fracassar.

O PSOL se projetou como oposição parlamentar ao governo do PT e depois ao governo dos golpistas, contando com o capital político de mais de um milhão de votos recebidos por Freixo nas últimas eleições do Rio Janeiro. Entretanto, ao defender Diretas Já e não colocar sua força parlamentar a serviço da preparação de uma greve geral que possa realmente remover Temer e anular suas reformas, que enfrente os obstáculos que o PT e a CUT colocam nesse caminho, está mostrando os limites para se afirmar como uma alternativa independente do “velho regime” em crise. A defesa junto à REDE de Marina Silva do impeachment de Temer no Congresso alimenta a confiança de que essa crise possa se resolver nos marcos desse Congresso golpista e não pela ação das massas com seus métodos independentes de luta.

Uma política revolucionária consequente, ao contrário disso, exige lutar para surjam nos locais de trabalho e estudo comitês de base de luta contra as reformas, impulsionando a auto-organização para que milhares de trabalhadores e jovens possam tomar em suas próprias mãos a luta, e assim preparar piquetes e comitês de autodefesa para que a greve possa vencer.

Isso exige participar dos atos convocados pela Frente Povo Sem Medo (composto pela CUT, sindicatos, Movimento Sem Teto, entre outras) contra as reformas e pelo “Fora Temer”, mas participar como uma ala que defende uma política consequente para o desenvolvimento da mobilização independente das massas. Denunciando as manobras do PT e da CUT para colocar em segundo plano o eixo da luta contra as reformas e desmoralizar a mobilização com ações parciais, dispersas e mal preparadas, sem colocar os métodos da classe trabalhadora no centro da luta. Alertando que as Diretas Já (seja para todos os cargos, ou pior ainda somente para presidente, como grande parte defende) servirão apenas para mudar os políticos atuais por outros com maior “legitimidade” para aplicar os ataques. E defendendo a luta por uma nova Constituinte que anule todas reformas já realizadas e aqueles em andamento e, ataque pela raiz a corrupção e coloque no centro da discussão política todas as reivindicações operárias e populares com um programa que a crise seja paga pelos capitalistas.

Na humilde escala do que podemos fazer, essa é a luta feita pelo Movimento Revolucionário de Trabalhadores (MRT, organização da Fração Trotskista pela Quarta Internacional no Brasil) no Sindicato dos Trabalhadores da USP, na oposição dos sindicatos da educação em diferentes capitais do país, na oposição no Sindicato dos Metroviários de São Paulo, entre rodoviários de Porto Alegre e em algumas das principais universidades e diversas categorias do país, chegando a centenas de milhares de leitores através do Esquerda Diário. E buscando que a CSP-Conlutas construa um polo alternativo à burocracia sindical no movimento sindical. Fazemos isso explicando que essa luta permitirá que os trabalhadores e o povo pobre façam a experiência com os mecanismo da democracia para os ricos e assumam para si a necessidade de lutar por um governo dos trabalhadores de ruptura com o capitalismo.

5) O caráter histórico da crise aberta no Brasil e a luta pela construção de um partido revolucionário

No Brasil se travam embates decisivos do intento de transformar os avanços superestruturais que a direita teve na América do Sul, como subproduto da crise econômica mundial e do desgaste dos governos pós-neoliberais, em uma relação de forças sociais mais à direita a partir de descarregar os custos da recessão sobre as costas das massas.

O cenário continental tem pontos de contato com aquele que se abriu ante o declive dos governos chamados “populistas” (em linguagem marxista: “bonapartistas sui generis”) dos anos 1950, que pela força da penetração do capital imperialista deu origem a governos bonapartistas de esquerda e de direita, combinados com processos de ascenso e retrocesso do movimento de massas. Trotski definia que “Nos países industrialmente atrasados o capital estrangeiro desempenha um papel decisivo. Daí a relativa debilidade da burguesia nacional em relação ao proletariado nacional. Isso cria condições especiais de poder estatal. O governo oscila entre o capital estrangeiro e o nacional, entre a relativamente fraca burguesia nacional e o relativamente poderoso proletariado. Isto dá ao governo um caráter bonapartista sui generis, de índole particular. Eleva-se, por assim dizer, por cima das classes. Na realidade, pode governar convertendo-se em instrumento do capital estrangeiro e submetendo o proletariado às amarras de uma ditadura policial, ou manobrando com o proletariado, chegando inclusive a fazer-lhe concessões, ganhando deste modo a possibilidade de dispor de certa liberdade com relação aos capitalistas estrangeiros. (L. Trotski, “A indústria nacionalizada e a administração operária”, 1939). Na América Latina dos anos 1950 e 60, a crise desse tipo de governos durou de 10 a 20 anos, dependendo do país, sendo que o movimento de massas só pôde ser derrotado decisivamente com a instauração das ditaduras militares.

A “crise orgânica” que o Brasil atravessa desde o fim do ciclo de crescimento lulista e das jornadas de junho de 2013 não poderá ser resolvida enquanto não surja um governo que alente aspirações passíveis de serem cumpridas por uma nova dinâmica econômica ascendente, capaz de superar os 8% de PIB negativos e fazer retroceder qualitativamente o número de 15 milhões de desempregados. A crise econômica mundial coloca esse cenário como algo difícil de ocorrer em vários anos. Seja por uma longa recessão ou por uma piora do cenário depressivo, o mais provável é que ainda estejamos nos prelúdios dos embates decisivos entre os distintos setores dominantes e desses contra o movimento de massas até que se possa recompor um novo padrão de acumulação capitalista. Para além dos resultados dos embates imediatos, as fissuras irão se fechar e voltar a se abrir para que o movimento operário se radicalize e protagonize um ascenso revolucionário, seja diante de novos governos de direita ou de centro-esquerda.

Apesar de que somos conscientes da pouca força que têm os revolucionários para intervir decisivamente na crise atual, confiamos em que o impulso da auto-organização através dos comitês de base de luta contra as reformas, na medida em que se liguem a processos de politização e radicalização de setores de massas, pode permitir saltos na construção de um partido revolucionário que tire as conclusões da experiência com o PT e faça valer a força da mobilização independente da classe trabalhadora na luta contra a subordinação ao imperialismo.

Para expressar essa luta no terreno político, pedimos a entrada ao PSOL como tendência interna, com a perspectiva de lutar pela orientação do partido que hoje aparece como a alternativa mais visível à esquerda do PT.

Todas as demais organizações que se reivindicam classistas e anticapitalistas no país, desde as que se posicionaram como quinta roda do golpismo da Lava Jato (MES de Luciana Genro) ou com a política de “Fora Todos” (PSTU), até as que se opuseram ao golpe porém sem uma política consequentemente independente do PT (as demais tendências internas do PSOL), e inclusive as que se colocaram criticamente à Lava Jato e contra o golpe de forma mais delimitada do PT (como o MAIS, a NOS e a Insurgência); hoje estão todas defendendo juntas as Diretas Já como política concreta ante a crise do PT. Isso num momento em que a chave seria que a esquerda independente do PT fizesse uma enorme agitação de massas unificada para denunciar a política burocrática e conciliadora da CUT, exigindo uma greve geral até que caiam Temer e as reformas, assim como impulsionar a auto-organização a partir das bases, de forma que possa se constituir, em meio à luta, uma alternativa à burocracia cutista que seja visível para setores de massas.

A partir do MRT chamamos a todos esses setores a construir conjuntamente um polo para dar essa batalha não só no locais de trabalho e estudo, mas também no chamado ao PSOL para que ponha sua força parlamentar a serviço de projetar essa voz nacionalmente.

É desse ponto de vista que os revolucionários devemos encarar a luta por uma orientação justa para intervir na crise atual e a tarefa estratégica de construção de um partido revolucionário. Impulsionamos a luta por uma nova Constituinte imposta com a força da mobilização para dialogar com as ilusões das massas no sufrágio universal, brigando para que a partir de uma experiência mais profunda com a democracia burguesa possamos ganhar a maioria da população para construir um governo dos trabalhadores de ruptura com o capitalismo, baseado em organismos de democracia direta das massas em luta. Não uma Constituinte como a de 1988, pactuada com os militares para conter as tendências revolucionárias que ameaçavam a ditadura. Mas sim um processo Constituinte que libere as forças revolucionárias contra as medidas reacionárias do bloco golpista e faça pesar os interesses mais estruturais da maioria explorada e oprimida na cena política nacional, pondo na ordem do dia a ruptura com o imperialismo, o não pagamento da dívida pública aos banqueiros, a combinação entre reforma agrária e expropriação do agronegócio, e a nacionalização sob administração dos trabalhadores dos monopólios como a Odebrecht e a JBS-Friboi, para colocá-los a serviço das grandes maiorias exploradas e oprimidas.

Veja aqui o Manifesto por uma Internacional da Revolução Socialista

A Fração Trotskista pela Quarta Internacional é composta pelo Partido de los Trabajadores Socialistas (Argentina) - Revolutionäre Internationalistische Organisation (alemanha) - Left Voice (EUA) - Corriente Revolucionaria de Trabajadores y Trabajadoras (Estado Espanhol) - Partido de Trabajadores Revolucionarios (Chile) - Movimiento de Trabajadores Socialistas (México) - Integrantes de la FT-QI en la Courant Communiste Révolutionnaire del NPA (França) - Movimento Revolucionário de Trabalhadores (Brasil) - Liga de Trabajadores por el Socialismo (Venezuela) - Liga Obrera Revolucionaria (Bolívia) - Juventud Revolucionaria Internacionalista (Uruguai)

 
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