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China e Alemanha: a lua de mel acabou
André Barbieri
São Paulo | @AcierAndy
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Ilustração: Ingram Pinn

Dificilmente a Alemanha poderá manter-se na posição de “cautelosa expectadora” dos desenvolvimentos da crise mundial. O país da chanceler Angela Merkel, como senhor que é da União Europeia, obteve enormes rendimentos às custas do empobrecimento generalizado dos países do leste e do sul da Europa (basta ver o pacto neocolonial que impôs à Grécia, com a colaboração servil do Syriza). Isso fez com que, apesar da crise migratória e o crescimento da xenofobia e da ultra-direita no país, a Alemanha mantivesse relativa estabilidade enquanto as distintas nações européias passam por processos de profunda polarização social e política.

Este ciclo econômico próspero, entretanto, pode estar em boa parte no passado. Do ponto de vista político, porque a própria UE, como um dos empreendimentos mais audaciosos do imperialismo no pós-Guerra Fria, está em crise: já sofreu um duro golpe com o Brexit (saída da Reino Unido), está ladeada por “governos anti-germânicos” na Polônia e na Hungria, e assiste ao fortalecimento da candidatura anti-UE de Marine Le Pen na França.

Segundo o colunista do Financial Times, Gideon Rachman , boa parte da política alemã depende das eleições francesas. Merkel aposta no triunfo do candidato pró-UE Emmanuel Macron, cuja vitória significaria um alívio no crescente sentido de isolamento alemão (e dos próprios editorialistas desencantados do Financial Times). O problema é que nada prevê esse triunfo na França, atravessada pela “crise orgânica” que colocou à cabeça dos EUA ninguém menos que Donald Trump (entusiasta de Le Pen, e acerbo crítico da chanceler “manipuladora do euro”).

Do ponto de vista econômico, ainda detendo a vantagem de controlar o parque industrial do leste europeu e colocá-lo a serviço de sua produção (e boa parte de suas exportações, que dependem muito da própria existência da união aduaneira), começa a perceber a transformação daquela que era sua parceira econômica numa competidora agressiva: a China.

Estaria no fim a lua-de-mel entre Berlim e Pequim?

Líderes chineses deixaram claro em 2016 sua intenção de usar fundos estatais para adquirir conhecimentos e tecnologia de ponta para substituir sua base produtiva de baixo valor agregado. Trata-se do plano “Made in China 2025”, que busca substituir tecnologia estrangeira por tecnologia chinesa na indústria avançada, para que a China atinja produção sofisticada em 10 ramos da indústria, entre elas a robótica, a de semicondutores e a de veículos elétricos.

Para isso, Pequim está mirando o “Made in Germany”, colocando a questão de se algumas de suas pérolas industrias serão absorvidas na cadeia produtiva chinesa.
Em Berlim, a recente campanha de investimentos da China causou espanto no ano passado. Só no primeiro semestre de 2016, fundos de investimento chineses compraram mais de 40 empresas alemãs; em verdade, 17% de todos os investimentos estrangeiros da China desde 2010 se destinaram à Alemanha. Pequim investiu €72 bilhões (US$77 bilhões) na União Europeia nesse período, dentre os quais €11.3 bilhões (US$12.1 bilhões) na Alemanha. Isso equivale a oito vezes o nível de compras de 2015.

A maioria das empresas alemãs adquiridas pela China são empresas de ponta, inovadoras dos ramos da tecnologia de computação e engenharia, o que permite à China possuir um amplo know-how técnico. Em 2016 a compra da empresa de robótica de alta tecnologia KUKA (perola da coroa germânica, criada em 1898), pela empresa chinesa Midea (a maior produtora chinesa de bens domésticos), irritou inclusive o governo alemão. O receio das corporações alemãs e do governo Merkel era que importante domínio técnico estava sendo entregue a um país que deixava de ser simplesmente um parceiro comercial para se tornar um competidor agressivo. A tentativa do governo de persuadir companhias alemãs ou européias de fazerem uma boa contra-oferta não produziu frutos; a proposta chinesa foi imbatível.

Também no ano passado, o governo alemão repentinamente bloqueou a oferta do fundo de investimento chinês Fujian Grand Chip Investment Fund (FGC) para comprar a Aixtron, uma empresa alemã altamente especializada na produção de equipamentos para a indústria de semicondutores (metalorganic chemical vapor deposition, MOCVD), com plantas produtivas na Alemanha, na Grã-Bretanha, e na Califórnia. Depois de ter enviado o certificado de permissão da aquisição, o ministério da economia alemão retirou a permissão para “reexame”. Por intervenção do governo norteamericano através da CIA, Berlim foi alertada de que o conhecimento armazenado pela Aixtron tinha implicações de segurança, e tecnologia militar dessa natureza não deveria estar nas mãos do governo chinês, segundo Washington.

Na medida em que desde a década de 1980 os produtos da Aixtron foram vendidos para indústrias de semicondutores ao redor do mundo (inclusive a China), fica claro que a preocupação de Washington é que a China detenha posse da técnica para buscar monopolizar o campo dos semicondutores (cristais sólidos através do qual passa e pode ser controlada a corrente elétrica). Os interesses chineses também recaem sobre a Osram, gigante da produção de iluminação para LED.

Empresas europeias entraram na roda do descontentamento: acusaram "delicadamente" a China de exigir tecnologia em troca de acesso destas empresas aos mercados chineses

O ministro da economia alemão, Sigmar Gabriel, saiu a defender com cautela, mas não menor protecionismo, os interesses da Alemanha diante do capital chinês. A retórica toma todo o cuidado para não negar a importância do comércio mundial e do investimento estrangeiro, apresentando a idéia da defesa “de regras igualitárias para a competitividade”. De fato, este cuidado vem de que uma porção considerável das grandes empresas alemãs já tem controle acionário de capitais chineses (95% das ações da KUKA já eram da Midea), e os capitais chineses mantiveram de pé grandes empresas europeias em crise, como a sueca Volvo, a italiana Pirelli e o porto do Pireu na Grécia.

Ademais, outro fator que amarra as mãos do governo alemão é sua relação comercial privilegiada com a China. De acordo com a Câmara do Comércio Alemã, o comércio bilateral atingiu 154 bilhões de euros (US$169 bilhões) em 2014. Mais de 5.200 companhias alemãs operam na China segundo dados de 2015. Segundo o Departamento de Estatísticas Federais da Alemanha, a China foi o país de quem a Alemanha mais importou em 2016, e o quinto a quem mais exportou, numa relação bilateral que cresce 14,2% anualmente em média, dobrando a cada cinco anos.

A resposta alemã foi incrementar a barreira protecionista para obstaculizar a campanha aquisitiva chinesa. A idéia é frear investimentos diretos baseados em decisões ou subsídios estatais. Esta política de Berlim é surpreendente pelo obstáculo aos objetivos de Pequim, mas deve envolver uma mudança legislativa em toda a Europa, algo que não pode ser obtido com tanta rapidez.

Seria um exagero dizer que a China “engolirá” a Alemanha com sua torrente impressionante de dólares, assim como menosprezar as capacidades do imperialismo alemão de opor resistência a este curso de eventos. Apesar dos sonhos de sofisticação industrial da burocracia do PC chinês, a China se encontra em um nível tecnológico muito mais baixo que as grandes potências mundiais, em primeiro lugar os Estados Unidos, mas também a Alemanha. As fábricas totalmente automatizadas na China são uma exceção, e pouquíssimas digitalizadas – apenas 60% das empresas utilizam software industrial.

O objetivo de 2025 parece ilusório e se baseia na previsão do êxito da transição econômica chinesa, uma manobra altamente incerta nos marcos da crise mundial, e com novos dados da desaceleração gradual do crescimento nacional (previsão de 6,5% este ano, contra 6,7% em 2016).

Entretanto, por ora as dificuldades da transição chinesa são um acelerador do apetite pelas aquisições alemãs, e não um fator de restrição, para o regime de Pequim.

O “novo ativismo” alemão?

Mas como fazer isso? A questão para a Alemanha é o cada vez mais difícil controle sobre uma União Europeia que lentamente começa a se romper pelas costuras e olhar com hostilidade para este mesmo controle germânico. Como dizíamos no início, é improvável que o imperialismo alemão possa manter-se em sua “clássica” posição de expectadora cautelosa enquanto enriquece saqueando o leste europeu, exportando à China e superexplorando refugiados fruto de suas intervenções militares no Oriente Médio.

 
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