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TRIBUNA ABERTA
Esta noite dormiremos temerosos: sobre o caos nas cidades capixabas
Lívia de Cássia Godoi Moraes

As opiniões da Tribuna Aberta não refletem todas as posições do Esquerda Diário, em especial o não reconhecimento do caráter regressivo das reivindicações dos PMs, que entendemos como um fortalecimento de seu papel repressivo. As posições expressas no texto são de exclusiva responsabilidade da autora.

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Tentarei fazer um relato do que tem ocorrido no Espírito Santo desde este final de semana, com mais expressividade hoje, dia 06/02, segunda-feira. Desde já deixo claro que é muito mais um relato do que uma análise. Os elementos que constituem este contexto não estão muito claros, e boatos e fatos se confundem em meio ao clima de pânico e medo.

O celular não pára de apitar: são vídeos e áudios que chegam a todo momento, reforçando a sensação de medo. Os serviços públicos estão suspensos: atendimentos médicos (com exceção de urgências), escolas, universidades etc. Farmácias, padarias, supermercados estão fechados. Os ônibus da Grande Vitória pararam de circular às 16h de hoje e não circularão amanhã, 07/02. São poucos os que se atrevem a dar uma volta nas ruas do bairro onde moro, um bairro de classe média, próximo à Universidade Federal.

A que se deve tudo isso?

Desde este sábado, dia 04 de fevereiro, familiares de policiais militares, especialmente mulheres (esposas, filhas e mães), ocupam as entradas e saídas dos batalhões para impedirem que estes saiam ao trabalho. Isso se deve ao fato de que policiais militares são proibidos constitucionalmente de realizarem greves. Trata-se de uma estratégia para que possam chamar a atenção sobre suas condições precárias de trabalho.

Segundo relatos que podem ser encontrados aqui, os policiais não recebem aumento há sete anos, os coletes à prova de balas estão vencidos e não são trocados, não há plano de saúde e seus familiares temem por suas vidas.

O Espírito Santo é um estado que é apresentado na mídia como exemplar na austeridade orçamentária e no modelo contra a violência em seus presídios.

Conforme apresentado aqui, “não há mais as celas metálicas (chamados de ‘microondas’ e que de dia chegavam a temperaturas de 50ºC), não há mais presos jogando futebol com a cabeça dos outros, não há mais corpos picotados e encaixotados, não há mais as vexatórias revistas íntimas de familiares de presos (inclusive crianças e idosos)”, mas tudo isso depois que o Brasil foi réu na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e o Estado foi obrigado a tomar medidas que minimizassem a barbárie dos cárceres capixabas. Ainda assim há problemas sérios que vão desde as formas duvidosas de como se deram as licitações de novos presídios até a péssima qualidade das comidas e controle arbitrário de absorvente das presas. A população carcerária quase quadriplicou em oito anos.

Sem contar que o Espírito Santo é o oitavo estado do país em taxa de assassinatos, e quarto que mais mata mulheres, segundo o Atlas da Violência de 2016.

Enfim, trata-se de um estado marcado pela violência, longe de ser qualquer modelo de política social pública.

O noticiário “oficial” agora apresenta o Espírito Santo como o estado no qual o caos está instaurado, dado que “bandidos” estão à solta, e já se registraram 51 mortes só nesse final de semana. Alguns elementos que aparecem nos vídeos e áudios que chegam via facebook e whatsapp fazem parecer que essas mortes não são causadas em sua maioria por “bandidos”, mas por seguranças privados, policiais à paisana, justiceiros e linchadores. Vídeos de pessoas amarradas, tomando chutes no rosto ou jogadas no chão por homens fortes e armados são uma constante. Aqueles que são chutados, amarrados, atirados ao chão e executados são em geral jovens negros. (1)

Há também vídeos de pessoas saqueando lojas e levando para suas casas eletrodomésticos, máquinas de lavar, televisores LCD, dentre outros. Algo que não contradiz com o histórico político de uma população que passou os últimos quatorze anos sendo integrada economicamente via consumo e endividamento, e que agora encontra-se sem emprego ou em trabalhos altamente precarizados.

A solução encontrada pelo Governo do estado é trazer as Forças Armadas, em especial o Exército, para as ruas. Ou seja, resolver o problema da violência com mais violência. Em um estado em que as pessoas estão tão habituadas com a violência ocorre que, em bairros de classe média e classe média alta, homens fardados e com fuzis nas mãos são aplaudidos e ovacionados por onde chegam.

O problema da polícia militar vai muito além das suas péssimas condições de trabalho, mas está incrustrado num modelo policial violento, fortemente hierarquizado e descolado da realidade dos cidadãos e trabalhadores.

Esse movimento protagonizado pelas famílias dos PMs tem dificuldade de receber solidariedade daqueles que lutam contra a precarização do trabalho, contra os cortes em políticas públicas e contra a austeridade orçamentária, porque constantemente apanham de cacetete, são atingidos por bombas, gás lacrimogênio e spray de pimenta quando saem às ruas em defesa de seus direitos. Importante seria que a sociedade se empenhasse fortemente no debate da desmilitarização da polícia e por uma política realmente pública de segurança.

Enquanto isso, o governador, Paulo Hartung, em São Paulo, em tratamento médico, anunciou que deixará o PMDB, sem anunciar ainda seu novo partido, mas com grande aceno ao PSDB. Seu olhar parece estar mais atento a 2018 do que à situação calamitosa e urgente do estado capixaba.

Esta noite dormiremos temerosos, porque na periferia, a exceção é regra, e, como bem disse uma advogada militante aqui do ES, a segurança pública brasileira nem é segura nem é pública. Travestida de guerra às drogas, é guerra aos jovens trabalhadores(as), pobres e negros(as), da periferia.


1) Qualquer semelhança com os crimes de maio de 2006 em São Paulo não é mera coincidência, quando, em menos de 15 dias, mais de 500 civis foram mortos. Na sua maioria, jovens negros(as) nas periferias, como se pode ver aqui e aqui.

 
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