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TRIBUNA ABERTA - GOLPE DE 64
Lembrar para não esquecer: o que ficou da ditadura militar brasileira?
José Ferreira Júnior
Serra Talhada – Pernambuco
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Faz cinquenta e três anos que se instalou no poder, no Brasil, à semelhança do ocorrido em outros países latino-americanos, o governo militar ditatorial e que no exercício do poder permaneceu por 21 amargurantes anos.

A ascensão militar ao poder resultou de uma trama que possuiu diversidade de atores: a mídia (capitaneada pelas organizações Globo, na figura do patriarca, Roberto Marinho), políticos conservadores e a serviço dos interesses capitalistas estrangeiros (Magalhães Pinto e Carlos Lacerda, por exemplo), Igreja católica e protestante e, claro, um sem número de intelectuais orgânicos.

O discurso que buscava legitimar a ânsia de obtenção do poder se assentava no civismo e na necessidade de segurança nacional contra o perigo do comunismo, tomando-se como "exemplo" a ser evitado a Revolução Cubana, ocorrida em 1959. Na verdade, o que ocorria era a objetivação de interesses norte-americanos no continente americano, no referente a buscar, a qualquer custo, impedir que experiências "vermelhas", como a ocorrida em Cuba, se multiplicassem, no marco de uma ascensão de massas no pais, que superava as estruturas de controle político e sindical da época.

Convém lembrar que se estava na efervescência da Guerra Fria e o mundo estava bipolarizado entre capitalistas e o denominado “socialismo real”, capitaneados, respectivamente, por EUA e URSS... E que nesse embate ideológico, a corrida era por obtenção de espaços privilegiados, uma vez que se havia a ameaça de um terceiro conflito mundial... Obviamente, os "donos" das Américas não iriam permitir que o inimigo fincasse seu bastião em seu quintal... Cuba já fora uma afronta... Para não mais transtornos, patrocinam, os Estados Unidos, as ditaduras latino-americanas e, quanto a Cuba, expulsam-na da Organização dos Estados Americanos (OEA) e promovem-lhe um cordão sanitário.

O explanado se atrela ao fato acontecido que, se somente ficar na esfera do acontecido se encerra nessa esfera, porém se lembrado, como disse Walter Benjamim, “é sem limites, porque é apenas uma chave para tudo que veio antes e depois”.

Diante disso, LEMBRAR é palavra de ordem, principalmente quando existe uma intencionalidade velada para se ESQUECER... NADA se falou na mídia sobre o ocorrido, em 1964. À semelhança de outros fatos históricos que em nada interessam à classe dominante, como, por exemplo, as batalhas de Canudos e a escravidão, providências são tomadas para que a suas memórias sejam esquecidas...
Nos exemplos citados, respectivamente, as atitudes pró esquecimento foram: a construção do açude de Cocorobó, inundando os resquícios do arraial do Belo Monte e, consequentemente, afogando a memória da utopia de Antônio Conselheiro; a queima dos documentos relacionados à escravidão, determinada por Ruy Barbosa.
Assim, convém não se esquecer de lembrar o ocorrido em 31/03/1964, porque sua lembrança é elemento determinante à apreensão do que hodiernamente se observa e, como disse Antônio Gramsci, há a necessidade de “atrair violentamente a atenção para o presente, do modo como ele É, se se quer transformá-lo. Pessimismo da razão, otimismo da prática”.

Assim, vejamos, em poucas linhas, o que resta da ditadura...

Verifica-se, naquilo que se chamou Nova República, uma caricatura do que se pretende ser novo, uma vez que partidos políticos e grande parte dos políticos que os compõem nada mais são que reedições do ontem ditatorial, veja-se, como exemplo, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e Democratas (DEM)... As mesmas caras... Ou seja, tem-se um sistema político que se alicerça no espectro ditatorial... Sob uma aparência pluripartidal, prevalece a inexistência do novo... Mantém-se o enraizamento no solo apodrecido ditatorial.

Essa reedição político-partidária resulta de uma transição pactuada, na verdade de uma ausência de ruptura, visto que o que se convencionou chamar Nova República é inaugurada com votação indireta e presidida por José Sarney, figurinha carimbada da ditadura... Lembrando que Partido da Frente Liberal (PFL), partido a que pertencia José Sarney, era dissidência do Partido Democrata Social (PDS), que era a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) com outro vestido... O sistema político brasileiro hodierno, em seu existir, contraria o poeta que diz; “o passado é uma roupa que não nos serve mais”... Para essa gente que protagoniza a farsa da democracia representativa, salvo poucas exceções, o passado é roupa que serve perfeitamente.

A transição pactuada, por sua vez, traz à baila um documento constitucional, apelidado de “Constituição Cidadã”, que dentre outros contrapontos à cidadania, porta em si o instrumento do impeachment, dispositivo antidemocrático, porém travestido de democracia; traz à cena um quadro pintado pela violência com suas multifaces, visto o Brasil ter sido o único país sul-americano onde torturadores foram anistiados, porquanto não houve justiça, onde se verifica a prática aberta de apologia à ditadura, por parte de oficiais da ativa ou da reserva e, ainda, passados mais de meio século, a sociedade brasileira ainda convive com ocultamento de cadáveres das vítimas das Forças Armadas, bem como com o fechamento, por lei, dos arquivos da ditadura.

Mesmo diferenciando regimes políticos, a violência também se revela na criminalização dos movimentos sociais (fato típico do período ditatorial), na “incompetência” do Estado na tutela dos encarcerados, o que gera carnificinas recorrentes nos espaços prisionais brasileiros; na existência do Estado de Exceção vivenciado nos morros e favelas e ou em práticas legais, como o modismo contemporâneo da condução coercitiva, acionado a toque de caixa, um dos elementos constituintes das arbitrariedades de membros do Judiciário.

O conservadorismo, que se pauta na defesa de uma moral religiosa, como o foi nos idos da ditadura, é hoje algo macroscopicamente observado. Podemos fazer um paralelo comparando elementos da tosca Marcha da Família com Deus pela Liberdade, ocorrida em 1964, com determinadas manifestações hodiernas de cunho moral religioso, verifica-se, meio século depois, que “crentes”, estimulados por seus líderes (majoritariamente protagonistas de práticas capitalistas travestidas de exercício de fé), vão às ruas e proferem palavras de ordem contra a diversidade, estimulando o ódio à parcela LGBT da sociedade.

A educação é outro espaço onde se observam práticas que possuem raízes no ontem ditatorial... A Reforma do Ensino Médio feita à revelia da sociedade, mais principalmente dos educadores, que promove a supressão de maneira disfarçada (porquanto coloca como opção) do ensino de História e, ao ensino da Sociologia e da Filosofia, promove espaço mínimo. Correndo por fora e desejosa de se fazer objetivada, tem-se a Escola sem Partido (que é possuidora de partido), defensora do fim do ensino de marxismo em sala de aula, a quem chama de doutrinação e da proibição da discussão da ideologia de gênero, dentre outros disparates, sob pena de prisão e demissão do professor que se mostrar reticente às suas determinações.

Por fim, mais dois elementos, típicos da ditadura, mostram-se presentes na sociedade hoje: o neomarcathismo e o salvacionismo. O primeiro é observado na intolerância proveniente de uma direita raivosa, que não dialoga com quem lhe contesta, mas que tacha todo e qualquer pensamento contrário ao seu de petralha (como se todo mundo fosse petista, mesmo aqueles que criticam o golpe institucional, porém mantendo independência política) e recomenda partida para Cuba, mesmo com a restauração capitalista em curso na ilha cubana. O segundo, por sua vez, revela-se na “eleição” de heróis destinados a salvar o país da crise instalada, desde 2014. Essa “eleição” resulta das ruas verde-amareladas e das sonoridades das batidas de panelas, ações protagonizadas por uma classe média desiludida.

Historicamente falando, lembrar é imprescindível, ainda que seja nefasto o objeto da lembrança... Somente assim, não esquecendo, apreende-se a fenomenologia presente no presente e verifica-se que o fantasma da ditadura, que com a promulgação da “Constituição Cidadã de 1988” muitos pensavam estar sepultado, revela-se vivo, bem vivo. Só sem esquecimento e realizando um balanço político podemos encontrar pontos de apoios na atualidade para sair da defensiva.

 
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