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OPINIÃO
Resposta ao artigo de Opinião “Educação Sexual Compulsória” do jornal O Estado de São Paulo
Livia Tonelli
Professora da rede estadual em Campinas (SP)
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O jornalista Carlos Alberto Di Franco em artigo de opinião publicado no jornal O Estado de São Paulo expressa não só ignorância a respeito das questões pertinentes a discussão de gênero e sexualidade como também o desconhecimento das bases legais que garantem esse debate no ambiente escolar e a demanda colocada pelos próprios estudantes. O autor polemiza em torno da discussão de “ideologia de gênero” e as políticas públicas no âmbito educacional, Plano Nacional de Educação (PNE) e Plano Municipal de Educação (PME).

O PNE com vigência por dez anos (2014-2024) estabeleceu vinte metas para a educação básica e o ensino superior, assim como as estratégias para atingi-las. De maneira geral as diretrizes que norteiam essas metas remetem a universalização e expansão do ensino, erradicação do analfabetismo e a educação para a promoção da cidadania e para o trabalho. As questões pertinentes ao reconhecimento da identidade de gênero e a livre expressão da sexualidade foram suprimidas da redação final por pressão da bancada fundamentalista. Somente duas diretrizes (Art. 2º) e de maneira extremamente vazia tocam na questão da “diversidade”.

Os municípios a partir da aprovação do PNE, 2014, tiveram um ano para elaborar e/ou reformular seus planos educacionais. E é nesse marco temporal que pudemos observar em distintos municípios a ofensiva de vereadores com o objetivo de barrar o que intitulam como “ideologia de gênero” das orientações pedagógicas e do ambiente escolar. Mas afinal o que é “Ideologia de Gênero”?

O setor da sociedade que se apoia nesse “conceito” parte de uma noção de “identidade biológica fixa”. Afirmam não haver necessidade de debate acerca das questões que remetem a gênero e a sexualidade, uma vez o que sujeitos já possuem identidade de gênero biologicamente determinada e invariável desde o nascimento. Acreditam que apontar para o sentido oposto fere o princípio básico do “direito natural da família”.

O autor pontua a necessidade de barrar a “ideologia de gênero” do ambiente escolar com os seguintes argumentos: “1) a confusão causada nas crianças no processo de formação de sua identidade, fazendo-as perder as referências; 2) a sexualização precoce, na medida em que a ideologia de gênero promove a necessidade de uma diversidade de experiências sexuais para a formação do próprio gênero; 3) a abertura de um perigoso caminho para a legitimação da pedofilia, uma vez que a orientação pedófila também é considerada um tipo de gênero; 4) a banalização da sexualidade humana, dando enseio ao aumento da violência sexual, sobretudo contra a mulheres e homossexuais; 5) a usurpação da autoridade dos pais em matéria de educação de seus filhos, principalmente em temas de moral e sexualidade, já que todas as crianças serão submetidas à influência dessa ideologia, muitas vezes sem o conhecimento e o consentimento dos pais. Trata-se de, sem dúvida, de uma violência arbitrária do Estado”.

Irei polemizar com o autor de maneira geral, pois cada um dos argumentos apresentados nos possibilitaria boas e extensas páginas de discussões. Mas, todas no limite remetem a um mesmo eixo de contra-argumentação.

O reconhecimento da identidade de gênero e a expressão da livre sexualidade não cabem em uma análise envenenada de determinismo biológico. Qualquer discussão que caminhar por esse viés estará fadada ao fracasso. A identidade de gênero remete a uma construção social. Portanto, promover a discussão de gênero e sexualidade no ambiente escolar é possibilitar às crianças e jovens reflexões que deem subsídios para a expressão da livre sexualidade e o reconhecimento da identidade de gênero.

Não se trata de uma imposição quanto a orientação sexual, conforme sustenta a bancada fundamentalista. Apenas busca desconstruir por meio de elementos históricos com a visão pecaminosa que oprime e mata todos os dias a comunidade LBGT e as mulheres. Este debate é demandado por educadores e pelos próprios estudantes, seja por meio de suas vivências compartilhadas ou pela relação propícia com temáticas abordadas pelas diferentes disciplinas do saber escolar.

Uma questão que deve ser pontuada é o fato do artigo relacionar de maneira direta pedofilia e violência sexual ao debate de gênero e sexualidade. O que deixa mais explícito o caráter reacionário do jornalista e o esvaziamento de argumentos factíveis para fundamentar seu posicionamento político “arbitrário”. Se observarmos os dados estatísticos de diferentes instituições de pesquisas e um simples olhar para a realidade, veremos que a violência sexual possui relação direta com a opressão da mulher via manifestação do machismo. Quanto a pedofilia poderíamos evidenciar aqui inúmeros casos escandalosos no âmbito religioso, como os do Vaticano, o mesmo setor que sustenta e nega os direitos e as demandas colocadas pela comunidade LGBT. De forma criminosa e consciente o autor trata a pedofilia como um tipo de gênero.

Outra falsa polêmica é a tentativa de relacionar o debate de sexualidade com a indução do ato sexual. Educação sexual é uma questão de saúde, não de indução da relação sexual em si. Temática esta que faz parte das propostas curriculares e de outros documentos oficiais respaldados por lei (1). Assim como a própria questão de gênero.

A opinião do autor é irresponsável e opressora, uma vez que fomenta a intolerância e os crimes de ódio. O autor, chega a mencionar que se trata de um “proselitismo de uma concepção única da sexualidade. Não cabe ao governo, contra a vontade da maioria da população, formatar a cabeça das crianças brasileiras” e chama isto de totalitarismo. Sugerimos ao autor, já que se apresenta bastante preocupado com a educação das crianças e jovens, a se preocupar com sua própria formação e “estudar” o que é totalitarismo.

O Brasil é um dos países com maior índice de crimes de ódio. Estima-se que 44% das mortes de cunho homofóbico registradas no mundo ocorrem em nosso país (2). A cada 28 horas morre um indivíduo fruto da LGBTfobia.

Segundo a Organização das Nações Unidas, 7 em cada 10 mulheres no mundo já foram ou serão violentadas alguma vez na vida. Nosso país não passa por fora dessa estatística sangrenta. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada em estudo premilinar estimou que entre 2009 e 2011 o Brasil registrou 16,9 mil mortes de mulheres por conflito de gênero, ou seja, feminicídio. Números que aumentaram nos anos seguintes.

Nesse sentido, cabe a nós educadores a responsabilidade de garantir o debate em questão no ambiente escolar. Não com a ilusão de que a partir da discussão nesse espaço sanaremos as opressões fruto do machismo e da LGBTfobia cotidiana vivida por mulheres e LGBTs. Mas, com a convicção que se trata de um importante local de formação e expressão das crianças e jovens, e, portanto, devemos fomentar uma educação emancipatória.

É preciso romper com essa “ideologia opressora” que busca a domesticação das mentes e a castração dos corpos. O debate que está colocado não é sobre religião. É sobre preconceito e os crimes de ódio dirigido ao setor LGBT e às mulheres. Portanto, é tarefa de todos lutar por uma escola laica onde possamos debater livremente com os estudantes e a comunidade escolar as questões que remetem a gênero e sexualidade.

1- Por exemplo: Constituição Federal; Lei de Diretrizes e Bases da Educação e Proposta - Lei 9.394/96; Diretrizes Curriculares Nacionais; Parâmetros Curriculares Nacionais; Resoluções 11 e 12 do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos LGBT.

2- Dados do ano de 2012. Número obtido a partir de levantamento em registros oficiais e notícias, uma vez que não há estatísticas oficiais para os crimes de ódio. Fonte: Grupo Gay da Bahia.

 
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