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ENTREVISTA
Plínio Sampaio: A crise política brasileira expressa o colapso do pacto político cristalizado na Constituição de 1988
Redação

Entrevistamos Plínio de Arruda Sampaio Jr., economista graduado pela FEA-USP, mestrado, doutorado e livre-docência pela UNICAMP, importante intelectual marxista da atualidade no Brasil, que nos comentou sua visão sobre a crise política nacional que passa o país, o papel dos trabalhadores nesse processo e as respostas para essa crise.

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Foto Ramiro Furquim

Entrevistamos Plínio de Arruda Sampaio Jr., economista graduado pela FEA-USP, mestrado, doutorado e livre-docência pela UNICAMP, importante intelectual marxistas da atualidade no Brasil, nos comentou na entrevista sua visão sobre a crise política nacional que passa o país e as respostas para essa crise.

Partindo de oferecer um panorama histórico que parte da constituição de ’88 e faz um percurso a crise atual. Nesse sentido, afirma que "em perspectiva histórica, a crise política revela a inadequação do padrão de dominação cristalizado na transição da ditadura militar para a Nova República para atender às exigências do novo padrão de acumulação que a divisão internacional do trabalho reserva ao Brasil".

A partir disso, ao contrário das visões que veem a crise apenas sobre a ótica do "jogo dos de cima", como se a crise de Temer tivesse vindo apenas das delações, como a de Joesley, Plínio aponta outro viés em que afirma que "O sucesso da Greve Geral provocou uma inflexão imediata na correlação de forças da luta de classes, quebrando o ímpeto da ofensiva avassaladora da burguesia. Da noite para o dia, o que parecia impossível - deter os ataques sistemáticos contra os direitos dos trabalhadores - ficou ao alcance da luta política. O governo, que parecia inabalável, começou a desmanchar-se".

A entrevista termina com Plínio comentando que uma saída para a crise deve partir dos objetivos estratégicos e encontrar as mediações táticas, partindo do nível de consciência atual dos trabalhadores. Nesse sentido, afirma que "A definição de uma tática para a conjuntura é o grande desafio da luta política. Para as forças socialistas o repto consiste em fazer as mediações que mostram os nexos entre a revolução como necessidade histórica e a luta política cotidiana. O objetivo é traçar um caminho que permita à classe trabalhadora acumular força - consciência de classe e organização política - para que possa alcançar seus objetivos estratégicos."

Veja a entrevista na íntegra abaixo, realizada por Iuri Tonelo, do portal Esquerda Diário.

ED: O que expressa a crise política que o país enfrenta hoje?

A crise política brasileira expressa o colapso do pacto político cristalizado na Constituição de 1988. A contradição fundamental que levou ao naufrágio do sistema político brasileiro encontrava-se latente desde a institucionalização de democracia restrita na transição da ditadura militar para o Estado de direito. Ela decorre da incompatibilidade irremediável entre as promessas da chamada "Constituição Cidadã", que acena com a possibilidade formal de um capitalismo domesticado, e a dura realidade do capitalismo selvagem, que exige a permanente reprodução da segregação social e da dependência externa. Em tempos de crise estrutural do capital, que coloca na ordem do dia a necessidade de uma violenta ofensiva do capital sobre o trabalho, essa contradição se transforma em antagonismo aberto.

O choque decisivo entre as ilusões da luta por dentro das instituições e as possibilidades concretas do capitalismo realmente existente ficou escancarado nas Jornadas de Junho de 2013, quando a juventude foi às ruas para exigir políticas públicas, responsabilidade no uso dos recursos do Estado e respeito à coisa pública e os poderes instituídos, liderados pela Dilma Rousseff, responderam com a agenda do ajuste neoliberal, desperdício de dinheiro público e carta branca para a corrupção (em nome do progresso e da governabilidade). A partir desse momento, ficou evidente a impossibilidade de manter a "paz social" selada a duras penas na transição negociada da ditadura militar. Para a juventude trabalhadora que foi às ruas, o "melhorismo" de Lula e Dilma era pouco. Para os donos do poder, as mesquinhas políticas assistencialistas da anos petistas tinham ido longe demais. A guerra de classe estava instalada.

De 2013 para cá, assistimos à gangrena do sistema político brasileiro. Liderados pela grande mídia, Rede Globo à frente, o Ministério Público e a Justiça Federal puseram em marcha uma versão tupiniquim da operação "Mãos Limpas". A judicialização da política e a espetacularização dos escândalos expuseram as entranhas do poder. O que todos os brasileiros suspeitavam era verdade. A podridão é generalizada. Os partidos e as lideranças políticas foram trucidadas. Ficou evidente que a corrupção é um elemento constitutivo, estrutural, do padrão de dominação. O controle do grande capital sobre os poderes políticos ficou explicitado. O sistema político foi liquidado. Os que imaginavam que a limpeza ficaria restrita aos partidos que representavam a esquerda da ordem quebraram a cara. Pela via reacionária, está em pleno curso uma verdadeira operação "Fora Todos" que não deixará pedra sobre pedra.

Posta em perspectiva histórica, a crise política revela a inadequação do padrão de dominação cristalizado na transição da ditadura militar para a Nova República para atender às exigências do novo padrão de acumulação que a divisão internacional do trabalho reserva ao Brasil. Assim como o colapso da economia cafeeira em 1929 desestabilizou as bases objetivas e subjetivas da República Velha, abrindo espaço para a emergência do Estado Novo e do pacto populista, a crise terminal do processo de industrialização e a revitalização do latifúndio, extrativismo mineral e rentismo generalizado exigem um novo padrão de dominação. A uma economia em reversão neocolonial corresponde necessariamente um sistema político de tipo neocolonial. O movimento da crise procura uma solução para esse problema concreto. A burguesia que surgiu da inserção subalterna na ordem global ainda não encontrou uma solução para seus problemas econômicos e políticos. Os novos donos do Brasil sabem o que não querem, mas ainda não foi definido o que deve ser colocado no lugar. O desdobramento da crise deve se arrastar por um bom tempo. Na crise de 1929, o processo durou décadas.

ED: Qual a relação entre a greve do dia 28 de abril e a crise do governo Temer?

Um governo que surgiu de maneira espúria, do vácuo de poder provocado pelo colapso da autoridade política de Dilma Rousseff, estava condenado inexoravelmente a sofrer um déficit crônico de legitimidade e a viver permanentemente sob o espectro de crises catastróficas. Sem qualquer base de sustentação popular, sua sobrevivência ficou condicionada ao cumprimento da agenda de ajuste imposta pelo grande capital - a famigerada "Ponte para o Futuro" que dobrava a meta do ajuste iniciado por Dilma, Levy e Barbosa. No momento em que deixasse de cumprir sua missão, seu prazo de validade venceria.

Nessas condições, o futuro de Temer/Meirelles passou a depender de duas condições básicas: a existência de uma base parlamentar para violentar sistematicamente a Constituição de 1988 e o imobilismo das massas. Enquanto pode fazer o trabalho sujo de atacar sistematicamente os direitos e as condições de vida dos trabalhadores, a República dos Delinquentes gozou de incondicional apoio da grande mídia, absoluto beneplácito do Judiciário e carta branca da burguesia para comprar quem quer que fosse e para reprimir quem quer que ousasse questionar o ajuste.

Contudo, a guerra aberta contra a classe trabalhadora só poderia continuar pela via parlamentar-institucional enquanto os que vivem do próprio trabalho permanecessem passivos. Essa é a importância concreta do dia 28 de abril. Vencendo a resistência dos partidos que representam a esquerda da ordem, cúmplices envergonhados do ajuste liberal, a inércia das burocracias sindicais e o cerco implacável da grande mídia, a ação unitária da classe operária explicitou para o conjunto dos brasileiros o caráter reacionário das medidas adotadas pelo governo Temer/Meirelles e evidenciou a necessidade de buscar outros caminhos para enfrentar a crise que paralisa a economia.

O sucesso da Greve Geral provocou uma inflexão imediata na correlação de forças da luta de classes, quebrando o ímpeto da ofensiva avassaladora da burguesia. Da noite para o dia, o que parecia impossível - deter os ataques sistemáticos contra os direitos dos trabalhadores - ficou ao alcance da luta política. O governo, que parecia inabalável, começou a desmanchar-se. Passou a ser questionado, de baixo para cima, pela emergência das massas nas ruas, e, de cima para baixo, pelo acirramento da luta fratricida entre as diferentes frações da burguesia que, temendo a emergência do povo na história, não se entendem em relação à via para recompor a eficácia do padrão de dominação.

ED: Setores da esquerda, mas também da direita, falam em Diretas Já. Não seria o momento da esquerda ir além e reivindicar uma mudança das regras de jogo, com uma Assembleia Nacional Constituinte?

A definição de uma tática para a conjuntura é o grande desafio da luta política. Para as forças socialistas o repto consiste em fazer as mediações que mostram os nexos entre a revolução como necessidade histórica e a luta política cotidiana. O objetivo é traçar um caminho que permita à classe trabalhadora acumular força - consciência de classe e organização política - para que possa alcançar seus objetivos estratégicos. O ponto de chegada é a revolução brasileira - nossa trincheira da revolução mundial. O ponto de partida é o problema concreto da classe: deter a ofensiva avassaladora da burguesia sobre os direitos dos trabalhadores e sobre as instituições democráticas e abrir novos horizontes para uma vida digna. A mediação entre a orientação estratégica e as tarefas práticas não pode ignorar o baixo patamar em que se encontra o acúmulo político da classe trabalhadora, após a grande frustração provocada pelos treze anos de governos petistas.

O plano de lutas, condensado nas definições táticas de cada momento concreto, deve apontar uma saída para a barbárie impulsionada pelo avanço galopante da reversão neocolonial. O importante é a organização da esperança, evidenciando os responsáveis pelas mazelas do povo e a força necessária para enfrentá-los. A tática deve demarcar um caminho que vai dos problemas concretos às causas últimas, pois é assim que a classe trabalhadora adquire a possibilidade de acumular conhecimento sobre as caos desafios da luta de classes. O importante é identificar os nós a serem desatados, as maneiras de desatá-los, bem como o que deve ser colocado no lugar, isto é, identificar os interesses de classe responsáveis pela exploração e dominação dos trabalhadores, a força necessária para vencê-los e a possibilidade de uma organização social alternativa.

Na definição das tarefas táticas, é vital evitar tanto a ilusão de que os problemas possam ser resolvidos pela via institucional - a ordem ruiu - como a ilusão de soluções abstratas - a revolução já. A primeira, conduz ao oportunismo, a segunda a um ativismo estéril. A linha de menor resistência leva os trabalhadores para o moinho da esquerda da ordem. O esquerdismo desconecta a vanguarda socialista da classe trabalhadora e reforça o imobilismo das massas.

A tática não pode se ater, no entanto, a uma avaliação estática da correlação de forças, pois o que não é palpável hoje, pode ser amanhã. Os efeitos políticos da greve geral mostram isso. Sem uma alteração profunda na correlação de forças, o máximo que se pode propor é uma atenuação da intensidade do ajuste, sem colocar em questão a o próprio ajuste. É o que faz o PT. A tarefa imediata das forças de esquerda é, portanto, de um lado, resistir à ofensiva do capital; e, de outro, colocar na ordem do dia a necessidade de mudanças estruturais - a revolução brasileira.

É claro que, hoje, a revolução brasileira não está no horizonte, mas se ela nunca for colocada como uma necessidade histórica incontornável, é impossível romper o círculo vicioso da miséria do possível que nos condena a buscar a quadratura do círculo, tentando resolver os problemas do povo sem mexer em nenhum de seus condicionantes reais. É preciso aproveitar a grave crise econômica e o naufrágio do sistema político para afirmar a necessidade de mudanças profundas. É a hora de semear. Sem apresentar uma alternativa para a organização da economia, não há como deter o avanço do ajuste neoliberal. Sem uma resposta radical à crise que liquidou o sistema político, é impossível resgatar a confiança na luta de classes como único meio de superar a dominação burguesa. Sem enfrentar os grandes meios de comunicação, a disputa do espaço público vira um embuste. Se o plantio for bem feito, chegará o momento da colheita.

Para fugir da sinuca de bico que nos condena a fazer o triste papel de esquerda da ordem, as organizações comprometidas com a revolução brasileira devem investir todos os seus esforços na construção de uma força política extra-institucional. O desafio é superar teórica e praticamente o programa democrático-popular. É a hora e a vez de organizar a vontade política dos que lutam por mudanças estruturais. Sem isso, gostando ou não, a esquerda socialista permanecerá caudatária do petismo.

Para sair da estaca zero, devemos atacar os problemas mais candentes que afetam a vida do povo sem nos preocuparmos em encontrar fórmulas heróicas que impeçam o naufrágio de uma ordem política historicamente condenada. A verdade é que não temos como evitá-lo. Devemos aproveitar a conjuntura histórica ímpar para dialogar com a classe operária e não com a classe política. A conversa deve ser franca e direta. O "Fora Temer" tem de vir acompanhado do "Fora Ajuste", "Ajuste Neles", "Revogação de todas as leis passadas por Temer", "Investigação da corrupção dos bancos e do sistema judiciário", "Expropriação imediata das empresas envolvidas em corrupção", "Fim da Lei de Responsabilidade Fiscal", "Plano emergencial de frentes de emprego", etc. As consignas "Eleições Diretas", "Eleições Gerais" e mesmo "Assembleia Nacional Constituinte", reivindicações democráticas legítimas, não podem ser dissociadas da luta por "Plena liberdade de organização política e sindical", "Cassação da Rede Globo", "Fim do monopólio dos meios de comunicação", "Proibição do financiamento privado das campanhas políticas". Essa é a conversa séria, que dialoga concretamente com as preocupações dos trabalhadores brasileiros. Se as fábricas pararem e as mobilizações populares tomarem as ruas, o que parecia impossível ontem tornar-se-á realidade amanhã.

Plínio de Arruda Sampaio Júnior, professor do Instituto de Economia da UNICAMP, 23/05/2017.

 
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