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POLÊMICA NA ESQUERDA
É o momento de defender Assembleia Constituinte no Brasil?
Ricardo B

Recentemente, o blog “Não passarão” publicou um artigo em que critica política de reivindicar uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana imposta pela luta. Será que a crítica tem bases teóricas ou estratégicas?

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No artigo “Constituinte como demanda transitória. Porque não se aplica ao contexto brasileiro?”, o autor comete sérios erros, como dizer que uma nova assembleia constituinte seria mais reacionária, e dar a entender que a classe operária está pronta para a tomada do poder no Brasil.

A Assembleia constituinte ao longo da história

A Assembleia Constituinte foi levantada centralmente pelos revolucionários (bolcheviques a princípio, depois por Trotsky) em diversas situações, sobretudo em países atrasados em relação à democracia burguesa como a Rússia czarista, China e Índia. Mas o fato de ter sido centralmente levantada principalmente nessas situações, quer dizer que só pode ser levantada em situações iguais ou semelhantes? Diferente do que propõe o blog Não Passarão, a resposta é NÃO.

Para começar, vamos a situações históricas. Os bolcheviques não só levantaram essa demanda no período czarista (centralmente), mas também no período pós-fevereiro (secundariamente). Compreendiam que mesmo que a constituinte acontecesse antes da tomada do poder, ela seria um passo adiante na ruptura com o regime burguês, pois seria um espaço de embate dos interesses operários e revolucionários contra os interesses, que então obrigatoriamente deveriam ser expostos, dos burgueses e conciliadores. Não só por isso, mas seria um espaço de agitação,de oportunidade de crescimento e construção do partido revolucionário e enriqueceria a experiência de parlamentarismo revolucionário das massas.

A teoria trotskista corrobora com as informações aqui citadas. Existe uma carta de Trotsky chamada “A Palavra de Ordem de Assembléia Nacional na China”. Esse escrito é fundamental para compreender a importância estratégica da palavra de ordem que nós do MRT levantamos, e que todos os trotskistas deveriam levantar: de uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana imposta pela luta, como forma de colocar em discussão, perante todos os setores da população, as pautas transitórias candentes à classe operária brasileira. Essa constituinte seria um passo adiante na ruptura com o capitalismo e na construção do poder operário no Brasil.

Cito aqui um trecho do escrito de Trotsky anteriormente citado. Nesse trecho é explicitada toda a importância da ACLS para avançar na luta pela construção de um partido revolucionário e por um governo operário:

”Na Rússia, a Assembléia Constituinte durou apenas um dia. Por que? Porque surgiu muito tarde: o poder soviético já existia e entrou em conflito com ela. Neste conflito, a Assembléia Constituinte representava o "antes" da revolução. Todavia, suponhamos que o Governo Provisório burguês houvesse tido a iniciativa de convocar a Assembléia Constituinte em março ou abril. Poderia ser? Claro que sim. Os kadetes [2*] empregaram todas as artimanhas legais para postergar a convocação da Assembléia Constituinte, com a esperança de que a maré revolucionária refluísse. Os mencheviques e os social-revolucionários seguiram os kadetes. Se os mencheviques e os social-revolucionários houvessem tido um pouco de iniciativa revolucionária, teriam podido convocá-la em poucas semanas. Os bolcheviques teriam participado nas eleições e na assembléia? Sem dúvida, porque éramos nós os que exigíamos que se convocasse a Assembléia Constituinte o quanto antes. Uma convocação antecipada da Assembléia teria alterado o curso da revolução, em detrimento do proletariado? De maneira alguma. Talvez vocês recordem que os representantes das classes possuidoras russas e, em sua garupa, os conciliadores [3*], estavam a favor de remeter a resolução de todos os problemas importantes da revolução "para a Assembléia Constituinte", ao mesmo tempo em que retardavam a sua convocação. Isso permitia aos latifundiários e capitalistas a oportunidade de esconder, até certo ponto, seus interesses de proprietários na questão agrária, industrial etc. Se a Assembléia Constituinte houvesse sido convocada, digamos, em abril de 1917, a mesma haveria de enfrentar todos os problemas sociais. Nesse caso as classes possuidoras teriam sido obrigadas a colocar todas as suas cartas sobre a mesa e o papel traidor dos conciliadores teria sido explicitado. O bloco bolchevique da Assembléia Constituinte teria conquistado grande popularidade e isso lhe permitiria ganhar a maioria dos sovietes. Em tais circunstâncias, a Assembléia Constituinte não duraria um dia mas, quem sabe, vários meses. Isso enriqueceria a experiência política das massas trabalhadoras, e ao contrário de atrasar a revolução proletária a teria antecipado.”

Mais tarde o mesmo programa foi levantado em 1934 para a França, país que já havia passado por uma revolução burguesa há mais de um século. O caso da França até é citado no artigo do Não Passarão:

“Já na França, que na metade dos anos 30 atravessava um acirramento da luta de classes em consequência dos ataques bonapartistas do governo Doumerge contra a classe operária, Trotsky escreve o "Programa para a ação", defendido pela seção francesa da Quarta Internacional, a Liga Comunista da França. Neste programa, ao mesmo tempo que Trotsky defendia a dissolução da Presidência e do Senado para a criação de uma Assembleia Única, ligava esta última à ruptura com o capitalismo: "Abaixo o ‘Estado autoritário’ burguês! Pelo poder operário e camponês!"”.

Ora, se na França de 1934, país da grande revolução burguesa, que atravessava um acirramento da luta de classes, a palavra de ordem da “assembleia única”era tão apropriada quanto agitar a tomada do poder, por que no Brasil não é apropriada?

Para ir mais além: se meses antes da tomada do poder na Rússia, onde havia uma consciência de classe muito avançada e o partido bolchevique para dirigir a tomada do poder,a constituinte seria progressiva, por que no Brasil a ACLS seria reacionária?

Resposta à crise política

O Brasil atravessa nos últimos anos um período instável, enfrenta crise econômica, crise social e crise política. Mas dos três aspectos da crise, o que pesa mais, atualmente, é o da crise política.Se faz necessário uma resposta a essa crise.

Estamos passando por um período de grande deslegitimação da casta política, onde os partidos centraisperdem cada vez mais credibilidade, figuras “outsiders” crescem como alternativa tanto à direita como à esquerda e parece que nem a burguesia tem consenso sobre o que fazer.

Para não deixar que as massas fiquem à mercê, tanto de figuras grotescas como Bolsonaro, quanto de figurasneo-reformistas, qual solução dar? O autor parece ter consenso de que a resposta não pode ser “Diretas Já” para eleger um novo ajustador ou mesmo “Fora Todos” para eleger toda uma nova casta de políticos burgueses.

Mas como agitar a tomada do poder e governo operário? Principalmente numa época como a nossa, em que a ideia de uma revolução socialista desapareceu completamente do horizonte dos operários. É condenar-se ao isolamento vanguardista.

Para dialogar com o sentimento de mudança ainda limitado dos trabalhadores é necessário levantar uma pauta democrático-radical como a Assembleia Constituinte Livre e Soberana, que proponha que todos os políticos ganhem como uma professora, sejam eleitos em seus locais de trabalho e estudo e tenham seus mandatos revogáveis.

Longe de ser uma ilusão de mudança nos marcos da democracia burguesa ou um rebaixamento de programa, é uma tática ligada à estratégia da revolução proletária. Se ligada às reivindicações transitórias e à conclusão de que nada mudará no regime burguês, essa tática será funcional à tomada do poder.

A Constituinte é um meio, não um fim em si

Não temos a ilusão de que pode haver uma solução nos marcos do regime burguês, muito menos a intenção de iludir os trabalhadores de tal forma. Como adeptos do marxismo revolucionário, sabemos que demandas transitórias como fim do pagamento da dívida pública, estatização de todas as empresas sob controle operário, fim do judiciário, senado e presidência, etc. só podem ser realizadas por um governo operário, fruto de uma revolução socialista dirigida por um partido revolucionário.

Mas para haver uma revolução vitoriosa são necessárias certas premissas, como: consciência revolucionária da classe trabalhadora, acirramento da luta de classes e um partido revolucionário. Temos alguma dessas três coisas no Brasil atualmente? A resposta é não.

Passamos por um processo de crise onde a consciência de classe sofreu décadas de refluxo, a maior parte dos trabalhadoresainda tem ilusões no regime burguês e estão sob a bandeira de conciliadores como CUT e CTB. Não há como agitar a tomada do poder nessas circunstâncias.

A ACLS é de grande importância para fazer avançar a consciência de classe dos trabalhadores, uma vez que deverá ser imposta pela luta e convocará toda a classe para discutir os rumos da nação. Servirá também para por os operários na mesma arena que os burgueses e conciliadores, para conhecer seus verdadeiros planos e largarem as ilusões que tem tanto no regime burguês como nos seus dirigentes conciliadores.

Será um grande espaço de agitação das ideias revolucionárias para o partido revolucionário, onde este terá uma grande oportunidade de unificar um setor ainda maior da classe trabalhadora sob suas bandeiras.

A constituinte é um meio para dar um passo adiante na luta pelo poder enquanto não temos força para toma-lo, não uma “ilusão burguesa e reformista”. Se os revolucionários em algum momento tiverem a oportunidade de tomar o poder eles o farão, seja antes, durante ou depois da constituinte.

 
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