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O discurso de Bolsonaro e o debate sobre o Estado Laico
Matheus Correia
João De Regina

O recente discurso do Bolsonaro, em que afirma que deveríamos criar um “Estado Cristão” e que as minorias que não gostarem que mudem de país, bombou nas mídias e trouxe o debate sobre a laicidade do Estado. Sem querer depositar qualquer validade de reflexão à figura de Bolsonaro e seus seguidores, podemos usar a repercussão de seu discurso para discutir as contradições da laicidade no Brasil. E ainda buscar compreender quais direitos Bolsonaro quer atacar, uma vez que atualmente o Estado brasileiro está longe de ser verdadeiramente laico.

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Desde a perseguição aos cristãos na Roma Antiga se discute a liberdade religiosa e a relação do Estado com a Igreja. O Estado Laico como proposta se põe de fato com o fim do feudalismo e as revoluções burguesas que ao acabarem com a sociedade assentada no domínio religioso sobre todos os aspectos da vida, colocou, teoricamente, o fim na união do Estado com a Igreja em vários países. Ou pelo menos, colocou essas relações em novos termos e roupagens.

A separação se dá teoricamente, pois ainda não podemos dizer que vivemos em um Estado Laico de fato, mas apenas na formalidade que as constituições dos Estados capitalistas proporcionam. O que em tese foi uma reivindicação da própria burguesia, fundamentalmente na Revolução Francesa, adquiriu uma vida extremamente instável no capitalismo. A burguesia, para continuar seu poder, precisou se aliar também com instituições ideológicas que cumpriam o papel fundamental de dominação na antiguidade ou na época moderna, no caso as igrejas.

Mesmo nos países mais avançados, o Estado e a Igreja se unem periodicamente para diminuir importantes conquistas sociais como o ensino laico. Mesmo na França, por exemplo, um século após a Revolução Francesa, o Estado quis novamente responsabilizar os padres pelo ensino da população camponesa. Nos Estados Unidos não é incomum descobrirmos a existência de discursos criacionistas e antidarwinistas nas escolas. Nos países subdesenvolvidos a ideia de um Estado e uma educação laica é uma realidade ainda mais instável. O Estado burguês nestes países não chegou a ter um enfrentamento direto com a Igreja. Pelo contrário, sempre a considerou como uma instituição de importância social vital e, através de incentivos fiscais, sempre garantiu seu fortalecimento e a propagação das suas ideias.

Por outro lado, o capitalismo também sabe mistificar a própria ideia de laicidade e transformá-la a seu favor. Comumente o Estado fortalece as religiões de origem cristã, utilizando o discurso da laicidade para oprimir as populações imigrantes e as religiões de minorias políticas. Um exemplo claro dessa politica são as medidas almejadas pelo Estado Francês de proibir a burca nas escolas.

No Brasil, a ideia de Estado Laico surge na transição da monarquia para a república em 1889 na influência do iluminismo, em que a constituição da época define separação entre a igreja e o Estado: as eleições não ocorreriam mais dentro das igrejas, o governo não interferiria mais na escolha de cargos do alto clero, como bispos, diáconos e cardeais, e extinguiu-se a definição de paróquia como unidade administrativa – que antigamente poderia equivaler tanto a um município como também a um distrito, vila, comarca ou mesmo a um bairro. Além disso, o País não mais assumiu uma religião oficial, que à altura era a católica, e o monopólio de registros civis passou ao Estado, sendo criados os cartórios para os registros de nascimento, casamento e morte, bem como os cemitérios públicos, onde qualquer pessoa poderia ser sepultada, independentemente de seu credo. O Estado também assumiu o controle da educação, instituindo várias escolas públicas de ensino fundamental e intermediário.

A tal liberdade religiosa surge na Constituição de 1924 em que o culto de outras religiões é permitido; porém, deveria ser feito de maneira doméstica, não podendo haver a identificação oficial de igreja ou centro religioso de qualquer espécie que não fossem católicos. Ou seja, nada de liberdade religiosa, sem esquecer os casos de perseguição às religiões de matriz africana que marcam a história de nosso país.

A atual constituição do Brasil assegura o direito à liberdade religiosa individual de seus cidadãos, e proíbe o estabelecimento de igrejas estatais e de qualquer relação de "dependência, imposição ou aliança" de autoridades com os líderes religiosos, com exceção de "colaboração de interesse público, definida por lei." Porém, como inúmeras outras questões relativas à Constituição, como direito à moradia, saúde e educação, alguns aspectos da Constituição Federal se limitam a promessas.

Ainda é formal falar de laicidade do Estado no caso brasileiro uma vez que vemos isenções de impostos para as Igrejas, símbolos religiosos nas repartições públicas, o próprio aborto que é proibido, apesar da luta de muitas mulheres, por fundamentos religiosos, e uma bancada religiosa dentro do Congresso brasileiro, entre tantos outros exemplos.

O próprio preâmbulo da Constituição cita deus. PREÂMBULO CRFB/88: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil”. Ainda que o Preâmbulo constitucional não tenha valor de lei, é contraditório para um Estado que se diz laico, conter isso em sua Constituição.

As posições de ódio destiladas por Bolsonaro partem de um Estado laico para propor uma junção do Estado e da religião cristã que irá atacar os mínimos direitos conquistados na democracia burguesa, e que ainda muita vezes não são cumpridos. Os trabalhadores devem se colocar contra esse tipo de reacionarismo, e de fato são os únicos que podem transformar essas conquistas formais em concretas, e avançar na formação de um Estado Laico de fato.

Isso com toda certeza passa pela luta radical contra qualquer perseguição religiosa proporcionando liberdade de credo para todos de fato. Passa também pela expropriação de todos os bens da Igreja para serem administrado pelos próprios trabalhadores, os que geram riqueza na sociedade.

O capitalismo não pode levar até o final a promessa que ele próprio criou de Estado Laico. Precisa se aliar com o conservadorismo religioso. O Brasil é um exemplo disso, ao não levar até o final a separação do Estado e da Igreja, abre possibilidade para que a bancada religiosa e o Bolsonaro exijam cada vez mais o fim da pouca laicidade que existe.

Os únicos que podem levar a cabo a tarefa de um Estado de fato Laico, é a classe trabalhadora. Que na constituição de um Estado Operário, colocará os interesses da sociedade acima dos da Igreja. Além do combate aos aspectos reacionários da Igreja em nossa própria sociedade que muitas vezes propaga ideais lgbtfóbicas e machistas, bem como ajuda a manter a sociedade de classes ao pregar o ideal burguês de meritocracia.

 
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