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INDICADOS AO OSCAR 2017
“Eu não sou seu negro” - Sessão especial acende o debate no Movimento Negro paulista
Lourival Aguiar Mahin
São Paulo

Sessão realizada em São Paulo atraiu centenas de ativistas negras e negros para verem a história dá luta dos negros nos EUA contada por outros olhos.

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Ocorreu na última sexta-feira, 10/02 na sala da Reserva Cultural, em São Paulo, uma sessão especial organizada pelo ativista e militante do PSOL Douglas Belchior, para integrantes do movimento negro paulista do filme “Eu não sou seu negro” escrito por James Baldwin e dirigido por Raoul Peck. O filme ainda conta com a preciosa narração de Samuel L. Jackson, que contribui para dar um intenso senso de “gravidade” à narrativa do documentário.

A obra é baseada no nas anotações que se tornaram o livro “Remember This House”, de James Baldwin, que descreve as relações étnicas durante a luta dos direitos civis pelos negros nos Estados Unidos com enfoque na morte dos principais ícones Medgar Evers, Malcom X e Martin Luther King.

Engajado politicamente, Raoul Peck, que é haitiano e foi ministro dá cultural do Haiti entre 1996 e 1997, mas refugiou-se com sua família no Congo após fugir da ditadura de Papa Duvalier. Se formou em Cinema na Alemanha, mas chegou a passar fome em outros países e também já foi taxista em Nova York. Seus trabalhos envolvem documentários que contém sempre a temática dos contrastes raciais e políticos, sendo indicado para Cannes por seus trabalhos, que podemos destacar um filme sobre o Primeiro Ministro do Congo, Patrice Lumumba, e o processo de independência do Congo Belga, que renderam um documentário (Lumumba - Death of a Prophet/ 1992) e um filme dirigido por ele (Lumumba/ 2002), além de outros sobre a situação do próprio Haiti. Este ano dirigirá um filme sobre a vida de Karl Marx e sua relação com Friederich Engels, autores do Manifesto Comunista.

Foto: Angela Perez

O documentário “Eu não sou seu negro” recebeu o primeiro no festival de Toronto e está avaliado no Rotten Tomatoes (principal ranking de filmes do mundo) com 97% de aprovação e 96% no Metacritic, o que mostra que sua indicação ao Oscar de 2017 na categoria de melhor documentário não é uma coincidência. O documentário não apenas expõe a violência vivida na época, mas também apresenta trechos da mobilização dos negros nos dias atuais, que nos mostra como a violência policial que gerou não apenas o movimento pelos direitos civis nos EUA na década de 1950 ou o Partido dos Panteras Negras, mas também o movimento Black Lives Matter nos dias atuais. Em seu artigo para o Cinematecando, Mônica Berkovich diz que o filme: “Expõe e nos faz questionar a forma que os filmes hollywoodianos e a mídia representavam os negros na época, tornando claro que, na sociedade, os negros eram sempre representados de forma bestial, inferior e que traziam doenças. A obra mostra como eles eram classificados apenas para servir o branco (como se fosse uma justificativa para a escravidão) e mostra as inúmeras formas pelas quais o preconceito existe. Não é preciso existir a agressão física para dar autenticidade ao mesmo – o racismo velado é o que mais fere, pois ele fica o tempo todo martelando na cabeça que o branco se acha superior ao negro.”

E isso pode ser notado infelizmente durante a própria sessão de exibição do filme para ativistas e formadores de opinião negros. O espaço do Reserva Cultural é reconhecido por ser um espaço elitizado, frequentado em sua grande maioria pelos moradores da região dos Jardins e Pinheiros (regiões próximas da avenida paulista, onde está localizado o cinema), e provavelmente recebia pela primeira vez um contingente tão grande de negras e negros para assistirem a uma de suas sessões. O horário escolhido já destoava dos horários de exibição de filmes deste tipo, sendo marcado para às 10h30 da manhã, o que objetivamente excluiu uma boa parcela dos convidados, que não puderam ir devido o horário conflitar com o trabalho. Durante a apresentação da sessão, um dos responsáveis pela distribuição do documentário, funcionário da Imovision, disse para “que os negros se comportassem e evitassem deixar papéis e outros lixos no cinema, pois os donos do espaço eram ’chatos’ e estavam acostumados a receber um público diferente do que estava ocupando o espaço naquele dia”, este comentário imediatamente gerou desconforto nos presentes, que se sentiram bastante ofendidos com a indicação de “público diferenciado e incivilizado” feita pelo funcionário da Imovision, como se todos 150 ativistas e militantes negros jamais tivessem visitado uma sala de cinema.

Ao término da sessão, houve um espaço para troca de experiências entre os espectadores e as reações foram muito parecidas: emoção e euforia em torno do filme. As cenas, que continham imagens de passeatas contra os Direitos Civis pelos negros (organizadas por setores da Ku Klux Klan) e dos Direitos dos Negros, escancara que não existia igualdade de direitos entre negros e brancos, mas um estado de exclusão dos negrxs por uma sociedade que por mais que quisesse não podia negar a existência de milhões de negrxs. Essas imagens geraram forte comoção no público, dando uma materialidade visual ao sofrimento e situações vexatórias e violentas as quais as negras e negros estadunidenses for submetidos durante décadas após a abolição da escravidão.

Mas foram nas cenas de entrevistas dos líderes do movimento pelos Direitos Civis, como o autor James Baldwin, que os maiores questionamentos a política de segregação racial foi exposta. O próprio Baldwin coloca limites ao entendimento do que seria o racismo. Para ele, não é algo individual, mas ideológico e que deve ser sistematicamente reforçado, em filmes, propagandas e na política pública, que criaram desta maneira o mito de que os brancxs são superiores aos negrxs. A resposta de Baldwin é que o racismo não vem de dentro deles, mas está projetado na mente da sociedade. Como coloca Mônica também em seu artigo para questionar a “síndrome de superioridade”: “por que um homem branco não acredita que possa existir uma mulher negra médica, que ela tem a mesma capacidade psíquica e física?”

O filme nos leva a refletir com muito mais profundidade o que ocorreu no início do movimento pelos direitos civis nos anos 1950 e o que perdura até os dias de hoje, em que vemos a repressão policial vivida pelas negras e negros nos Estados Unidos e as regressões que ocorreram durante os governos de Clinton, Bush e Obama é que tendem a aprofundar com Donald Trump agora no governo dos EUA. Está realidade pode ser encontrada no mundo inteiro e inclusive no Brasil, onde os jovens negros seguem sendo assassinados cotidianamente pela polícia racista.

Este for deixa um importante pergunta para o movimento negro brasileiro: qual o inimigo que decidimos combater?

E como colocou a jornalista e fotógrafa ngela Perez no site “Todos os negros do Mundo”:“Quantas salas de cinema passarão o filme no Brasil? Muito poucas! Por quê? Talvez pensem que ao contarmos essa história, estaremos contra os brancos. Mas estão enganados. Estamos contra uma estrutura opressora, a não ser que seja a favor dessa estrutura, pode ir ao cinema tranquilamente. Minha vontade é que muitos, muitos brancos tenham coragem de assistir para desconstruírem essa ideia de negro que eles mesmos inventaram.”

Então, aceita uma pipoca e vamos ao cinema?

Foto Angela Perez

 
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